Não vou contar uma história de Bento Carneiro, o vampiro brasileiro, mas também não se trata de um engana-leitor. É tudo verdade. Foram à minha casa, colheram meu sangue e sumiram com a amostra. Meus leucócitos, minhas belas plaquetas e minhas hemácias vagueiam por aí desesperadas, aflitas, possivelmente já desidratadas.
A modernidade e os cortes de custos criaram, nas grandes cidades, um serviço que você pede e o povo vem de maleta e jaleco retirar tubetes de sangue para serem examinados. De fato, é uma comodidade para gente como eu, que passa perrengue para sair à rua. Pessoas mais velhas também ficam menos expostas a filas, exigências burocráticas e deslocamentos.
Mas essa facilidade toda também significa menos gastos para laboratórios que enxugam estruturas e pessoal. O que ninguém conta é que embora haja "rigorosíssimos" processos de controle das coletas, amplia-se a chance de sua anemia, sua diabetes, suas infecções irem passear soltas no Brás, na av. Paulista, no Largo da Batata e até na Consolação.

Demorei para perceber que meu sangue havia sido retirado à toa. O resultado nunca que era divulgado na plataforma supereficiente com gráficos e índices que a gente finge que entende. O jeito era entrar em contato com o serviço de atendimento do laboratório.
Depois brigar com um dispositivo eletrônico, uma moça falou comigo, a conta-gotas. Supostamente após procurar meus tubetes dentro da gaveta, ela solta: "Lamentamos não poder ajudar". E me mandou um protocolo. Era o boletim de ocorrência que me faltava. Meu rubro elixir da vida tinha sido mesmo sequestrado, desviado, derramado na pia, dado de alimento para pernilongos ávidos por um sanguinho malacabado.
Se a lenda diz que são necessárias 24 horas para declarar uma pessoa desaparecida, me pediram 48 horas para dar uma resposta sobre o paradeiro do meu sangue, que se transformaram em 72, 96… Até fizeram contato para dizer que continuavam sem saber o que poderia ter acontecido.
Fosse caso de descobrir alguma moléstia devastadora com os exames, talvez eu já tivesse nas catacumbas do Drácula. "Vamos coletar de novo", disse a funcionária que se compadeceu com minha desolação e também já dando a entender que meus tubetes, fatalmente, já tinham virado criadouro de mosquitos da dengue.
A resposta oficial da empresa Dasa, a quem pedi para contar este causo, pede desculpas, reconhece atraso no atendimento da queixa e diz que possuem "rígidos padrões de qualidade e segurança em todo o processo de coleta domiciliar".
Por fim, explicaram o seguinte: "houve intercorrência no cadastro da amostra, o que impediu a sua vinculação ao exame. Reforçamos que não há risco de extravio de material biológico." Não achei preciso fazer uma réplica. Meu sangue foi rebelde… e tals.
Vitaminas D e B12 à parte, os resultados dos exames da nova coleta já saíram e devo sobreviver. Quer dizer, mais ou menos. No mesmo dia da segunda extração, recebo uma ligação.
"Senhor Jairo, teremos de fazer uma terceira coleta. É que faltaram uns tubos para exames específicos." Achei melhor deixar para lá. Não, não sou sangue ruim. Sou sangue bão.




