Morreu o economista François Chesnais

29 de outubro 2022 - 12:30

Economista marxista e militante revolucionário, François Chesnais destacou-se pela análise minuciosa das contradições e dinâmicas da globalização financeira.

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François Chesnais em 2020. Foto de Jmtremblay/wikimedia Commons.

Professor emérito de Economia na Universidade Paris-XIII, François Chesnais nasceu em 1934 e desempenhou durante três décadas, entre 1962 e 1992, o cargo de economista principal da OCDE enquanto coordenador de projetos de investigação para a Direção das Ciências, Tecnologia e Indústria desta organização internacional. Até que "um dia, a despeito do alto nível de seus "papers", foi chamado no gabinete do secretário-geral para ser informado de que, com a entrada dos países do bloco socialista na OCDE, a instituição precisava garantir um discurso único sobre o comunismo e ele destoava, com sua visão crítica", recorda umartigo na revista brasileira Valor.

No seu regresso à Sorbonne, dedicou-se ao estudo da globalização do capital industrial e financeiro e publicou em 1994 o livro "A Mundialização do capital", que se tornou uma referência neste campo. Em 2004, o economista marxista argumentará que a nova fase do capitalismo a partir de meados dos anos 1970 é caracterizada pela expansão do capital rentista e do capital fictício, que resultaria inevitavelmente no estouro da bolha. Poucos anos depois, a queda do Lehman Brothers viria a dar-lhe razão.

Em declarações ao Esquerda.net, Francisco Louçã destaca as "análises finas, informadas e mobilizadoras para o combate anticapitalista" deste economista marxista que foi também "militante revolucionário ao longo de toda a sua vida", a par do seu importante contributo "para o estudo, a partir  de Marx, das contradições e dinâmicas da globalização financeira e do sistema económico no seu todo". "Essa lucidez faz falta, aprendamos com ele" concluiu o economista e antigo coordenador do Bloco de Esquerda.

"Chesnais pertence ao seleto grupo de economistas políticos da estirpe que se recusa a emitir opiniões baseadas em aparências. Recorre antes à observação atenta dos factos, estatísticas e tendências; além disso, sempre procura realizar minuciosa revisão do debate intelectual e da bibliografia, para depois expressar seu ponto de vista", afirmou o ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social brasileiro, Luciano Coutinho, no prefácio a um livro comemorativo dos 80 anos de Chesnais, que influenciou uma geração de economistas naquele país desde 1979, primeiro na Universidade de Campinas e depois na Universidade Federal do Rio de Janeiro ou na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, entre outras instituições que visitou ao longo dos anos.

Desde cedo Chesnais teve atividade política à esquerda em grupos trotsquistas, primeiro ligado a Cornelius Castoriadis, depois à OCI - a organização que correspondia ao POUS em Portugal - que daria lugar ao PCI. Viria a estar na fundação do NPA em 2009, após ter colaborado com a revista teórica da LCR, a Critique Communiste, e de fundar a sua própria revista no coletivo Carré Rouge com antigos companheiros que também tinham saído da OCI-PCI. Participou na revista Grain de Sable, editada pela ATTAC, organização da qual fazia ainda hoje parte do seu Conselho Científico.

Com boa parte da sua obra traduzida para português no Brasil, em Portugal a Temas e Debates editou em 2012 "As Dívidas Ilegítimas", que Chesnais apresentou em Lisboa sobre as consequências da crise da dívida na zona euro. A Campo da Comunicação editou em 2000 "As Armadilhas da Finança Mundial", obra coletiva do Apelo dos economistas para sair do pensamento único, coordenada com Dominique Plihon e na qual é autor de um capítulo.

Noartigo mais recente publicado no Esquerda.net, escrito em forma de carta aos amigos brasileiros, Chesnais interpela-os sobre a posição que leva alguns setores de esquerda a tomar o lado de Putin em nome de um “anti-imperialismo” e contrapõe que a invasão da Ucrãnia é uma agressão unilateral da Rússia.