6 – Substituição de importações
A substituição de importações, é uma estratégia económica aceitável desde que devidamente planeada tendo como objetivos principais a redução de défices da BC, o desenvolvimento de indústrias existentes ou com potencial para serem criadas, através da proteção da concorrência estrangeira e ainda o conceito que "as nações devem produzir seus próprios meios de sobrevivência", designadamente na área alimentar. Opõe-se ao "comércio livre" neoliberal em que a soberania do país fica dominada pelos interesses transnacionais.
Uma coisa é utilizar o comércio externo para o seu próprio desenvolvimento pensado de maneira estrutural, outra é o comércio externo servir para estabelecer formas de capitalismo dependente e serem transferidos capitais e bens de acordo com os interesses de maximização do lucro. É o caso dos países menos desenvolvidos que exportam matérias primas (minerais, agrícolas) apenas semiprocessadas, caso da indústria extrativa portuguesa.
Os EUA, com Trump, apresentaram tarifas alfandegárias como estratégia. Claro que as tarifas alfandegárias são um instrumento legítimo e soberano, ilegais são as sanções estabelecidas fora do sistema da ONU, de acordo com a sua Carta. Mas a questão não é sobre tarifas, é sobre monopólios, parasitismo financeiro e imperialismo. O problema, como destaca Michael Hudson[1], um dos maiores economistas atuais (nem um livro seu está traduzido em Portugal, nem um seu texto é mencionado nos grandes media) é a captação de valor pelo sector FIRE (finanças, seguros, imobiliário).
O âmbito da exploração global pelo ocidente, comandado pelos EUA, reduziu-se drasticamente com a ascensão do mundo multipolar. As tarifas aparecem como um atabalhoado recurso numa economia consumista que tem um défice comercial de 1,27 milhões de milhões de dólares. A base industrial dos Estados Unidos foi desmantelada há décadas, perdeu competitividade, tentando agora superar as suas vulnerabilidades com tarifas, mas sem existir um plano industrial nacional, excetuando talvez nas indústrias militares.
As tarifas de nada servem se não existirem as correspondentes industrias com capacidade para um rápido aumento da produção. A necessidade de construir ou reconstruir unidades fabris pode levar três a cinco anos e haveria que desde já estivessem a ser elaborados anteprojetos e cadernos de encargos. Mas há outras condições prévias tão importantes como estas: uma estratégia antimonopolista superando o sistema em que o lucro é prioritariamente realizado no sector FIRE, ou seja, colocar a rendibilidade industrial acima da financeira e esta ao serviço da anterior. Mas isto implica que a criação de moeda e crédito seja uma função do Estado decorrente da sua soberania.
Um regime tarifário universal sobre as importações, neste caso dos EUA, não é uma estratégia económica. Os riscos são evidentes caso a produção não se adapte rapidamente à procura e sejam quebradas as cadeias de aprovisionamentos. A agressividade inconsequente dos EUA e recuos exibem a sua perda de poder e afastam o comércio global dos EUA, com a China e a Rússia prontos para os substituírem, aprofundando os laços com a Ásia, África, América do Sul.
O dilema que a administração Trump tem de encarar – dificilmente o resolverá a bem – é o conflito entre a necessidade de reindustrialização e os interesses da oligarquia financeira, refletindo a crise do império. O dólar está a perder a supremacia, os objetivos de estrategas russos da moeda alternativa, comoSergey Glaziey[2], acabam neste contexto por ser facilitados: nos BRICS, aliás na generalidade do Sul Global, há uma pressão para abandonar o dólar e dar preferência a ativos reais: energia, minerais, bens industriais e sobretudo ouro cuja cotação atingiu níveis históricos de 103 dólares o grama. Por outro lado, quase todas as10 moedas rastreadas pela Bloomberg fortaleceram-se em relação ao dólar, incluindo o euro.
Isto é mau? Para a finança sim, para o sistema imperial também, mas a desvalorização em curso permite maior competitividade nas exportações e encarece as importações. Porém, se a produção nacional não acompanhar as necessidades do país será o desastre no défice da BC, na inflação, nas cotações bolsistas. Isto além da falta de materiais estratégicos para a produção de equipamentos com tecnologias avançadas, por ex. terras raras.
A reindustrialização de um país, requer planeamento estratégico de longo prazo que nenhum império em declínio pode executar. Realocar indústrias é uma tarefa complexa que requer investimentos massivos de capital público e privado, formação de mão-de-obra, infraestruturas, reestruturação das cadeias de fornecimentos.
Claro que o sistema financeiro dos EUA sentindo-se prejudicado tudo fará para que o plano de Trump não funcione: manifestações contra as suas políticas têm sido organizadas por líderes democratas. Compreende-se, grande parte do que é obtido como receita pelas grandes empresas dos EUA, em particular as tecnológicas, provém do exterior.
O problema é que o que Trump quer fazer nem sequer se baseia no keynesianismo, recusa o planeamento estatal para os sectores produtivos, continua a propor-se a redução massiva de impostos sobre as grandes fortunas para fomentar o investimento, mantém a “economia de mercado” como capaz de fomentar a industrialização e o equilíbrio económico. No fundo, quer ressuscitar um capitalismo industrial, deixando praticamente intocável o sector FIRE, esperando que este invista na indústria. Então onde fica a maximização do lucro do capitalismo?
7 – A UE à deriva
Sahra Wagenknecht, líder do partido de esquerda Aliança Sahra Wagenknecht – Razão e Justiça, disse que a Alemanha deveria responder às tarifas dos EUA retomando o fornecimento de gás russo, fortalecendo os laços económicos com os países BRICS e eliminando a dependência digital e energética dos Estados Unidos.
Tem razão e é justo que o proponha, mas isto leva-nos para a noção de soberania económica, posta de parte na UE, embora seja o fundamento dos demais aspetos que envolvem soberania.
Segundo um cálculo russo, entre 2022 e 2024, os custos adicionais em importações de energia na UE, atingiram 544 mil milhões de euros, aproveitados pelos EUA, RU, Noruega e países do Médio Oriente. Porém, levando em conta os efeitos económicos mais amplos, as perdas totais da UE aumentaram para 1,3 milhões de milhões de euros, cerca de 2,4% de sua economia, comparando as previsões de crescimento do FMI com os dados reais do Eurostat. Os cidadãos comuns, sofreram um golpe de 1,6 milhões de milhões de euros em rendimento perdido. Von der Leyen, reconheceu o alto custo das políticas da UE no seu discurso no Fórum Económico Mundial em janeiro de 2025, ao dizer que "libertar-se" (!) dos recursos energéticos russos "teve um preço".
As políticas fracassadas da burocracia europeia eliminaram a soberania económica dos diversos países destruindo a economia no seu conjunto. A total submissão aos Estados Unidos, com os quais agora se mostram incapazes de lidar, e as sanções contra a Rússia, são o exemplo flagrante das consequências da sua demagogia, ignorância e mentiras.
Embora procurem esconder-se atrás de "ameaça russa", na UE a desorientação é total, as lideranças não mostram ter capacidade para entender o que se passa na realidade nem apresentar soluções realistas. Querem permanecer agarradas aos mitos de um mundo que acabou: façam os EUA o que fizerem, com Trump ou sem Trump, o anterior não volta.
Apesar das fantasias de grandes potências que Macron ou Starmer queiram encenar, acompanhados pela incompetência que paira na CE, a UE/NATO está atrasada económica e tecnologicamente. Que prioridades se apresentam na UE para o seu futuro? Como garantir competitividade internacional, sem energia abundante e barata? Como resolver os problemas de endividamento e sociais como a pobreza? Não, a prioridade é tentar mostrar aos Estados Unidos que estão errados, embora mantendo a sua submissão e prosseguir um quimérico objetivo belicista contra a ameaça da Rússia ao mudo unipolar imperialista, sem o qual não concebem existir. A "solidariedade europeia" só serve para subordinar os países pequenos aos ditames da CE da sra. Leyen. A militarização só irá piorar a periclitante situação geral de declínio.
O neoliberalismo, apresentado como a política necessária ao desenvolvimento, colocou a UE e sobretudo a zona euro, em estagnação desde o início do século, agravada com crises cujas causas não só são incapazes de resolver como pretendem intransigentemente manter. Em 2023, o crescimento económico da UE foi de 0,4%, em 2024 a UE cresceu 1%, a zona euro 0,9%.
O falhanço económico, a degradação social da UE, provam que comércio livre só é vantajoso entre economias com níveis de produtividade idênticos, caso contrário aumenta os desequilíbrios pré existentes. O comércio externo deve ser orientado pelas necessidades de desenvolvimento através do planeamento económico democrático.
Os efeitos das sanções aplicadas a dezenas de países, as tarifas que agora os EUA pretendem aplicar, evidenciam as vulnerabilidades da UE e as suas frágeis cadeias de fornecimentos. A UE não está preparada para esta situação, o facto de continuar agarrada a critérios unipolares e neoliberais, mostra a falência das suas orientações e a crescente irrelevância geopolítica. O resto do mundo, os próprios Estados Unidos, olham para a UE/NATO como uma península da Euroásia. Apesar disto, mas coerentemente, cedendo às exigências de Trump, a UE concordou em aumentar as importações de GNL dos EUA, segundo a porta-voz da CE, Anna-Kaisa Itkonen...
8 – E a alternativa
Sahra Wagenknech apontou um aspeto da alternativa que deveria estar a ser considerada nos países da UE, sobre esta possibilidade o silêncio é total. Apesar da propaganda dos neoliberais de diversas cores o descalabro do sistema obriga-os à intensa intervenção do Estado em apoios, subsídios, desenvolvimento tecnológico, financiamento, etc. O objetivo é sempre o mesmo: proporcionar o aumento da taxa de lucro e tornar "atrativos" os investimentos do grande capital. Não conhecem outra coisa, nem querem conhecer, mas nada disto tem a ver com qualquer alternativa minimamente de esquerda.
Partidos que se designam como socialistas/social-democratas, apresentam lotes de intenções, geralmente frases feitas sem qualquer suporte teórico ou prático. Pretendem simplesmente gerir o capitalismo melhor que os próprios capitalistas, querem ultrapassar as impossibilidades teóricas do neoliberalismo com medidas de ordem técnica. No essencial subordinam-se aos interesses oligárquicos, em que os direitos dos trabalhadores se encontram dependentes dos interesses do capital e o trabalho é visto como uma concessão do “empreendedor” em "criar empregos".
Pode-se ser de esquerda sem se assumir como marxista. O que não se pode, é pretender ser de esquerda e simultaneamente antimarxista: sem o marxismo não é possível entender o funcionamento do capitalismo, a dinâmica das suas crises, nem encontrar as soluções corretas. Em última análise, o que define uma posição de esquerda é, a sua relação com o capital, não permitindo que nenhuma camada social possa reverter o interesse geral no seu próprio interesse privado.
Voltando à questão das leis fundamentais dos sistemas, o socialismo define-se pela maximização dos benefícios sociais, princípio que orientará as suas ações e o planeamento. Claro que em socialismo há que confrontar o curto com o médio e longo prazos e os próprios condicionamentos à existência e manutenção do sistema. Acresce que sendo a democracia um essencial benefício social, está condicionada pela existência de imperialismo, expansionista e belicista.
O socialismo só se pode considerar concretizado quando a sua lei fundamental estiver plenamente efetiva no funcionamento e gestão da sociedade. A transição e suas diversas fases dependem das condições económicas e sociais iniciais legadas pelo capitalismo, mas também das situações de ingerência e agressão do imperialismo. É o que na física se considera na determinação concreta de um dado sistema introduzindo as condições limite ou fronteira.
O período de transição pode ser bastante alargado no tempo, caracterizado pela aliança entre as camadas não monopolistas, procurando a sua integração pacifica e paulatinamente no processo de transição, no sentido de instaurar a democracia socialista e implementar a aplicação das suas leis.
Quaisquer que sejam as variantes do processo de transição, deverá consistir numa alternativa que defenda os interesses nacionais e populares, que lute pela soberania económica, monetária e jurídica do país. Uma alternativa que se afirme contra as crises capitalistas e o espectro do neofascismo do século XXI.
As regras da UE não são apenas um entrave à soberania e livre escolha dos países, impedem o seu desenvolvimento estrutural, designadamente das indústrias básicas e estratégicas. Seria bom não esquecer as medidas de desmantelamento da produção agrícola (de que fez parte a liquidação da Reforma Agrária fundamental para a soberania alimentar), das pescas, de indústrias estratégicas como a siderurgia, metalurgia, químicas, etc. Tudo isto à conta das "regras europeias" cujo resultado – ou objetivo – foram a financeirização, endividamento, concentração monopolista, desindustrialização.
Uma alternativa de esquerda, terá de lutar contra estes constrangimentos e estabelecer uma estratégia económica traduzida no planeamento, integrando as MPME através de formas de coordenação e cooperação, apoiadas na medida do seu enquadramento no plano económico. Dos seus aspetos centrais saliente-se a autonomia alimentar, desprezada pelo dogma do "comércio livre", em que a vantagem é dada à grande distribuição, que domina e explora pequenos e médios produtores. Quanto ao comércio externo, a soberania económica nada tem que ver com protecionismo, mas sim com o planeamento das trocas internacionais em função do desenvolvimento do país.
Que o capitalismo é uma regressão civilizacional em relação ao socialismo, não é só provado teoricamente, foi-o pela própria vida onde quer que tal tenha ocorrido, mesmo em países que apenas tinham encetado moderadas formas de transição, como em países da América Latina. O neoliberalismo é por sua vez uma regressão dentro do próprio sistema capitalista. Pretende, tal como o fascismo, anular avanços civilizacionais obtidos pela classe trabalhadora e coloca o poder do Estado totalmente nas mãos das oligarquias.
A crise atual surge como produto da ascensão de uma classe dominante financeira, parasitária e militarista que prossegue agressivamente uma agenda que está a reduzir os padrões de vida inclusive da classe média, transfere riqueza pública para cofres da oligarquia, apoia a violação de direitos humanos pelas guerras e conspirações do imperialismo, enquanto milhões de trabalhadores emigrantes são segregados, perseguidos, explorados.
A alternativa não é entre capitalismo industrial e capitalismo financeiro. É entre capitalismo e socialismo, ou melhor, transição para o socialismo. O socialismo representa a superioridade de um poder alicerçado numa base social alargada em relação a um poder submetido a uma minoria de oligarcas – disfarçados de “mercados”. A questão que se colocaria às forças que se pretendem progressistas é (como há mais de um século): “Que fazer”.
NR