Aquiles tem ainda a característica de ser loiro[1][2] e o mais belo dos heróis reunidos contraTroia,[3] assim como o melhor entre eles. A figura de Aquiles foi sendo moldada por diversos autores num espaço de mil anos, o que explica suas diversas contradições. A mais conhecida é a que fala que Aquiles era invulnerável em todo o seu corpo por se banhar no rio Estige, exceto em seucalcanhar (conforme um poema deEstácio, noséculo I). Segundo estas versões de seu mito, sua morte teria sido causada por umaflechaenvenenada que o teria atingido exatamente nesta parte de seu corpo, desprotegida da armadura. A expressão "calcanhar de Aquiles", que indica a principal fraqueza de alguém, teria aí a sua origem.
O nome de Aquiles pode ser interpretado como uma combinação de ἄχος (achos),[4] "luto" e λαός (laos), "povo", "tribo", "nação", etc. Em outras palavras, Aquiles seria uma personificação do luto das pessoas, luto sendo um dos temas que é levantado por muitas vezes naIlíada (muitas delas pelo próprio Aquiles). O papel de Aquiles como herói do luto forma, assim, um contraste irônico com a visão convencional, que o apresenta como um herói dekleos ("glória", especialmente na guerra).
Laos foi interpretado como "um corpo de soldados";[5] neste sentido, o nome teria um sentido duplo, no poema; quando o herói atua da maneira correta, seus homens trazem luto ao inimigo; da maneira errada, são os seus homens que sentem o luto e a dor da guerra. O poema fala, em parte, sobre a má direção da ira por parte dos líderes.
O nomeAchilleus passou a ser um nome comum e presente entre osgregos desde o início do século VII a.C.[6] Foi transformado para a forma feminina Ἀχιλλεία (Achilleía), atestada pela primeira vez na Ática, no século IV a.C.,[7] eAchillia, encontradanum relevo de Halicarnasso como nome de umagladiadora lutando contraAmazonia ("amazonas"). Osjogos gladiatóriosromanos frequentemente reverenciavam a mitologia clássica, e esta parece ser uma referência à luta de Aquiles contra a rainhaamazonaPentesileia, com um toque curioso de mostrar o herói na forma de uma mulher.
Aquiles era o filho danereidaTétis e dePeleu,[8][9][10] rei dosmirmidões. Tétis era uma das várias filhas deNereu eDoris[11][12] e Peleu era filho deÉaco eEndeis.[13][14]Zeus ePosídon haviam sido rivais pela mão de Tétis até quePrometeu, o responsável por trazer o fogo aos humanos, alertou Zeus a respeito de uma profecia que dizia que Tétis daria luz a um filho ainda maior que seu pai. Por este motivo, os dois deuses desistiram de cortejá-la, e fizeram-na se casar com Peleu.[15]
Como em boa parte damitologia grega, existe uma versão da lenda que oferece uma versão alternativa destes eventos: naArgonáutica[16]Hera alude à casta resistência de Tétis aos avanços de Zeus, e que Tétis teria sido tão leal aos laços matrimoniais de Hera que o rejeitou de maneira fria.
De acordo com um fragmento de umAchilleis — aAquilíada, escrita porEstácio no século I, ou seja, quase mil anos depois da Ilíada - quando Aquiles nasceu,Tétis teria tentado fazê-lo imortal, mergulhando-o norio Estige;[10][17] deixou-o, no entanto, vulnerável na parte do corpo pelo qual ela o segurava, seucalcanhar (vercalcanhar de Aquiles,tendão de Aquiles).[10] Não está claro, no entanto, se esta versão do mito era conhecida anteriormente. É certo, porém, que Homero, nos séculos IX-VIII a.C., a desconhecia, e também Ovídio, no século I a.C. Em outra versão, Tétis ungiu o filho comambrosia e o colocou sobre o fogo, para que suas partes mortais fossem queimadas; foi interrompida por Peleu, no entanto, e acabou abandonando pai e filho, furiosa.[18]
Nenhuma das fontes anteriores a Estácio, no entanto, faz qualquer referência a esta invulnerabilidade física do personagem; ao contrário, na própriaIlíadaHomero descreve Aquiles sendo ferido: no livro 21Asteropeu, o herói Peônio, filho de Pélago, desafia Aquiles nas margens do rioEscamandro; arremessa duas lanças ao mesmo tempo, uma das quais atinge o calcanhar de Aquiles, "tirando um jorro de sangue".
Também nos fragmentos de poemas doCiclo Épico, onde podem ser encontradas as descrições da morte do herói,Cípria (de autoria desconhecida),Etiópida (deArctino), aPequena Ilíada (de Lesco de Mitilene), entre outras, não existe qualquer indicação ou referência à sua invulnerabilidade ou ao seu célebre ponto fraco no calcanhar; naspinturas em vasos feitas mais tarde, que representam a morte de Aquiles, a flecha (ou, em muitas casos, as flechas) o atingem no corpo.
Peleu confiou Aquiles aQuíron, ocentauro, no montePélion, para lá ser criado.[19] O centauro encarregou-se da educação do jovem, alimentou-o commel de abelhas,medula de ursos e de javalis evísceras de leões. Ao mesmo tempo, iniciou-o na vida rude, em contato com a natureza; exercitou-o na caça, no adestramento dos cavalos, na medicina, na música e, sobretudo, obrigou-o a praticar a virtude. Aquiles tornou-se um adolescente muito belo, loiro, de olhos vivos, intrépido, simultaneamente capaz da maior ternura e da maior violência.
Peleu deu ainda ao seu filho um segundo preceptor,Fénix, um homem de grande sabedoria, que instruiu o príncipe nas artes da oratória e da guerra. Juntamente com Aquiles, foi educadoPátroclo, seu amigo, filho do rei daLócrida,Menécio.
Tétis dando a Aquiles suas armas porGiulio Romano,século XVI
O adivinhoCalcas havia declarado, quando Aquiles tinha nove anos de idade, queTroia só poderia ser tomada com a ajuda de Aquiles.[20]Tétis tinha o pressentimento de que Aquiles morreria na guerra.[20] Apavorada, Tétis tratou de disfarçar o seu filho de mulher e o enviou para a corte do reiLicomedes, na ilha deEsquiro, para que ele fosse educado no gineceu, junto às filhas virgens do rei, disfarçado com o nome dePirra ("loira" ou "ruiva").[20][21]
Entretanto, os gregos enviaramOdisseu como embaixador à corte dePeleu, a fim de que ele trouxesse o indispensável Aquiles, mas como este não foi encontrado, recorreram a Calcas, que lhes revelou o embuste. Odisseu se disfarçou, então, de mercador, e dirigiu-se ao palácio de Licomedes, conseguindo entrar no gineceu. Ele expôs, perante os olhos maravilhados das princesas, os mais ricos adornos; entre os tecidos e as joias, no entanto, estavam escondidos umescudo e umalança. Odisseu fez soar a trombeta da guerra, quando a pretensa Pirra correu para se armar, se revelando. Aquiles então concorda em participar da guerra.[20][21]
Entretanto, uma das filhas de Licomedes,Deidamia, que já há muito tempo conhecia a verdadeira identidade de Aquiles, apresentou-se grávida, embora o nascimento do seu filho só aconteça após a partida do herói. Este recebeu o nome deNeoptólemo, e a alcunha dePirro (pelo nome de seu pai).[20] Entretanto, alguns versos da Ilíada (XIX, 315-337) indicam que Aquiles já o conhecia antes de sua partida, embora ainda fosse uma criança. A própria cronologia sugere isso, pois o filho de Aquiles vai participar da guerra, dez anos depois.
Odisseu conduziu então Aquiles para junto de seus pais. Tétis, assustada com o insucesso do seu estratagema, fez insistentes recomendações a seu filho: a sua vida seria tanto mais longa quanto mais obscura ele a mantivesse. Mas Aquiles recusou os conselhos de sua mãe. Nada lhe importava mais do que o brilho da glória e, por mais que os oráculos previssem a sua morte em Troia - como consequência de ter matado um filho deApolo - ele não descansou enquanto seu pai não lhe concedeu um exército e uma frota. Peleu dotou-o então com cinquenta navios e confiou-lhe as armas que os deuses lhe tinham oferecido no dia do seu casamento. Aquiles partiu, levando consigo o seu fiel preceptor Fénix, assim como também, o seu fiel e inseparável amigoPátroclo.
Aquiles é mencionado já nos dois primeiros versos daIlíada:
μῆνιν ἄειδε θεὰ Πηληϊάδεω Ἀχιλῆος
οὐλομένην, ἣ μυρί' Ἀχαιοῖς ἄλγε' ἔθηκεν,
Cante, deusa, da ira, do filho de Peleu, Aquiles,
a amaldiçoada ira, que trouxe dor a milhares dos aqueus.
Aquiles é o único mortal a experimentar a ira devoradora; se sua raiva pode, por vezes, hesitar, noutros momentos ela não pode ser resfriada. A humanização de Aquiles através dos eventos da guerra é um importante tema da narrativa da obra.
Assim que osgregos partem para aGuerra de Troia, eles fazem uma parada acidental naMísia, naÁsia Menor, governada então pelo reiTélefo. Na batalha que se seguiu Aquiles provocou no próprio Télefo uma ferida que não cicatrizava jamais; Télefo consultou umoráculo, que afirmou que "aquele que feriu deverá curar". Guiado pelo oráculo, foi levado aArgos, onde Aquiles o curou, e acabou por se tornar seu guia na viagem a Troia.
De acordo com relatos sobre a peça perdida deEurípides sobre Télefo, ele teria ido aÁulide fingindo ser um mendigo, e pedido a Aquiles que curasse sua ferida; este recusou, afirmando não ter conhecimentos de medicina. Ainda noutra versão, Télefo teria sequestradoOrestes e pedido um resgate para libertá-lo, que seria a ajuda de Aquiles para curar a ferida.Odisseu teria argumentado que a lança de Aquiles causou a ferida e, portanto, ela deveria poder curá-la. Pedaços da lança foram então raspados sobre a ferida, e Télefo foi curado.
Regressados ao porto deÉlida - oito anos mais tarde - para se reagruparem após esta expedição fracassada, os gregos foram imobilizados pela força dos ventos.Agamemnon, o chefe dos exércitosaqueus, tendo sabido através do oráculo que os ventos não soprariam a seu favor a não ser que sacrificasse a sua filhaIfigénia, imaginou que a melhor maneira de a atrair, sem suspeitas, seria propondo-lhe casamento com Aquiles. Quando o herói teve conhecimento do embuste em que fora envolvido sem saber, censurou violentamente o "rei dos reis": e esta será a primeira querela com Agamemnon.
Após o cumprimento do sacrifício de Ifigénia, os deuses permitiram aos ventos que soprassem, e assim a frota grega pôde navegar, fazendo escala na ilha deTenedo, ao largo de Troia. Não se sabe ao certo se o rei da ilha,Tenes, teria simplesmente se oposto ao desembarque dos gregos, ou antes tentado proteger a sua irmã das intenções de Aquiles; qualquer que seja a resposta, a verdade é que ele acabou sendo morto pelo herói. Como Tenes era, no entanto, filho de Apolo, seu destino foi traçado ali - mesmo que Aquiles lhe tenha prestado um serviço fúnebre cheio de pompa.
De acordo com aCípria (a parte doCiclo Épico que narra os eventos da Guerra de Troia antes da "ira de Aquiles"), quando osaqueus desejaram retornar para suas casas, foram impedidos por Aquiles, que posteriormente atacou o gado deEneias, saqueou as cidades vizinhas e matouTroilo.[22]
De acordo comDares, o Frígio, em seuRelato da Destruição de Troia,[23] o sumário emlatim através do qual a história de Aquiles foi transmitida àEuropamedieval, Troilo era um jovem príncipe troiano, o mais novo dos cinco filhos legítimos dePríamo (ou, por vezes, deApolo) e deHécuba. Apesar de sua pouca idade, foi um dos principais líderes guerreiros troianos. Profecias ligavam o destino de Troilo ao de Troia, e por isso ele sofreu uma emboscada, numa tentativa de aprisioná-lo.
Aquiles, no entanto, fascinado com a beleza tanto de Troilo como de sua irmãPolixena, e, arrebatado pelo desejo, dirigiu suas atenções sexuais ao jovem - que, ao recusar-se a ceder aos avanços de Aquiles, viu-se decapitado sobre um altar de Apolo. Versões posteriores da história sugeriram que Troilo teria sido morto acidentalmente por Aquiles, num abraço caloroso entre amantes; nesta versão do mito, a morte de Aquiles teria vindo como uma retribuição por este sacrilégio.[24] Os escritores antigos retrataram Troilo como a epítome de uma criança morta, pranteada por seus pais. Nas palavras do primeiroMitógrafo Vaticano, se Troilo tivesse chegado à idade adulta, Troia teria sido invencível.
AIlíada deHomero é a narrativa mais famosa dos feitos de Aquiles naGuerra de Troia. O épico homérico cobre apenas algumas poucas semanas do conflito, e não descreve a morte de Aquiles. Ela se inicia com o herói se retirando da batalha, após se ver desonrado porAgamemnon, comandante das forçasaqueias. Agamemnon havia capturado uma mulher chamadaCriseida como sua escrava; seu pai,Crises, sacerdote dodeusApolo, implorou a Agamemnon que a devolvesse a ele, em vão. Como punição, Apolo fez uma praga recair sobre os gregos. O profetaCalcas conseguiu determinar com sucesso a origem dos problemas, porém não ousou se manifestar até que Aquiles jurasse protegê-lo. Agamemnon consentiu então em retornar Criseida a seu pai, porém ordenou que o prêmio obtido por Aquiles durante a batalha, a escravaBriseida, lhe fosse trazida como substituta de Criseida. Irado com a desonra (e, como ele viria a dizer posteriormente, porque amava Briseida)[25] e incitado porTétis, sua mãe, Aquiles recusou-se a lutar ou liderar suas tropas junto com as forças gregas.
À medida que a batalha começou a tomar um rumo desfavorável aos gregos,Nestor declarou que os troianos estavam vencendo porque Agamemnon havia enfurecido a Aquiles, e instigou o líder aqueu a fazer as pazes com o guerreiro. Agamemnon concordou e enviouOdisseu e mais outros dois líderes até Aquiles, oferecendo o retorno de Briseida e outros presentes. Aquiles recusou, e ainda instou os gregos a velejarem de volta para casa, como ele planejava fazer. Eventualmente, no entanto, ansioso por obter glória, a despeito de sua ausência no campo de batalha, Aquiles orou para sua mãe, pedindo a ela que intercedesse a seu favor junto a Zeus, favorecendo os troianos - que, liderados porHeitor, acabaram efetivamente por empurrar o exército grego rumo aos seus acampamentos na praia, e tomaram de assalto seus navios.
Com as tropas gregas à beira da completa destruição,Pátroclo liderou osmirmidões na batalha, passando-se por Aquiles após vestir suaarmadura e usar seu carro de batalha. Pátroclo obteve sucesso ao expulsar os troianos das praias ocupadas pelos gregos, porém acabou sendo morto por Heitor antes que pudesse organizar o contra-ataque à cidade de Troia.
Aquiles como guardião do palácio Jardins doAchilleion,CorfuAquiles morrendo Jardins doAchilleion, Corfu
Após receber deAntíloco, filho de Nestor, as notícias da morte de Pátroclo, Aquiles sofreu muito com a morte de seu amigo, e realizou diversosjogos fúnebres em sua honra. Sua mãe, Tétis, também tenta confortar um Aquiles atormentado, e convenceHefesto a fazer-lhe uma nova armadura, no lugar daquela que Pátroclo vestia, e que fora levada por Heitor. A nova armadura contava com oEscudo de Aquiles, descrito com riqueza de detalhes pelo poeta.
Furioso com a morte de Pátroclo, Aquiles reconsidera sua decisão de se afastar do combate, e voltou à batalha, matando diversos homens em sua fúria - sempre à procura de Heitor. O herói chegou mesmo a lutar contra o deus-rioEscamandro, que havia se enfurecido por Aquiles ter sufocado suas águas com todos os homens que ele havia matado. O deus estava prestes a afogar Aquiles quando foi interrompido porHera e Hefesto; e o próprio Zeus, ao perceber a dimensão da fúria de Aquiles, enviou os deuses para contê-lo, para que ele não saqueasse sozinho a própria Troia - indicando que a fúria de Aquiles, se não fosse obstruída, poderia desafiar o próprio destino, já que Troia não deveria ser destruída ainda.
Finalmente, Aquiles encontrou sua presa; após perseguir Heitor em torno das muralhas de Troia por três vezes, até que a deusaAtena - que havia assumido a forma do irmão favorito de Heitor,Deífobo - convenceu Heitor a parar de fugir e enfrentar Aquiles, cara a cara. QuandoHeitor percebeu que havia sido enganado, soube que sua morte era inevitável e aceitou seu destino; desejoso de morrer lutando, atacou Aquiles com sua única arma, sua espada. Aquiles obteve finalmente sua vingança, matando Heitor com um único golpe no pescoço. Amarrou então o corpo do derrotado ao seu carro, e o arrastou pelo campo de batalha por nove dias.
Com a ajuda do deusHermes, o pai de Heitor,Príamo, foi à tenda de Aquiles durante uma noite e implorou-lhe que permitisse realizar os ritos fúnebres que seu filho merecia. A última passagem daIlíada é o funeral de Heitor, após o qual o destino de Troia era apenas uma questão de tempo.
Após esta trégua temporária comPríamo, Aquiles derrotou em combate e matou a rainhaamazona,Pentesileia, mais tarde lamentando sua morte. Inicialmente distraído por sua beleza, ele não lutou de maneira tão intensa quanto de costume; ao perceber, no entanto, que sua distração estava colocando em risco sua vida, devido às habilidades de combate da rainha guerreira, concentrou-se novamente e conseguiu matá-la.
Enquanto Aquiles lamentava a morte de tão rara beleza, um notório tumultuador grego, chamadoTérsites, começou a rir e caçoar dele, sugerindo que o herói estaria apaixonado pela falecida; perturbado com tamanha falta de sensibilidade e de respeito, Aquiles socou Térsites no rosto com fúria, matando-o imediatamente. Embora Homero tenha retratado Térsites como um indivíduo claramente de baixo nível social, as tradições posteriores o descreveram como sendo um parente deDiomedes - o que teria levado Aquiles a viajar até a ilha deLesbos, em busca de purificação.[26]
Segundo o diário deDíctis de Creta, a história foi diferente. Pentesileia chegou durante os funerais de Heitor, trazendo um exército de amazonas e aliados, e atacou os gregos, sem a ajuda dos troianos.[27] Aquiles feriu Pentesileia, puxou-a pelo cabelo, e derrubou-a do cavalo, o que causou a fuga do seu exército.[28] Pentesileia ainda estava viva, e os gregos discutiram o que fazer com ela: jogá-la no rio ou dá-la para os cachorros dilacerarem, mas Aquiles queria deixá-la morrer naturalmente (pelas feridas) e enterrá-la.[28] Diomedes acabou tendo sua ideia aprovada por unanimidade, e a amazona foi jogada no rioEscamandro para morrer afogada - um ato que Díctis considerou cruel e bárbaro.[28]
Com a morte de Pátroclo, o companheiro mais próximo de Aquiles passou a ser o filho de Nestor,Antíloco. QuandoMêmnon, rei daEtiópia o matou, Aquiles novamente foi compelido a voltar ao campo de batalha, em busca de vingança. O combate entre Aquiles e Mêmnon, motivado pela morte de Antíloco, apresentou ecos do ocorrido entre Aquiles e Heitor, pela morte de Pátroclo - com a exceção de que Mêmnon, ao contrário de Heitor, também era filho de uma deusa.
Diversos estudiosos homéricos argumentaram que o episódio teria inspirado diversos detalhes na descrição da morte de Pátroclo, naIlíada, e a reação de Aquiles a ele. O episódio fazia parte então doCiclo Épico, em especial daAethopis ("Etiópica"), composta após a Ilíada, provavelmente no século VII a.C. A obra está perdida hoje em dia, e sobrevive apenas em fragmentos esparsos citados por autores posteriores.
Como havia sido previsto por Heitor, em seu último suspiro, Aquiles foi morto posteriormente porPáris, com uma flecha envenenada (no calcanhar, de acordo com a versão deEstácio). Em certas versões do mito, o próprio deus Apolo teria guiado a seta de Páris.
Ambas as versões negam posteriormente a Páris qualquer tipo de valor pelo feito, devido à concepção comum de que ele era um covarde, e não o homem que seu irmão Heitor era - e, consequentemente, Aquiles teria permanecido sem ser derrotado no campo de batalha. Seus ossos foram misturados aos de Pátroclo, ejogos fúnebres foram realizados em sua homenagem.
Aquiles também apareceu em outro épico perdido sobre a Guerra de Troia, de autoria deArctino de Mileto, como tendo vivido ainda após a sua morte, na ilha deLeucas, na foz dorio Danúbio. Outra versão de sua morte narra que ele teria se apaixonado profundamente por uma das princesas de Troia,Polixena,[10] e teria pedido sua mão a Príamo - que consentiu com a união, pressentindo que ela simbolizaria o fim da guerra e uma aliança com o maior guerreiro do mundo. Enquanto o rei organizava os preparativos para o matrimônio, no entanto, Páris - que teria de abandonarHelena se Aquiles se casasse com sua irmã, escondeu-se em arbustos próximos a Aquiles e o matou com uma flecha divina. Páris teria então sido morto porFiloctetes, com o arco e as flechas deHéracles.
Aarmadura de Aquiles foi alvo de uma disputa entreOdisseu eÁjax Telamônio; ambos competiram por ela através de discursos sobre quem seria o mais corajoso depois de Aquiles, feitos para os prisioneiros troianos - que, depois de debater o assunto, chegaram a um consenso e deram a vitória a Odisseu. Ájax, furioso, o amaldiçoou - o que lhe trouxe a ira da deusaAtena, que o enlouqueceu temporariamente de tristeza e angústia, e o levou a assassinarovelhas acreditando serem seus companheiros. Ao despertar de sua fúria e perceber o que havia feito, Ájax cometeu suicídio. Odisseu eventualmente acabou presenteando a armadura aNeoptólemo, filho de Aquiles.
Uma relíquia que se alegava ser a lança com ponta de bronze de Aquiles foi preservada por séculos no templo de Atena, situado naacrópole deFasélis (Phaselis), naLícia, um porto situado nogolfo Panfílio. A cidade foi visitada em333 a.C. porAlexandre, o Grande, que costumava se ver como um "novo Aquiles" e levava aIlíada consigo; seus biógrafos, no entanto, não mencionam a lança, que teria sem dúvida despertado seu interesse.[29] A relíquia, no entanto, seguramente estava em exibição durante a vida dePausânias no século II.[30]
A relação de Aquiles comPátroclo é um dos aspectos principais de seu mito. Sua natureza exata vem sendo alvo de debates e disputas, desde aAntiguidade até os dias de hoje. NaIlíada eles parecem ser retratados de maneira geral como modelos de uma relação dephilia profunda e legal; por isso, analistas e estudiosos de todas as épocas já interpretaram a relação sob o ponto de vista de suas próprias culturas, o que gerou uma ampla gama de opiniões a respeito. NaAtenas do século V a.C., por exemplo, cerca de quatro séculos após Homero, a relação era comumente interpretada comopederástica. Já leitores contemporâneos se dividem entre interpretar os dois heróis tanto como "camaradas de guerra" (hetaîros), entre os quais não existe qualquer tipo de relacionamentosexual, quanto como um casalhomossexual.
No épico perdidoAithiopis, uma espécie de continuação daIlíada atribuída aArctino de Mileto, a mãe de Aquiles,Tétis, retorna para prestar-lhe homenagens e remover suas cinzas da pira funerária, e leva-as a Leuca, na foz doDanúbio. Lá, osaqueus ergueram umtúmulo para ele, e celebraramjogos fúnebres.
AHistória Natural dePlínio, o Velho,[32] menciona que o túmulo já não mais era visível (Insula Akchillis tumulo eius viri clara) na ilha consagrada a ele, localizada a cinquentamilhas romanas dePeuce, nodelta do Danúbio.Pausânias foi informado que a ilha era coberta por florestas e repleta de animais, alguns selvagens, outros dóceis, e que na ilha também havia um templo de Aquiles, e sua estátua.[33] Ruínas de um templo em forma de quadrado, com 30 metros em cada lado - possivelmente aquele dedicado a Aquiles - foram descobertas por um capitão Kritzikly, em 1823, porém não há atualmente qualquer tipo de trabalhoarqueológico sendo feito na ilha.
SegundoPompônio Mela, Aquiles estaria enterrado na ilha chamada de Aquileia (Achillea), entre oBorístenes e oIstro.[34] Já para o geógrafo gregoDionísio Periegeta, daBitínia, que viveu no tempo doimperador romanoDomiciano, a ilha onde Aquiles está enterrado seria chamado de Leuca (emgrego:Leuke, "branca") "porque os animais selvagens que lá vivem são brancos", e que lá residiriam as almas de Aquiles e de outros heróis, que vagavam sobre os vales desabitados do local; "era assim queJove recompensava os homens que haviam se distinguido por suas virtudes, porque através da virtude alcançaram a honra eterna."[35]
Diz-se que a deusa Tétis criou esta ilha do mar, para seu filho Aquiles, que nela vive. Lá está seu templo e sua estátua, obras arcaicas. Esta ilha não é habitada, e cabras pastam sobre ela, não muitas, que as pessoas que por acaso ali chegam com seus navios sacrificam para Aquiles. Neste templo são depositados diversas oferendas sagradas, como vasos, anéis e pedras preciosas, oferecidas ao herói como forma de gratidão. Ainda podem ser lidas inscrições em grego e latim, nas quais Aquiles é louvado e celebrado. Algumas delas são dedicadas a Pátroclo, pois aqueles que procuram pelos favores de Aquiles, sempre rendem homenagem a ele ao mesmo tempo. Existem na ilha também incontáveis tipos de pássaros marinhos, que cuidam do templo de Aquiles. Todas as manhãs eles voam rumo ao mar, molham suas asas, e retornam ao templo para borrifá-lo com água; em seguida limpam a lareira do templo com suas asas. Outras pessoas ainda dizem que alguns homens vêm a esta ilha intencionalmente; trazem animais em seus navios, destinados a serem sacrificados. Alguns destes animais são efetivamente mortos, e outros são postos em liberdade na ilha, como forma de honrar a Aquiles. Outros ainda são impelidos à ilha por tempestades marítimas; como não trazem animais para serem sacrificados, devem consultars o oráculo do próprio Aquiles, e pedir permissão para escolher as vítimas do sacrifício dentre os animais que pastam livremente lá, e pagar por eles, em troca, um preço que considerem justo. Caso o oráculo lhes negue a permissão, pois existe de fato um oráculo lá, eles acrescentam algo ao preço oferecido anteriormente; e se o oráculo recusar novamente, devem acrescentar outra coisa, até que finalmente o oráculo concorde que o preço seja suficiente. A vítima, então, deixa de fugir, mas se oferece voluntariamente para ser aprisionada. Há também uma grande quantidade deprata na ilha, dedicada ao herói, como preço pelas vítimas do sacrifício. Para algumas das pessoas que vêm à ilha, Aquiles aparece em seus sonhos; para outras, aparece até mesmo durante a viagem marítima, se estiverem nas proximidades, chegando mesmo a instrui-las a respeito de em que parte da ilha podem ancorar melhor seus navios.[36]
O culto heroico a Aquiles na ilha de Leuca foi muito difundido daAntiguidade, não somente nas vias marítimas domar Pôntico, mas também em diversas cidades marítimas cujos interesses econômicos estavam ligados às riquezas do mar Negro.
Aquiles da ilha de Leuca era venerado como "Pontarca" (Pontarches), o soberano doPonto, protetor dos navegantes e da navegação. Os marinheiros desviavam seus caminhos para oferecer-lhe sacrifícios. Diversas cidades portuárias comerciais dos mares dominados pelos gregos foram dedicadas a Aquiles de Leuca:Achilleion, naMessênia,[37]Achilleios, naLacônia,[38] ou até mesmo, segundo alguns estudiosos,Aquileia e, no braço norte do delta do Danúbio, Quília ("Achileii").[39]
Leuca tinha a reputação de ser um lugar de cura; Pausânias relata que apítiadélfica teria enviado um nobre deCrotona para se tratar de um ferimento no peito.[40]Amiano Marcelino atribui a cura às águas (aquae) da ilha.[41]
Na região deGasturos (Γαστούρι), a sul da cidade deCorfu, naGrécia, aimperatriz daÁustria,Isabel da Baviera, mais conhecida comoSissi, construiu em 1890 um palácio de verão, com Aquiles como seu tema central, um monumento aoromantismo platônico. O palácio, naturalmente, recebeu um nome em homenagem ao herói,Achilleion (Αχίλλειον). A estrutura elegante está repleta de pinturas e estátuas de Aquiles, tanto no salão principal quanto nos jardins luxuosos, que recriam cenas trágicas e heroicas daGuerra de Troia.
Aquiles na corte do rei Nicomedes estátua em mármore,240 d.C.
No livro 11 daOdisseia o mesmo Odisseu viaja aomundo inferior e lá conversa com as sombras, as almas dos mortos. Uma destas é Aquiles, que, quando saudado como sendo "abençoado na vida, abençoado na morte", responde que preferia ser um escravo sob o pior dos senhores do que um rei de todos os mortos. Aquiles então pergunta a Odisseu sobre os feitos de seu filho naGuerra de Troia, e quando aquele lhe descreve os atos heroicos deNeoptólemo, o herói se enche de satisfação - o que dá ao leitor um intrigante senso de ambiguidade na maneira com que Aquiles vê a vida heroica.
Aquiles foi venerado como deus marinho em muitas dascolônias gregas domar Negro, onde se localizada a semi-mítica "Ilha Branca" (Leuca) onde ele teria habitado, após sua morte, juntamente com diversos outros heróis.
Os reis doEpiro alegavam descendência de Aquiles através de seu filho, Neoptólemo.Alexandre, o Grande, filho da princesa epirotaOlímpia, alegava por este mesmo motivo esta descendência - e em diversas maneiras tentou ser como o seu suposto ancestral, tendo até mesmo visitado seu túmulo ao passar por Troia.
Algumas versões de sua lenda dizem que teria se casado comMedeia, e que após a morte dos dois ambos teriam sido reunidos nosCampos Elísios doHades - comoHera havia prometido a Tétis, naArgonáutica deApolônio.
OdramaturgotrágicogregoÉsquilo é autor de uma trilogia depeças sobre Aquiles, que receberam o nome deAchilleis por estudiosos modernos. Estas tragédias relatam os feitos de Aquiles durante aGuerra de Troia, incluindo a sua vitória sobreHeitor, e sua morte, quando uma flecha disparada porPáris e guiada porApolo o atingiu nocalcanhar. Alguns fragmentos desta obra foram juntados com outros fragmentos de obras do autor, formando uma peça moderna sobre o qual se trabalhou; a primeira parte da trilogia,Os Mirmidões, foca-se na relação entre Aquiles e ocoro, que representa o exército aqueu, e tenta convencer o herói a pôr um fim à sua disputa comAgamemnon; apenas poucas linhas sobrevivem do trecho hoje em dia.[42]
Outro dramaturgo autor de tragédias,Sófocles, também escreveu uma peça com Aquiles como personagem principal,Amantes de Aquiles, dos quais apenas alguns fragmentos sobrevivem.
No decurso do décimo ano de guerra, Aquiles eAgamemnon envolveram-se em grande disputa. Tudo isto porque, como Agamemnon se vira obrigado a libertar a filha do sacerdote,Criseida, exigiu como compensação a serva de Aquiles,Briseis. Injuriado e furioso, Aquiles decidiu abandonar a guerra e retirou-se para o seu acampamento, pondo assim em causa a possível vitória dos gregos. A história da cólera de Aquiles, emTroia, é o tema daIlíada, a obra mais lida de toda a Antiguidade, que é responsável pela enorme notoriedade do herói grego.
A situação dos gregos não tardou a tornar-se aflitiva.Pátroclo, sem a autorização de Aquiles furta-lhe a armadura e vai para o campo de batalha onde acabou por encontrar a morte às mãos deHeitor, marido deAndrómaca, o mais valente dos filhos do reiPríamo (verdadeiro herói da Ilíada, subtendido porHomero). Enlouquecido de dor pela perda de seu amigo (e possível amante), Aquiles saltou sem armas para o campo de batalha produzindo um bramido demente que o exército troiano achou se tratar de um louco insano. A sua contenda com Agamemnon fora esquecida, pois agora Aquiles só pensava em vingar-se da morte de Pátroclo.[43]
E é Heitor quem Aquiles persegue com seu ódio e é ele quem pretende sacrificar em homenagem a Pátroclo. Certo dia, ao acaso da guerra, Aquiles encontra-se com Heitor no campo de batalha derrotando-o num combate extenso e singular, matando-o somente após uma topada numa pedra a luz de um Sol escaldante (topada a qual desorientou todos os sentidos do guerreiro troiano). Depois, desrespeitando a ética dos rituais fúnebres dos vencidos em combate, prendeu o cadáver ao seu carro e deu a vergonhosa volta às muralhas de Troia, onde só largou o corpo ensanguentado e desfeito do honrado Heitor quando o já velho rei Príamo lhe veio suplicar indulgência.
A tradição pós-homérica acrescentou, ainda, outros feitos atribuídos a Aquiles. Entre estas, pode-se destacar a sua luta contra a rainha das amazonas, Pentesileia, que veio com as suas tropas em socorro dos troianos e perdeu a vida às suas mãos. No último momento, quando Aquiles viu o rosto da sua vítima inflamado por uma súbita e impossível paixão, chorou sobre o seu corpo.
Relata-se, igualmente, o seu encontro comMémnon, filho daAurora, que terminou com a morte do troiano, e foi uma fonte inesgotável de lágrimas para sua mãe.
Apesar da valentia e dos feitos de Aquiles, a fatalidade não podia deixar de acontecer. A morte do grande herói daAntiguidade é apresentada em várias versões, porém a mais aceita relata que ele morreu ferido no calcanhar por uma flecha certeira, poderosa e assassina, atirada pelo príncipePáris e guiada porApolo. Páris, nesse ato, consegue vingar-se da morte de seu irmãoHeitor e simultaneamente vingar a morte do filho do deus Apolo,Tenes.
Aquiles, após a morte, recebeu a justa recompensa por toda uma vida de feitos heroicos e de combates.Zeus, a pedido deTétis, conduziu-o à ilha dos bem-aventurados, onde ele casou com uma heroína (cita-seMedeia,Ifigénia,Polixena, e mesmoHelena: da sua união com esta, teria nascido um filho alado,Euforião, que é identificado com a brisa da manhã).
↑Fox, Robin Lane.Alexander the Great, 1973. p. 144
↑Pausânias, iii.3.6; ver também Christian Jacob e Anne Mullen-Hohl, "The Greek Traveler's Areas of Knowledge: Myths and Other Discourses in Pausanias' Description of Greece",Yale French Studies59: Rethinking Histori: Time, Myth, and Writing (1980:65-85) esp. p. 81
↑Hedreen, Guy. "The Cult of Achilles in the Euxine"Hesperia60.3 (julho de 1991), pp. 313-330