Tragédia (dogrego antigo τραγῳδία, composto de τράγος, "cabra" e ᾠδή, "música") é uma forma dedrama que se caracteriza pela sua seriedade e dignidade, pondo frequentemente em causa osdeuses, odestino ou asociedade.
Suas origens são obscuras, mas é, certamente, derivada da rica poética e tradição religiosa daGrécia Antiga. Suas raízes podem ser rastreadas mais especificamente nosditirambos, os cantos e danças em honra ao deus gregoDionísio (conhecido entre os romanos comoBaco). Dizia-se que estas apresentações etilizadas e extáticas foram criadas pelossátiros, seres meio bodes que cercavam Dionísio em suasorgias, e as palavras gregas τράγος,tragos, (bode) e ᾠδή,odé, (canto) foram combinadas na palavratragosoiodé(algo como "canções dos bodes"), da qual a palavra tragédia é derivada. No sentido vulgar, tragédia, desgraça edrama sãosinônimos.
OfilósofoAristóteles teorizou que a tragédia resulta numacatarse da audiência e isto explicaria o motivo dos humanos apreciarem a assistir ao sofrimento dramatizado. Entretanto, nem todas as peças que são largamente reconhecidas como tragédias resultam neste tipo de final catártico - algumas tem finais neutros ou mesmo finais dubiamente felizes. Determinar exatamente o que constitui uma tragédia é um assunto frequentemente debatido. Alguns sustentam que qualquer história com um final triste é uma tragédia, enquanto outros exigem que a história preencha um conjunto de requisitos (em geral baseados em Aristóteles) para serem consideradas tragédias.
O momento mais importante de representação de tragédias ocorria durante asGrandes dionísias, também chamadasDionísias urbanas, festival que tinha lugar na Primavera, em honra deDiónisos. Nesse festival, tal como nasDionísias rurais e nasLeneias, os tragediógrafos concorriam a um prêmio, geralmente com três tragédias e uma peçasatírica cada.
Aristóteles dedicou boa parte de sua obraA Poética aos estudos e análise da tragédia, que tinha grande papel nacultura grega e, posteriormente,ocidental. Apesar de descritivo, seu trabalho foi posteriormente tomado como prescritivo por muitos estudiosos.
Aristóteles descreve a tragédia como imitação de uma ação completa e elevada, em uma linguagem que tem ritmo, harmonia e canto. Afirma que suas partes se constituem de passagens em versos recitados e cantados, e nela atuam os personagens diretamente, não havendo relato indireto. Por isso é chamada (assim como acomédia) dedrama. Sua função é provocar, por meio da compaixão e dotemor, a expurgação ou purificação dos sentimentos (catarse).
A tragédia clássica deve cumprir, ainda segundo Aristóteles, três condições: possuir personagens de elevada condição (heróis,reis, deuses), ser contada em linguagem elevada e digna e ter um final triste, com a destruição ou loucura de um ou vários personagens sacrificados por seu orgulho ao tentar se rebelar contra as forças do destino.
Aristóteles divide a tragédia emprólogo,episódio eêxodo. Segundo ele, a parte do coro se divide em párodo, estásimo e êxodo. A ordem seria o prólogo precedendo o párodo (entrada do coro), seguido de cinco episódios alternados com os estásimos e a conclusão com o êxodo, a intervenção final e saída do coro.
Apesar da abundante produção na antiguidade, a maior parte das tragédias gregas não sobreviveu até os nossos dias.
A impressão generalizada é de que, com o declínio deAtenas comocidade-estado, a tradição da tragédia desvaneceu. Oerudito inglês Gilbert Murray usou a expressão "uma falha de nervos" na tentativa de demonstrar que, com a decadência dos assuntos externos, o altoidealismo descrito nas tragédias cedeu lugar aoceticismo. Por outro lado,Friedrich Nietzsche, em sua obra "O Nascimento da Tragédia" (1872), aponta ootimismo deSócrates como grande responsável por desviar a atenção dos gregos das tragédias para afilosofia. De qualquer forma, doperíodo helenístico, restou-nos pouca coisa, com destaque para a tragédia conhecida comoExagoge, escrita porEzequiel, umjudeu deAlexandria.
Osromanos são acusados de não terem sido capazes de reavivar a tradição dramática, por terem se atido excessivamente às adaptações das tragédias gregas, mas sem revelar o mesmo sentimento trágico; e, por isso, tenderam mais aomelodrama. Quando Eurípedes escreve "As Bacantes", ele coloca em cena a chegada do deus Dionísio à cidade deTebas (que, nas tragédias, sempre representava Atenas), e a partir daí ele procura problematizar a existência do inconsciente, ou seja, do autoconhecimento. Dionísio é o deus da arte, o deus-espelho que reflete para as pessoas o que elas são, e a partir de então elas podem aceitar o que são e o que os outros são, podem aceitar o diferente: começa a surgir o conceito de humanidade, de que o ser humano pertence a um universo maior que o dapólis. Dionísio trava uma batalha com Penteu, o rei de Tebas, que não aceitava as ideias que Dionísio trazia. Penteu é um personagem elevado, que tem motivos nobres em relação à sua cidade, mas carrega consigo ideias de uma época vencida.
Também podemos ver o caminho para uma nova sociedade, com nova dimensão individual, na trilogia tebana, de Sófocles. Formada pelas três peças “Édipo Rei”, “Édipo em Colono” e “Antígona”, a trilogia trata do novo conceito de homem e da humanidade, bem como questiona o poder dos deuses e a autoridade do sagrado.
Quando os gregos puderam assistir à peça "Édipo Rei", eles já conheciam o mito de Édipo – já sabiam que o personagem tinha matado seu pai sem sabê-lo, e que tinha se casado com sua própria mãe, e assistem à viagem de Édipo para dentro de si mesmo, para o autoconhecimento. Sófocles questiona a autoridade do sagrado, pois Édipo não havia conseguido escapar de sua maldição, mas tentou a todo custo não cumprir o prometido pelo sagrado: no final das contas, os espectadores da peça ficam em dúvida, divididos entre aceitar o que for definido pelo sagrado ou rebelar-se contra este. Sófocles enfraquece o sagrado, ao mesmo tempo em que mostra um Édipo que passa a conhecer a si mesmo, cegando-se no momento em que vê sua amante/mãe morta.
Temos dois personagens que, em oposição um ao outro, mostram dois diferentes destinos: enquanto que Penteu, de Eurípedes, fica completamente louco por não aceitar cultuar Dionísio (por não aceitar conhecer a si mesmo, por não aceitar o deus doautoconhecimento); Édipo se torna, como podemos ver em “Édipo em Colono”, um senhor que se conhece e se sustenta sozinho, com a força que ele encontra dentro de si mesmo: Édipo perde a família e sua cidadania, mas ele já é um indivíduo, e não se considera culpado por ter feito tudo o que fez pois ele não teve domínio de si. Vemos, na segunda peça da trilogia (em ordem cronológica), um homem que desafia o sagrado e a pólis.
A partir do autoconhecimento, é possível encontrar forças em si mesmo e, assim, não será mais necessário que os deuses controlem o homem, e não será mais necessário que a cidade seja fechada, pois quando o homem conhece a si mesmo, ele entende o homem, e portanto aceita o xenos (estrangeiro), passando a ter o novo conceito de humanidade.
O texto da segunda parte da trilogia de Sófocles, "Antígona", foi escrito antes daqueles que o antecedem, e portanto parece ser um pouco deslocado. Nesta tragédia, Antígona (filha de Édipo) se encontra em uma situação muito complicada: seu irmão Polinices está morto e foi proibido pelo reiCreonte de ser enterrado. Caso ela não enterre seu próprio irmão, ela não lhe concederá o culto religioso que completará o ciclo da vida, e cometerá um erro impensável para com sua família. No entanto, se Antígona enterrá-lo, ela cometerá um crime contra a cidade visto que o rei proibiu que qualquer um o enterrasse.
Sófocles coloca, nesta peça, um problema complexo para o qual ele ainda não tem solução: o sistema familiar e o sistema político, sobre os quais se estabeleceram as bases da sociedade grega, são excludentes, e não podem viver em harmonia. A solução para o embate é dada nas peças anteriores (que na verdade foram escritas depois): o indivíduo. E o texto de Eurípedes reforça a importância do deus Dionísio, que é um estrangeiro, um outro, mas ao mesmo tempo representa o autoconhecimento e a valorização e aceitação de si próprio e do interior.
A partir das tragédias, começará a se desenvolver a filosofia socrático-platônica, que desenvolverá o conceito de alma, de que o homem só conhece o mundo quando conhece a si próprio, e de que o maior conhecimento é o conhecimento de si mesmo.
Analisando a cronologia das apresentações das tragédias aqui comentadas, podemos ver que houve um avanço no que se relaciona com a o tratamento dado à dimensão individual. Em 447 a.C. foi encenada a peça "Antígona", que apresenta o problema entre as duas dimensões existentes na sociedade. Quarenta anos mais tarde, em 427 a.C., os atenienses assistem a "Édipo Rei" e percebem a importância do autoconhecimento. Somente 22 anos mais tarde, em 405 a.C., a peça de Eurípedes é encenada, em meio a uma Atenas totalmente abalada e dizimada pelaGuerra do Peloponeso: o cidadão ateniense vê que não aceitar Dionísio pode ser desastroso, em função do que acontece com Penteu. Apenas 4 anos depois, Sófocles mostra, em "Édipo em Colono", uma tragédia que não é bem uma tragédia: Édipo continua sendo um homem elevado, mas não comete nenhum erro trágico – ele já se tornou um indivíduo, um homem que se conhece e conhece o próximo, e se desprende totalmente do sagrado.
Em anos, estas quatro tragédias gregas causaram o despertar de uma nova filosofia com Sócrates e Platão. Nesse tempo percorrido, formou-se o embrião a filosofia que nortearia, alguns séculos mais tarde, toda a sociedade ocidental.
As tragédiasmedievais, como asclássicas, seguem muitos dos preceitos aristotélicos. Entretanto, os trabalhos produzidos durante aIdade Média geralmente tratam de temas decavalaria eCristandade e seus preceitos morais.
Não existem exemplos de tragédias escritas durante a Idade Média. Duas epopeias medievais importantes, que trazem ingredientes trágicos, mas são apenas longos poemas narrativos sãoBeowulf eLa chanson de Roland.
É atribuída ao italianoGian Giorgio Trissino a autoria da primeira tragédia moderna nos moldes clássicos, realizada noRenascimento:Sofonisba, de 1515. Em língua portuguesa é registradaCastro, de A. Ferreira, provavelmente escrita depois de 1550. Na França,Cleópâtre Captive, deJodelle, exibida em 1552, recebeu a distinção para a língua francesa, dada porRonsard.[1]
Um dos grandes tragediógrafos nostempos modernos foiJean Racine, que trouxe um novo aspecto ao gênero com seus trabalhos. Quando a sua peçaBérenice foi criticada por não conter nenhumamorte, Racine contestou a visão tradicional de tragédia. Seu rival,Pierre Corneille, também deixou sua marca no mundo da tragédia com peças comoMedée (1635) eEl Cid (1636).
Nalíngua portuguesa, a primeira e mais emblemática tragédia clássica éA Castro, deAntónio Ferreira.[2] Escrita em cinco atos e publicada em1587, a peça retrata a trágica história deInês de Castro, tema que viria a influenciar diversos dramaturgos europeus.[3] A obra teve grande repercussão e foi traduzida, ainda na época, para diversos idiomas.[4]
Nalíngua inglesa, as mais famosas e bem sucedidas tragédias foram as escritas porWilliam Shakespeare. As obras de Shakespeare tiveram e tem grande influência na literatura ocidental, e incluem tragédias extremamente famosas, como Romeu e Julieta, Hamlet e Otelo, entre muitas outras.
Referências
↑ Apontamentos feitos por Clóvis Monteiro em "Esboços da história literária" - Livraria Acadêmica - Rio de Janeiro - 1961 - Pg.20.
↑Machado de Sousa, Maria Leonor.«Sugestões Portuguesas no Romantismo Inglês»(PDF).Biblioteca Digital da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Consultado em 15 de julho de 2025.Verifique data em:|acessodata= (ajuda)