Ostopônimos de origem tupi são os nomes geográficos que têm origem notupi antigo, língua falada em toda a costa brasileira quando da chegada dos portugueses, e que mais tarde foi levada ao interior pelosbandeirantes e por missionários, passando a ser conhecida comolíngua geral. O tupi, tanto o antigo como a língua geral dele derivada, gerou a grande maioria dostopônimos brasileiros de origem indígena.[1]
Tais topônimos podem ser classificados em duas categorias: osespontâneos e osartificiais. Os primeiros são mais antigos, e foram atribuídos de modo natural pelos indígenas ou por colonizadores falantes de tupi. Os últimos são em geral muito mais recentes, e foram criações originais, isto é, foram inventados por alguém ou por um grupo de pessoas em uma época em que o tupi antigo não era mais falado. O filólogoEduardo Navarro classifica os topônimos artificiais em adequados – aqueles que respeitam a gramática do tupi e designam lugares onde essa língua foi efetivamente falada – ou inadequados, os que não atendem a um desses critérios.[2]
Outra classificação possível é por antiguidade: desde topônimos que foram criados há não muitas décadas (os artificiais) até os que são de origem pré-histórica, isto é, anterior àchegada dos europeus no Brasil. Estes últimos são mencionados nos primeiros textos coloniais, como o relato deHans Staden sobre sua captura por indígenas que tiveram pouco ou nenhum contato com os colonizadores. Portanto, nomes comoItanhaém,Bertioga,Ubatuba – todos eles mencionados no texto de Staden – não podem ter sido criação europeia.
Para entender os topônimos em tupi antigo, é preciso ter noções da gramática do idioma. A grande maioria dos topônimos são composições, isto é, são formados por mais de uma palavra. Essa nova palavra terá a função desubstantivo. Portanto, 'ypiranga (rio vermelho), em tupi, forma uma unidade conceitual, sendo um substantivo como outro qualquer.[3] Há dois tipos de composição em tupi: as composições com relação genitiva e as composições atributivas (ver imagens). Entendendo esses dois tipos de composição, já é possível entender a maioria dos topônimos de origem tupi.
Os topônimos seguem padrões morfológicos que podem ser sintetizados nos seis itens a seguir (conforme Navarro).[4] Destes, os mais importantes são as composições com relação genitiva e as composições atributivas (itens 2 e 3). Sua compreensão é importante também para o entendimento dos outros itens (como o 3 e o 6).[carece de fontes?]
Os topônimos podem ser:
Primeiramente, os topônimos podem ser apenas substantivos simples:[4]
Não sendo simples, quase todos os demais são composições. Estas podem ser de dois tipos: composições com relação genitiva e composições atributivas.[carece de fontes?]
Emtupi, a relação genitiva ocorre quando dois substantivos são colocados em sequência de modo a dar a ideia de posse, origem ou pertencimento. Os termos devem virem ordem invertida em relação ao que seria comum noportuguês. Além disso, é preciso adicionar a preposição de, (ou suas variantes: de, da, do, das, dos) entre os termos. É importante lembrar que em tupi não há flexão de número. Portanto,arara pode ser traduzido tanto como arara ou araras, no plural.[carece de fontes?]
Um substantivo encontrado com bastante frequência nesse tipo de composição étyba, que em português pode realizar-se em TIBA, TUBA, TIBI, DUBA, DUVA, entre outros. Esse substantivo significa "ajuntamento". Portanto, indaiatuba significa "ajuntamento de indaiás, ou ainda "indaiazal", se fosse possível falar assim. (Neste último caso,tyba seria entendido como um sufixo, como o é em guarani.)[carece de fontes?]
Quando a composição contém um adjetivo, ela será uma composição atributiva. Nelas,não ocorre a inversão dos termos: eles aparecem na ordem em que apareceriam em português, com a diferença de que em tupi eles vêm justapostos (são escritos juntos) e são considerados uma palavra só; isto é, obedecem às mesmas regras que qualquer substantivo.[carece de fontes?]
As composições atributivas frequentemente levam o sufixo-a, chamado desufixo substantivador. Em tupi, todos os substantivos terminam em vogal. Se não terminam, deve-se acrescentar o sufixo substantivador ao final.[carece de fontes?]
Como se pode perceber, o sufixo não faz parte do adjetivo, mas pertence à composição como um todo (bonito éporang nãoporanga; este último significa beleza). O sufixo substantivador só ocorre nas composições atributivas (pois, como os substantivos sempre terminam em vogal, uma composição com dois substantivos necessariamente termina em vogal.)[carece de fontes?]
Tanto as composições com relação genitiva como as atributivas podem receber a posposição-pe, que significa "em" ou "para".[5] Todavia, pelo menos na toponímia brasileira, a grande maioria das composições que levam-pe são as com relação genitiva.[carece de fontes?]
As posposições no tupi cumprem a mesma função que aspreposições do português, sendo a única diferença o fato de elas virem depois do termo regido.[5] Por vezes, a posposição-pe realiza-se em-be no português:[4]
Há diversas hipóteses para a ocorrência dessa posposição no nome de tantos topônimos no Brasil. Contudo, não há uma explicação conclusiva a respeito. O que o filólogoEduardo Navarro defende é que esses topônimos foram criados pelos próprios nativos, e estão entre os mais antigos do Brasil, podendo ser inclusive de origem pré-histórica, isto é, anterior aodescobrimento oficial do Brasil pelos europeus. Todavia, não sabemos o porquê de os indígenas colocarem o morfema-pe ao final dos nomes. Trata-se de um fenômeno gramatical que não conhecemos ao certo, pois essa função da posposição-pe não foi descrita por nenhum gramático do tupi.[4]
Os graus do substantivo (aumentativo e diminutivo) se fazem pelos sufixos-'ĩ ou-'i, para o diminutivo, e-gûasu,-ûasu ou-usu para o aumentativo.[5]
O sufixo -ûasu, pelo menos nestes casos, comporta-se como um adjetivo. Portanto, Iguaçu pode ser pensado como um caso de composição atributiva, mesmo que isso são seja o mais adequado.[carece de fontes?]-Ûasu não é adjetivo pois não pode ser usado predicativamente. Isto é, não se pode dizer 'y i gûasu: o rio é grande. Só é possível falar 'ygûasu: rio grande.
O sufixo-'ĩ serve para formar o grau diminutivo. Ele não deve ser confundido commirĩ, que é um adjetivo. (Cf. com Paramirim acima).
Trata-se do único tipo de topônimo que contêm verbo (ou mais especificamente, que é formado a partir de um verbo). Eles seguem o seguinte esquema:[4]
O sufixo -ab(a) forma os chamadosdeverbais, isto é, substantivos derivados de verbos. Têm vários significados. Nos topônimos, em virtude do contexto em que são utilizados, significam "lugar de".[4]
Este tipo de topônimo pode ser entendido como uma simples relação genitiva, do tipo substantivo + substantivo, na qual um dos termos contém o sufixo -ab(a). Vale notar que nem todos os topônimos terminados em -aba contém o sufixo em questão.Uberaba, por exemplo, é a junção de'y, água, eberab, brilhante, clara, mais o sufixo-a, significando águas claras, águas brilhantes.[carece de fontes?]
Há a seguir uma lista de palavras em tupi antigo que podem ser encontradas na tabela a seguir. Este vocabulário, junto com o conhecimento das composições em tupi, permitirão ao leitor entender os topônimos apresentados. Não serão apresentadas palavras cujo significado for óbvio, comoarara.[5]
A fonte dos topônimos a seguir é oDicionário de Tupi Antigo (2013), do tupinólogoEduardo Navarro.
| Nome | Significado | Nome | Significado |
|---|---|---|---|
| Abaeté (lagoa) | terrífico, horroroso[6] | Itaquera | pedra dormente, asilo de pedra[7] |
| Abatiá | grão de milho[8] | Itararé | bica que corre por cima ou por baixo de uma rocha[7] |
| Andaraí | rio dos morcegos[9] | Itatiaia | pedra cheia de pontas[10] |
| Aracaju | cajueiro dos arás (aves psitacídeas)[11] | Itatiba | ajuntamento de pedras[12] |
| Araçatuba | ajuntamento dearaçás[11] | Itumbiara | caminho da cachoeira, caminho das aguas |
| Araraquara | toca dasararas ou dos ararás (variedade de formiga alada branca, semelhante aocupim)[13] | Iturama | região de cachoeiras[14] |
| Araruama | lugar de as araras beberem água[15] | Jericoacoara | tocas das tartarugas[16] |
| Atibaia | cabelo crescido que os índios tinham sobre as orelhas[15] | Ji-Paraná | rio dos machados[17] |
| Avaré | padre[5] | Mandaguari | espécie de abelha[18] |
| Bariri | coisa que treme, isto é, corrente veloz de rio em trecho de grande desnivelamento[19] | Manhuaçu | algodoeiros grandes[20] |
| Barueri | Flor Vermelha[19] | Manhumirim | algodoeiros pequenos[20] |
| Bauru | cesto de frutas[19] | M'Boi Mirim | cobra pequena[5] |
| Botucatu | serra boa[21] | Pará | rio grande[22] |
| Butantã | terra muito dura[23] | Paraíba | rio ruim[22] |
| Caçapava | lugar de se atravessar a mata[24] | Paraibuna | rio ruim e escuro[22] |
| Caraguatatuba | ajuntamento degravatás[25] | Paraitinga | rio ruim e claro[22] |
| Catanduva | ajuntamento de mata dura, isto é, decerrado[26] | Paraná | rio[22] |
| Curitiba | ajuntamento de pinheiros[27] | Paranaguá | enseada do mar[19] |
| Embu-Guaçu | cobra grande[28] | Paranapanema | rio ruim, imprestável, de navegação difícil[29] |
| Guararema | pau-d'alho[30] | Pavuna | lagoa escura[31] |
| Guaratinguetá | muitasgarças[30] | Pejuçara | caminho comprido[31] |
| Ibirapuera | árvores velhas[32] | Pindamonhangaba | lugar de fazer anzóis[33] |
| Iguaçu | rio grande[34] | Piracicaba | lugar de chegar dos peixes[35] |
| Iguatemi | rio das canoas emproadas[36] | Pirassununga | estrondo de peixes[37] |
| Indaiatuba | ajuntamento deindaiás[36] | Ponta Porã | ponta bonita |
| Ipanema | rio amarelo, aziago, azarado, sem peixes[38] | Saquarema | caramujos fedorentos[39] |
| Ipiranga | rio vermelho[5] | Sorocaba | rasgadura (da terra)[40] |
| Itabira | pedra levantada[41] | Suarão (praia emItanhaém) | estrelaSirius[40] |
| Itaboraí | rio das pedras brilhantes[41] | Tabapuã | aldeia redonda[5] |
| Itaim | pedregulho[42] | Taguatinga | barro amarelo claro[43] |
| Itaipu | rio barulhento das pedras[42] | Tatuapé | caminho de tatus[44] |
| Itamarati | rio das pedras pequenas[45] | Taubaté | pedras altas[44] |
| Itacoatiara | pedra pintada[41] | Tijuca | brejo, charco, água podre[44] |
| Itajaí | rio das pedras que emergem | Ubatuba | ajuntamento decanas-ubás, ou ajuntamento de canoas[46] |
| Itanhaém | bacia de pedra (alusão a um aspecto do relevo fluvial da região)[45] | Uberaba | água brilhante[47] |
| Itapetinga | laje de pedra branca, pedra achatada branca[5] | Uiraúna | pássaros pretos[47] |
| Itapeva | pedra chata (laje)[48] | Votorantim | morro pontudo[49] |
| Itaporanga | pedra bonita[7] | Votuporanga | morro bonito[49] |
| Itaquaquecetuba | ajuntamento de taquara-faca[7] | ||
Os topônimos de de origem tupi abrangem um espaço de tempo muito grande: há os que são antiquíssimos, anteriores mesmo à chegada de Cabral, e há os que foram criados há poucas décadas. A classificação a seguir, bem como os exemplos, foram fornecidos por Navarro.[50]
| Categoria | Descrição | Exemplos |
|---|---|---|
| a) Topônimos anteriores ao descobrimento do Brasil | Estes foram atribuídos pelos próprios nativos e se concentram sobretudo na costa do Brasil. Foram registrados pelos primeiros cronistas e viajantes que navegaram ao longo do litoral, no século XVI. Portanto, tais nomes não podem ser criação do colonizador, e sim, criação indígena e de origem pré-histórica, dado que já existiam antes de qualquer contato significativo com os europeus. | Piratininga,Bertioga,Itanhaém,Paraguaçu |
| b) Topônimos do século XVI | Localizados sobretudo na costa, foram atribuídos tanto por nativos como por colonizadores e mestiços, todos falantes de tupi. | ... |
| c) Topônimos dos séculos XVII e XVIII | Adentrando o interior, tais topônimos foram atribuídos por bandeirantes e missionários à medida que a colonização se interiorizava e as línguas gerais se desenvolviam a partir do tupi antigo. | Uberaba,Cuiabá,Curitiba |
| d) Topônimos dos séculos XIX e XX | Muitos dos nomes surgidos no século XIX têm origem nonheengatu, desenvolvimento histórico da língua geral amazônica (que, por sua vez, era desenvolvimento do tupi antigo). Já no século XX, com a interiorização do país (no oeste paulista, mineiro, matogrossense, etc), muitos novos nomes foram criados. Conforme Navarro, "tais nomes não têm nenhuma relação com a presença de grupos indígenas da família tupi-guarani ou com as bandeiras, mas foram atribuídos por engenheiros, topógrafos, fazendeiros, que acompanhavam a expansão das frentes pioneiras na primeira metade do século [XX]". Os topônimos artificiais (ver seção abaixo) entram nesta categoria. | Nhandeara,Potirendaba,Ibirá,Tangará da Serra |
Os topônimos ainda podem ser classificados em espontâneos e artificiais. Estes últimos subdividem-se em artificiais adequados e inadequados.
Nem todos os topônimos foram nomes dados espontaneamente. Muitos foram criações artificiais, resultado da criatividade de um ou mais tupinólogos que criaram o nome para determinado lugar. Esse fenômeno se verifica muito no estado deSão Paulo, sendo os nomes artificiais criados em geral no século XX (ou seja, séculos depois de o tupi antigo ter deixado de ser falado).[2]
Segundo Eduardo Navarro, os topônimos artificiais podem ser adequados ou inadequados. Adequados são os que são gramaticalmente corretos e descrevem corretamente uma característica (geralmente geográfica) da cidade ou lugar que eles designam. Os inadequados possuem alguma incorreção nesse sentido. Podem ser ainda topônimos tupis em regiões na qual o upi não era falado.[2]
Por exemplo, o topônimoPirangi é inadequado, pois é uma junção incorreta dos termos 'y, rio, epirang, vermelho. Em uma composição atributiva (ver gramática), o adjetivo vem depois, não antes. O correto, portanto, seria Ipiranga.[2]
| Exemplo | Etimologia (NAVARRO)[2] |
|---|---|
| Aiquara (BA) | a'y + kûara: toca da preguiça |
| Abaiara (CE) | abá + îara: o senhor do homens |
| Paratinga (BA) | pará + ting + -a: rio branco |
| Ubatã (BA) | 'yba + atã: árvore dura |
| Sapiranga (RS) | arasá + pirang + -a: araçás vermelhos |
| Itajá (RN) | itá + îá: apinhamento de pedras |
| Andirá (PR) | andyrá: morcegos[1] |
| Abaetetuba (PA) | abaeté + tuba: reunião de homens muito bons |
| Acajutiba (BA) | akaîu + tyba: ajuntamento de pés de caju |
A grande maioria dos topônimos artificiais são adequados; contudo há alguns que apresentam inadequações. Como referido acima, os topônimos inadequados podem ser de dois tipos: ou linguisticamente inadequados (pois ferem a gramática do tupi) ou geograficamente inadequados (nomes atribuídos a lugares em que o tupi antigo nunca fora falado).
| Exemplo | Etimologia | Razão da inadequação (segundo NAVARRO) |
|---|---|---|
| Jaguariúna (SP) | îagûar + 'y + un + -a | O nome está correto do ponto de vista gramatical, mas significa "rio preto das onças". Para dizer "rio da onça preta", o correto seria Jaguaruní.[2] |
| Pirangi (SP) | pirang + 'y*** | "Rio vermelho". O nome fere as regras de composição em tupi. As composições atributivas (ver imagem na introdução) não ensejam a inversão dos termos. Portanto, o nome correto seria Ipiranga.[2] |
| Itaporanga (PB) | itá + porang + -a | Embora gramaticalmente correto, o nome foi dado a um local onde habitavam indígenas do troncomacro-jê, e que portanto falavam uma língua muito diferente do tupi.[2] |
| Itacajá (TO) | itá + kaîá | Nome gramaticalmente correto, mas com sentido absurdo:cajá de pedra (cajá é um fruto). Ademais, o nome é também geograficamente inadequado por ter sido dado a um lugar onde nunca se falou tupi ou língua derivada dele.[2] |
| *** = etimologias que contêm alguma incorreção gramatical | ||