ASereníssima República de Veneza (emvêneto:Serenìsima Repùblega de Venèsia e emitalianoSerenissima Repubblica di Venezia) foi umEstado no nordeste dapenínsula Itálica, com capital na cidade deVeneza. Existiu do século VII ao século XVIII (1797). É muitas vezes referida apenas como aSereníssima.A data de fim, ao contrário, é 1797, ano em que a República foi invadida porNapoleão Bonaparte, com oTratado de Campoformio sendo firmado, e cedendo aoImpério Austríaco.
A região doVêneto é habitada desde a pré-história. A história dessa região faz parte da história da vasta região do Nordeste da Itália, situada entre os confins domar Adriático e a cadeia dosAlpes Orientais, que compreendeTrentino-Alto Ádige, Vêneto eFriul-Veneza Júlia.
Em época histórica a partir do século I a.C. fez parte doImpério Romano comoRegio X Venetia et Histria.
Depois da queda doImpério Romano, a região foi invadida por diversos povos bárbaros (godos,hérulos,hunos elombardos). Esta última invasão é descrita porPaulo, o Diácono na suaHistoria de meduza. Entre o século VI e o século VIII, ocorreu uma divisão sempre mais nítida entre o Vêneto interno, sob o domínio lombardo e a Veneza marítima dependente doImpério Bizantino e doexarcado de Ravena.
Grande parte da população e as autoridades religiosas se transferiram das cidades do interior aos centros lagunares (Grado,Torcello,Caorle,Malamocco eCivitas Nova ouEraclea). Com a conquistalombarda deRavena, em 751, o território lagunar adquire uma crescente independência do Império Bizantino, do qual permanece formalmente dependente. Com a transferência da sede dodux (duque) bizantino, que se tornou odoge, de Civitas Nova, sobre a terra firme, a Malamocco, nas ilhas lagunares, e depois, no início do século VIII, a "Rivoalto" (atualRialto), originou-se a cidade de Veneza.
Por volta do ano 1000, Veneza expulsou os piratas que ocupavam a costa daÍstria e manteve a região sob seu domínio.[1]
A força de Veneza nasceu do desenvolvimento de relações comerciais com oImpério Bizantino. Embora com crescente independência, Veneza permaneceu aliada doImpério Bizantino contra osárabes enormandos.
A República de Veneza por volta do ano 1000
Graças à imensa fortuna arrecadada através do comércio marítimo e terrestre com todo o mundo então conhecido, Veneza tornou-se a mais potente das quatroRepúblicas Marítimas da península itálica, que tinham o domínio comercial das rotas domar Mediterrâneo. Expandindo seu domínio aos territórios circundantes, em torno de1400 a Sereníssima República de Veneza era umEstado, cujos confins se estendiam além daqueles da antiga região romana, compreendendo parte daLombardia, daÍstria, daDalmácia, e vários territórios no ultramar (Stato da Màr).
No início do século XIII, Veneza alcançou o máximo de seu desenvolvimento, dominando o comércio noMediterrâneo e dos países europeus com o Oriente. Durante aQuarta Cruzada (1202-1204), Veneza adquiriu a posse das ilhas e das localidades marítimas comercialmente mais importantes do Império Bizantino. A conquista dos importantes portos deCorfu (1207) e deCreta (1209), lhe garantiu um comércio que se estendia ao Oriente, e alcançava aSíria e oEgito, pontos terminais do fluxo mercantil. Ao fim do século XIV, Veneza era a principal potência mercantil do Mediterrâneo e um dos estados mais ricos da Europa.
Com aqueda de Constantinopla para os turcos, em 1453, e o início das navegações portuguesas e espanholas, o comércio daEuropa com o Oriente através domar Mediterrâneo entrou em decadência.
Ao fim do século XVIII, a Sereníssima República, em declínio, foi invadida porNapoleão Bonaparte. A invasão pelas tropas napoleônicas em 1797 e sua cessão àÁustria, em troca daBélgica, pôs fim à história de muitos séculos da Sereníssima República de Veneza. Os territórios antes dominados pela república foram divididos em partes que se tornaram províncias doImpério Austríaco.
Nos primeiros anos da república, osistema político pode ser classificado como umaautocracia, com oDoge como o governante absoluto. Em 1223, as famílias aristocráticas de Rialto drasticamente diminuíram os poderes do Doge, estabelecendo um conselho consultivo que seria depois chamadoQuarantia (quarenta) e um supremo tribunal que seria depois chamadoSignoria. Eles também criaram dois corpos chamadossapientes que seriam depois seis corpos. A combinação dossapientes e outros grupos seria chamado decollegio, uma espécie de ministério encarregado das questões de governo. Um senado, chamado deConsiglio dei Pregadi foi organizado em 1229 com sessenta membros eleitos peloMaggior Consiglio (Conselho Maior). Durante este período o Doge tinha pouco poder real, e a autoridade era na verdade exercida pelo Grande Conselho de Veneza, um corpo parlamentar extremamente limitado onde podiam participar apenas membros das grandes famílias aristocráticas da república. Veneza proclamava que seu governo era uma clássica república, porque era uma fusão das três formas presentes num governo misto: com o poder supremo no Doge, o aristocrático no senado, e o democrático no Grande Conselho.
Em 1335, um "Conselho dos Dez" foi estabelecido e tornou-se tão poderoso e secreto que por volta de1600 seus poderes tiveram que ser delimitados. Seus poderes variaram, ao longo do tempo, da subordinação ao Grande Conselho à dominação sobre ele.
Uma lei de 1539 instituiu os "Inquisitores do Estado", mais tarde conhecidos como o Supremo Tribunal. Havia três inquisidores, um conhecido popularmente comoIl Rosso, ("o vermelho"), que era escolhida entre os Conselheiros do Doge, que usava roupas escarlate, e dois do Conselho dos Dez, que usavam roupas negras, conhecidos comoI negri ("os negros"). Eles se tornaram um corpo de segurança, nos tempos difíceis quando Veneza começou a sentir-se cercada pelosHabsburgos, e gradualmente assumiu os poderes do Conselho dos Dez.. Por meio de espionagem, contra-espionagem e vigilância interna, eles faziam uso de uma rede de informantes e confidentes.
Em 1556 conselhos chamadosprovveditori ai beni inculti foram também criados para melhorar a agricultura pelo acréscimo da área sob cultivo e encorajando investimento privado na agricultura. O consistente aumento de preços no preço dos grãos durante o século XVI encorajou a transferência de capital do comércio para a exploração da terra.
No capítuloMulheres, gênero e cultura letrada, as historiadoras Anadir dos Reis Miranda, Beatriz Polidori Zechlinski e Cristiane Tedesco dedicam-se ao estudo das mulheres em suas relações com asociedade e acultura naEuropa durante aIdade Moderna. Nesse sentido, elas buscam compreender como as mulheres inseriram-se em um cenário de valorização doletramento e dos saberes, de consolidação dos espaços desociabilidade e de reconhecimento deartistas,escritores eescritoras. As historiadoras lembram que, a partir dos séculos XV e XVI, a difusão dosimpressos e a ampliação dos índices dealfabetização significaram verdadeiras transformações sociais, que, por sua vez, não ficaram restritas ao universo masculino.[3]
No caso da República de Veneza, as estudiosas observam que em razão de uma certa tensão nasrelações diplomáticas comRoma, o que vai levar, inclusive, ao alinhamento da política veneziana com grupos anticatólicos durante aGuerra dos Trinta Anos (1618-1648), muitas mulheres alcançaram notoriedade no campo da cultura. Isso foi explicado pelo fato de que a República de Veneza estava menos sujeita às ordenações romanas, e, por consequência, aos seus mecanismos decensura. Entretanto, faz-se necessário destacar que, mesmo nesse ambiente de maiores liberdades, muitos homens não tinham acesso à vida política por não preencherem os critérios de sangue estatus. Quanto às mulheres, independentemente da posição social, a participação no poder era veementemente proibida.[4]
Se excluídas das esferas de poder político, as mulheres ainda tinham muita influência nos âmbitos social, cultural e econômico da sociedade veneziana. Um exemplo disso éArtemisia Gentileschi, pintora italiana que, enquanto atuou na República de Veneza, vivenciou um contexto de protagonismo feminino no teatro, no canto e na poesia. No início do século XVII, a pintora manteve contato com aAccademia degli Incogniti [Academia dos Desconhecidos], instituição fundada porGian Francesco Loredan. Essa academia permitia a participação tanto de homens quanto de mulheres, as quais utilizavam máscaras para permanecerem anônimas. As historiadoras comentam que, até esse momento, os únicos espaços públicos que não constrangiam a presença feminina eram asigrejas e osmercados. Percebe-se, então, que a academia ampliou o acesso das mulheres aos ambientes de debate intelectual, nos quais, além de leitoras, elas também atuavam como artistas e escritoras.[5]
Nesse ponto, é preciso esclarecer que muitas discussões daAccademia degli Incogniti foram pautadas pela questão degênero: questionamentos como “as mulheres têm capacidade para ocupar posições de liderança?”, “elas são naturalmente virtuosas ou são propensas aosvícios?” e “elas têm alma?” eram, como apontam as historiadoras, bastante frequentes. Para combater os tratadosmisóginos dosIncogniti, mulheres comoArcangela Tarabotti, contemporânea de Artemisia, também buscaram respostas. De vida religiosa, Arcangela concebeu escritos que condenavam a estrutura social que forçavam as mulheres aosconventos, que confrontavam ospadrões de vestimenta feminina e que afirmavam que as mulheres tinham alma da mesma forma que os homens.[6]
Depreende-se que o estudo realizado por Anadir dos Reis Miranda, Beatriz Polidori Zechlinski e Cristiane Tedesco tem por objetivo dar voz àagência feminina que, mesmo experimentando muitas restrições nos espaços públicos, foi fundamental nas produções culturais e intelectuais da República de Veneza, problematizando, inclusive, os discursos sobre os papéis de gênero. Estudar sobre a relação entre as mulheres e a cultura letrada nos permite entender muito mais sobre a sociedade e a cultura da República de Veneza, em particular, e da Idade Moderna, em geral.[7]
↑Fernand Braudel, Civilisation matérielle, économie et capitalisme. XVe-XVIIIe siècle, Paris, Armand Collin, 1979 ; David Graeber, DEBT The First 5.000 years, Ed. Melvillehouse Brooklyn, New York, 2011, 453 pages.
↑MIRANDA, Anadir dos Reis; ZECHLINSKI, Beatriz Polidori; TEDESCO, Cristine (2024). «Mulheres, gênero e cultura letrada».A Época Moderna. Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora Vozes. pp. 473–476
↑MIRANDA, Anadir dos Reis; ZECHLINSKI, Beatriz Polidori; TEDESCO, Cristine (2024). «Mulheres, gênero e cultura letrada».A Época Moderna. Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora Vozes. pp. 477–478
↑MIRANDA, Anadir dos Reis; ZECHLINSKI, Beatriz Polidori; TEDESCO, Cristine (2024). «Mulheres, gênero e cultura letrada».A Época Moderna. Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora Vozes. pp. 478–479
↑MIRANDA, Anadir dos Reis; ZECHLINSKI, Beatriz Polidori; TEDESCO, Cristine (2024). «Mulheres, gênero e cultura letrada».A Época Moderna. Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora Vozes. pp. 479–480
↑MIRANDA, Anadir dos Reis; ZECHLINSKI, Beatriz Polidori; TEDESCO, Cristine (2024). «Mulheres, gênero e cultura letrada».A Época Moderna. Petrópolis, Rio de Janeiro: Anadir dos Reis. pp. 473–500