Durante um curto período de tempo noséculo I a.C., o poderoso Reino da Arménia conquistou uma vasta região noLevante, incluindo a área daCilícia. Em83 a.C., após um conflito sangrento pelo trono daSíria, governada pelosselêucidas, aaristocraciagrega da Síria decidiu escolher o arménioTigranes, o Grande como protector do seu reino e oferecer-lhe a coroa da Síria.[4]
O Reino da Arménia na sua maior extensão, sob o reinado deTigranes, o Grande
Posteriormente Tigranes conquistou aFenícia e a Cilícia, dissolvendo oImpério Selêucida, apesar de algumas cidades resistentes terem aparentemente reconhecido o jovem reiSeleuco VII Filómetor como o seu soberano legítimo. A fronteira sul deste domínio chegava até Ptolemaida (S. João de Acre no tempo dascruzadas). Muitos dos habitantes das cidades conquistadas por Tigranes foram enviadas para a sua novametrópole,Tigranocerta, com o objectivo dehelenizar o seu reino.
No seu auge, o império estendia-se dosmontes Pônticos (no nordeste da actualTurquia) àMesopotâmia, e domar Cáspio aoMediterrâneo. Tigranes terá conseguido invadir atéEcbátana e tomou o título deRei dos Reis. Pensa-se que algumascolónias arménias na região da Cilícia datam desta época.
A Cilícia foi reconquistada aosárabes peloimperador bizantinoNicéforo II Focas em cerca de 965. Este expulsou osmuçulmanos que viviam na região e encorajou a colonização porcristãos da Síria e da Arménia. O seu sucessorBasílio II Bulgaróctono tentou expandir os seus domínios atéVaspuracânia a oriente e pela Síria a sul. Como resultado das campanhas bizantinas, os arménios chegaram até àCapadócia e à região montanhosa do norte da Síria e Mesopotâmia.[5]
Os arménios foram gradualmente servindo osbizantinos comooficiais militares e governadores, sendo-lhes concedido o controlo de cidades importantes na fronteira oriental doimpério. Quando o poder bizantino na região enfraqueceu na sequência dabatalha de Manzicerta, alguns usaram a oportunidade para se estabelecerem comosoberanos, enquanto outros permaneceram leais ao império, pelo menos nominalmente.
O mais bem sucedido destes primeiros senhores arménios foiFilareto Bracâmio, antigogeneral deRomano IV Diógenes. Entre 1078 e 1085, Filareto criou umprincipado que se estendia deMelitene a norte atéAntioquia a sul, e daCilícia a oeste atéEdessa a leste. Convidando outrosnobres arménios para colonizarem estes territórios, concedeu-lhes terras ecastelos,[5] mas este estado começaria a ruir ainda antes da sua morte em 1090.[6] e depois o restante destes domínios se desintegraria em senhorios locais.
Um destes príncipes locais foiRuben I da Arménia, que tinha relações familiares estreitas com o últimorei bagrátida da Arménia mas, julgando impossível recuperar o poder desta dinastia, rebelou-se independentemente contra oImpério Bizantino naCilícia. Conseguindo o apoio de diversos nobres e senhores arménios, em 1080 Ruben fundou um principado independente na Cilícia, que se tornaria reino sob a soberania dos seus descendentes (a chamada dinastia dos rubênidas).[7] No final doséculo XI havia assim vários importantes principados arménios na região:[8]
Lampron (posteriormente chamado Namrun, actualmenteCamliyayla) e Babaron (Candir Kale), na extremidade sul dasPortas da Cilícia, eram controladas pelo antigo general bizantinoOshin, fundador da dinastia dos Hetúmidas, que sucederia aos rubênidas no trono daCilícia.
A norte destas, na porção norte dabacia dorio Eufrates, localizava-se o principado deMelitene, sob o domínio deGabriel, antigo oficial de Filareto, também sob asuserania seljúcida.
Entre orio Tigre e o Eufrates ficavaEdessa, na posse deTeodoro, outro oficial de Filareto e genro de Gabriel de Melitene.
Com a excepção de Gogh Vasil e Constantino, estes senhores arménios tinham relações frias com a maioria dos seus compatriotas arménios e sofriam a antipatia doscristãos sírios, porque seguiam aIgreja Ortodoxa Grega ou detinhamtítulos oficiais cedidos pelo imperador bizantino.[9]
Com o advento daPrimeira Cruzada em 1096-1099 a percorrer aAnatólia, os arménios ganharam poderosos aliados cristãos, a quem forneceram guias, provisões ecavalos, pelo que receberiam louvor dopapa Gregório XIII noséculo XVI. Com o auxílio dos cruzados, defenderam-se contra os turcos, tanto em acções militares conjuntas na Cilícia como pelo estabelecimento dosestados cruzados emAntioquia eEdessa.[7] Apesar deste início auspicioso, nos dois séculos seguintes as relações entre cruzados e arménios oscilariam entre a aliança e a rivalidade.
Gradualmente a Cilícia foi desenvolvendo um governo centralizado na dinastia rubênida, que durante oséculo XII competia com os bizantinos pelo poder na região. Opríncipe Leão I anexou as cidades costeiras da Cilícia ao principado, consolidando assim a liderança arménia na região.
Leão I acabaria por ser derrotado pelo imperadorJoão II Comneno em 1137, que considerava a Cilícia como umaprovíncia bizantina. Foi aprisionado, juntamente com vários outros membros da sua família,[7] e morreu nocárcere três anos depois.Teodoro II, filho e sucessor de Leão I, também foi aprisionado, mas evadiu-se em 1141 para voltar a lutar contraConstantinopla. Inicialmente obteve vitórias, mas em 1158 acabaria por se declarar vassalo deManuel I Comneno. Entretanto a Cilícia tinha-se tornado tão importante que, em 1151, o líder daIgreja Arménia transferiu a suasé paraHromgla.[5]
O primeiro membro da dinastia dos rubênidas a obter o título de rei seriaLeão II, que subiu ao poder em 1187 ainda como príncipe. Durante o seu reinado teve de enfrentar conflitos com os governantes deIcônio,Alepo eDamasco, durante os quais aumentou o poderio militar daCilícia[7] e anexou novos territórios, duplicando a faixa costeira desta nação.
Isabel, a filha de Leão II, seria a chave para a tomada do poder da dinastia dosHetúmidas, rivais dos rubênidas. Depois de o seu primeiro marido ter sidoenvenenado em 1225 porConstantino de Baberon, foi forçada no ano seguinte a casar-se com o filho deste, que passou a partilhar o governo do reino sob o nome deHetum I.
Durante este reinado conjunto, oImpério Mongol estava em rápida expansão naÁsia e chegara aoMédio Oriente. Tendo conquistado rapidamente aMesopotâmia,Bagdá e aSíria, avançava sobre oEgito. Estas conquistas tiveram efeitos devastadores para o Reino da Arménia, mas a Arménia Cilícia não teria o mesmo destino, uma vez que Hetum sujeitou-se voluntariamente ao novo poder da região, enviando o seu irmão Sempad para a corte mongol em 1247 para negociar uma aliança.[11][12][13]
Em 1266,Baibars intimou Hetum I a renegar a suavassalagem aos mongóis, aceitar asuseraniamameluca e devolver os territórios e fortalezas conquistadas aos muçulmanos quando ao serviço dos mongóis. Hetum I foi então visitar a corte doIlcanato naPérsia para obter apoio militar, mas durante a sua ausência os mamelucos marcharam sobre a Cilícia. Liderados porAlmançor II e pelo comandante mamelucoQalawun Alfi, derrotaram os arménios nabatalha de Mari, matando Teodoro, filho de Hetum, e aprisionando o seu outro filhoLeão, juntamente com dezenas de milhares de soldados arménios.
Como resgate pelo seu filho, Hetum pagou uma grande soma em dinheiro e cedeu várias fortalezas. Pouco depois, um grandesismo em 1268 devastou o país, matando mais de 60 000 pessoas.[16] Hetum I abdicou no ano seguinte em favor do seu filho Leão II, que foi forçado a pagar avultadostributos anuais aos mamelucos, que mesmo assim continuaram a realizar incursões esporádicas na Cilícia.
Mongóis e arménios foram derrotados emHoms em 1281, e em 1285 Qalawun obrigou os arménios a lhe cederem várias fortalezas, para além de os proibir de reconstruir fortificações defensivas, de os forçar a pagar um tributo de um milhão dedirrãs[17] e a estabelecer relações comerciais com os mamelucos, assim furandoembargo comercial imposto pelopapado.[18]
No verão de 1299,Hetum II da Arménia, neto de Hetum I, solicitou a ajuda docã mongol da Pérsia,Gazã. Marchando sobre a Síria, este convidou orei de Chipre e osgrão-mestres dosCavaleiros Teutónicos,Templários eHospitalários para se aliarem neste ataque. Depois da conquista mongol deAlepo, estas forças aliadas derrotaram os mamelucos no final do ano.[19] Mas em Maio de 1300, depois de os mongóis serem forçados a retirar, provavelmente para procurar pasto para os seuscavalos, os mamelucos retomaram a área.
Três anos depois, uma nova ofensiva mongol-arménia[20] de cerca de 80 000 homens foi derrotada a sul deDamasco,[21] na que foi considerada a última grande invasão mongol da Síria.[22] Hetum II abdicou em favor do seu sobrinhoLeão IV para se ordenar mongefranciscano, mas em 1307 ambos seriamassassinados por um general mongol recentemente convertido aoIslão.[23]
Desde o reinado de outroGuido de Lusinhão notrono de Jerusalém e na ilha deChipre, noséculo XII, aCasa de Lusinhão, de origemfrancesa, tinha um longo histórico de poder na região. Apesar das estreitas ligações históricas entre os Lusinhão e os arménios, quando os latinos subiram ao poder, tentaram impor o seucristianismo ocidental e o estilo de vida europeu à população local. Na maioria, os líderes arménios aceitaram a situação, mas opovo opôs-se à mudança, o que levaria a conflitos internos no reino.[7]
No final doséculo XIV, a Cilícia foi invadida peloSultanato Mameluco do Egito, e com a perda de Sis, em abril de 1375, acabava o Reino Latino da Arménia.Leão VI, o último rei, recebeu umsalvo-conduto para abandonar a região, e morreria noexílio emParis, em 1393, após tentar, em vão, proclamar outracruzada. O título foi então reivindicado pelo seu primo,Tiago I de Chipre,[7] e posteriormente pelaCasa de Saboia.
Apesar de os mamelucos do Egito terem conseguido tomar a Cilícia, acabariam por ser derrotados por tribos túrquicas ao comando deTamerlão. 30 000 arménios fugiram para o Chipre, sob o domínio ocidental até 1489, tendo ficado na região só a população mais pobre, que permaneceria até aogenocídio Arménio de 1915. Os seus descendentes encontram-se dispersos na chamadadiáspora arménia, e a Santa Sé da Cilícia encontra-se emAntelias, noLíbano.[7]
A convivência com oscruzados ocidentais, particularmente daFrança, marcou a cultura arménia local. Anobreza daCilícia adoptou vários aspectos do estilo de vida europeu, incluindo acavalaria medieval, roupas eprenomes. A influência linguística foi tão marcante que duas novas letras (Ֆ ֆ = "f" e Օ օ = "o") foram adicionadas aoalfabeto arménio.
A estrutura da sociedade aproximou-se mais dofeudalismo ocidental do que do sistemanacarar tradicional da Arménia, no qual o rei tinha simplesmente uma relação deprimeiro entre iguais com a nobreza. Este período também foi marcado pela produção de importantes exemplos dearte arménia, na qual se destacam osmanuscritosiluminados deToros Roslin noséculo XIII.[27]
Várias missões defranciscanos deRoma (incluindoJoão de Montecorvino em 1298[28]) foram enviadas àCilícia para ajudar esta aproximação, mas com poucos resultados. No entanto, o próprio reiHetum II da Arménia seria ordenado monge franciscano depois de abdicar do trono. E ohistoriador arménioNarses Balients doséculo XIV era um franciscano, parte do movimento que defendia a unificação com a Igreja latina.
↑«Landmarks in Armenian history, Internet Archive» (em inglês)Em 1080 Ruben, primo dos reis bagrátidas, instaurou no monte Taurus (nas margens do mar Mediterrâneo) o reino da Nova Arménia, que durou 300 anos.
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↑No entanto, esta prática não parece ter sido generalizada aos restantes monarcas. Como exemplos,Teodoro III foi o primeiro rei de nome Teodoro, eConstantino III foi o primeiro rei de nome Constantino. Deste modo optou-se por classificar oPríncipe Leão II da Arménia (Rei Leão I da Arménia) com o numeralII do seu primeiro título.
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