| Província Ultramarina de Moçambique (até 1972) Estado de Moçambique (1972-1975) | |||||
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| Continente | África | ||||
| Região | África Oriental | ||||
| País | Moçambique | ||||
| Capital | Cidade de Pedra (1507-1898) Lourenço Marques (1898-1975) | ||||
| Língua oficial | Português | ||||
| Religião | Catolicismo Romano | ||||
| Governo | Território doImpério Português (1505–1836) Província ultramarina de Portugal (1836–1972) Estado do Império Português (1972–1975) | ||||
| Rei/Presidente da República Portuguesa | |||||
| • 1498-1521 | Manuel I de Portugal (primeiro) | ||||
| • 1974-1975 | Francisco da Costa Gomes,presidente (último) | ||||
| Período histórico | Colonialismo | ||||
| • 1505 | Era dos descobrimentos | ||||
| • 25 de Junho de1975 | Independência após aGuerra Colonial (1964-1974) | ||||
| População | |||||
| • 1967 est. | 7 300 000 | ||||
| Moeda | Real moçambicano (1852–1914) Escudo moçambicano (1914–75) | ||||
Província Ultramarina de Moçambique ouMoçambique Português ouÁfrica Oriental Portuguesa eram os termos comuns pelos quaisMoçambique era designado durante o período em que era uma província ultramarina portuguesa. O Moçambique Português originalmente constituía uma série de possessões portuguesas ao longo da costa sudeste africana e, mais tarde, tornou-se uma província unificada, que agora forma a República de Moçambique.
Feitorias portuguesas — e, mais tarde, territórios — foram formadas ao longo da costa e nabacia do Zambeze a partir de 1498, quandoVasco da Gama chegou pela primeira vez à costa moçambicana.Lourenço Marques explorou a área que hoje é aBaía de Maputo em 1544. Os portugueses intensificaram os esforços para ocupar o interior da colônia após aPartilha da África e asseguraram o controle político sobre a maior parte de seu território em 1918, enfrentando a resistência de alguns africanos durante o processo.
De acordo com a política oficial doregime salazarista, inspirada no conceito deluso-tropicalismo, Moçambique era reivindicado como parte integrante da "nação pluricontinental e multirracial" de Portugal, assim como em todas as suas colônias para europeizar a população local e assimilá-la à cultura portuguesa. Essa política, no entanto, foi amplamente malsucedida, e a oposição africana à colonização levou a uma guerra de independência de dez anos que culminou naRevolução dos Cravos em Lisboa, em abril de 1974, e na independência de Portugal, em junho de 1975.
A região como um todo foi por muito tempo oficialmente denominada África Oriental Portuguesa, e foi subdividida em uma série de colônias que se estendiam deLourenço Marques no sul atéNiassa no norte. Alguns territórios em Moçambique foram entregues no final do século XIX para o governo de companhias registradas, como a Companhia de Moçambique, que detinha a concessão das terras correspondentes às atuais províncias de Manica e Sofala, e a Companhia doNiassa, que controlava as terras das atuais províncias de Cabo Delgado e Niassa.
Cabo Delgado era inicialmente apenas uma faixa de território ao longo dorio Rovuma, incluindo o próprio Cabo Delgado, que Portugal adquiriu daÁfrica Oriental Alemã em 1919, mas foi ampliado para o sul até o rio Lúrio para formar o que é hoje a província de Cabo Delgado. Na bacia do Zambeze estavam as colônias de Quelimane (agora província da Zambézia) e Tete (no panhandle entre a Rodésia do Norte, agora Zâmbia, e a Rodésia do Sul, agora Zimbábue), que foram por um tempo fundidas como Zambézia. A colônia de Moçambique (agora província de Nampula) tinha a Ilha de Moçambique como sua capital. A ilha também foi a sede do Governador-Geral da África Oriental Portuguesa até o final da década de 1890, quando esse oficial foi oficialmente transferido para a cidade de Lourenço Marques. Também ao sul ficava a colônia de Inhambane, a nordeste de Lourenço Marques. A Companhia de Moçambique cedeu seus territórios ao controle português em 1942, unificando Moçambique sob o controle do governo português. Após a fusão dessas colônias, a região como um todo passou a ser conhecida comoMoçambique.
Durante a sua história comocolónia portuguesa, o atual território de Moçambique teve as seguintes designações formais:
Em junho de 1972, aAssembleia Nacional Portuguesa aprovou uma nova versão da sua Lei Orgânica dos Territórios Ultramarinos, a fim de conceder aos seus territórios ultramarinos africanos uma autonomia política mais ampla e atenuar a discordância crescente tanto a nível interno como externo. Mudou o status de Moçambique de umaprovíncia ultramarina para um "estado autónomo" com autoridade sobre alguns assuntos internos, enquanto Portugal deveria manter a responsabilidade pela defesa e relações exteriores. No entanto, a intenção não era de forma alguma garantir a independência moçambicana, mas sim "conquistar os corações e mentes" dos moçambicanos, convencendo-os a permanecer permanentemente como parte de um Portugal intercontinental. Renomeando Moçambique (comoAngola) em 1972, o "Estado" fez parte de um esforço aparente para dar aoImpério Português uma espécie de estrutura federal, conferindo algum grau de autonomia aos "estados". De fato, as mudanças estruturais e o aumento da autonomia foram extremamente limitados. O governo do "Estado de Moçambique" era o mesmo que o antigo governo provincial, exceto por algumas mudanças cosméticas no pessoal e nos títulos. Tal como em Portugal, o governo do "Estado de Moçambique" era inteiramente composto por pessoas alinhadas com o estabelecimento do regime doEstado Novo. Enquanto essas mudanças ocorriam, alguns núcleos de guerrilha permaneceram ativos dentro do território e continuaram a fazer campanha fora de Moçambique contra o domínio português. A ideia de fazer com que os movimentos de independência participassem da estrutura política da organização do território reformado era absolutamente impensável (de ambos os lados).[1]

Até o século XX, a maior parte da população e do território de Moçambique manteve-se fora do controle efetivo europeu direto. Os portugueses estabeleceram fortificações costeiras, feitorias e algumas capitanias, mas seu controle efetivo restringia-se sobretudo ao litoral, à Ilha de Moçambique e a trechos navegáveis dos grandes rios, como oZambeze.[2]
Nas áreas costeiras, a chegada dos portugueses levou à substituição gradual dos comerciantes muçulmanos, em particular os suaílis, que haviam dominado o comércio do oceanoÍndico entre o litoral e o interior daÁfrica. Esse processo alterou as rotas tradicionais demarfim,ouro eescravizados, enfraquecendo antigos centros árabes e islâmicos e criando novos polos de poder ligados à administração colonial.[3]
Entretanto, no interior do território, os processos sociais africanos mantiveram grande autonomia política e social. As migrações bantas continuaram ao longo dos séculos, acompanhadas pela formação e dissolução de federações tribais, cuja organização variava conforme o poder militar, econômico e espiritual dos chefes locais. Reinos como o deMonomotapa e, posteriormente, oImpério de Gaza, interagiram com os portugueses em relações de conflito, comércio e aliança, mas conservaram dinâmicas políticas próprias.[4]
Até a virada do século XIX para o XX, a presença colonial caracterizou-se mais pelo controle das rotas comerciais e pela cobrança de tributos e concessões do que por uma ocupação territorial plena. Só após aConferência de Berlim e as campanhas militares de ocupação efetiva Portugal conseguiu impor uma administração mais abrangente sobre a colônia, integrando-a de modo mais direto ao império ultramarino.[5]

A viagem deVasco da Gama ao redor doCabo da Boa Esperança no oceano Índico em 1498 marcou a entrada portuguesa no comércio, na política e na sociedade no mundo do Oceano Índico. Os portugueses ganharam o controle da Ilha de Moçambique e da cidade portuária deSofala no início do século XVI. Vasco da Gama, tendo visitadoMombaça em 1498, foi então bem-sucedido em chegar àsÍndias, o que permitiu aos portugueses comercializar com o Extremo Oriente diretamente pelo mar, desafiando assim as redes comerciais mais antigas de rotas mistas terrestres e marítimas, como as rotas de comércio de especiarias que usavam oGolfo Pérsico, oMar Vermelho e caravanas para chegar ao Mediterrâneo oriental.[6]
ARepública de Veneza havia conquistado o controle sobre grande parte das rotas comerciais entre a Europa e a Ásia. Depois que as rotas terrestres tradicionais para a Índia foram fechadas pelos otomanos, Portugal utilizou a rota marítima pioneira de Vasco da Gama para tentar quebrar o monopólio comercial veneziano. Inicialmente, o domínio português na África Oriental se concentrou principalmente em uma faixa costeira centrada em Mombaça. Com viagens lideradas por Vasco da Gama,Francisco de Almeida eAfonso de Albuquerque, os portugueses dominaram grande parte da costa do sudeste da África, incluindo Sofala e Kilwa, em 1515.[7] Seu principal objetivo era dominar o comércio com a Índia. À medida que os portugueses se estabeleceram ao longo da costa, eles seguiram para o interior como sertanejos. Esses sertanejos viviam ao lado de comerciantes suaílis e até mesmo prestaram serviço entre os reis shona como intérpretes e conselheiros políticos. Um desses sertanejos registrou viagens por quase todos os reinos Shona, incluindo o distrito metropolitano do Império Monomotapa, entre 1512 e 1516.[8]
A partir da década de 1530, os interesses portugueses voltaram-se cada vez mais para o interior da África Oriental. O litoral, com suas feitorias e fortalezas como Sofala e a Ilha de Moçambique, já estava consolidado como entreposto comercial, mas o ouro de Monomotapa (reino situado ao norte dorio Limpopo, no atualZimbábue) tornou-se o foco das atenções portuguesas. Comerciantes, exploradores e missionários portugueses começaram a subir o rio Zambeze estabelecendo aringas (pequenos entrepostos fortificados) em pontos estratégicos, de onde controlavam as rotas de caravanas africanas que transportavam ouro e marfim. Essa penetração deu origem à formação de praças de comércio no interior, comoSena eTete, fundadas por volta de 1531–1537.[9]
Ao mesmo tempo, os portugueses estabeleceram relações diplomáticas e militares com o Império Monomotapa. Em 1561, missionários jesuítas chegaram à corte do imperador, buscando converter o soberano ao cristianismo, mas o projeto não se concretizou, com a execução do jesuíta Gonçalo da Silveira por facções contrárias à influência portuguesa.[10]

O envolvimento dos portugueses nas disputas sucessórias internas do Monomotapa levou, em 1569, à concessão de direitos sobre minas de ouro a colonos luso-africanos, que passaram a instalar-se no planalto. Embora as jazidas de ouro fossem menos produtivas do que inicialmente esperado, a ocupação estabeleceu a base do sistema de prazos da Coroa, grandes propriedades agrícolas e comerciais arrendadas a famílias de colonos portugueses ou mestiços que se tornaram senhores locais.[11]
Embora a influência portuguesa tenha se expandido gradualmente, seu poder era limitado e exercido por meio de colonos e funcionários individuais aos quais foi concedida ampla autonomia. Os portugueses passaram a controlar grande parte do comércio costeiro dos árabes entre 1500 e 1700, estabelecendo fortalezas como Sofala, Quelimane e a Ilha de Moçambique, mas no interior sua presença era frágil e dependia de alianças locais.[12] Mas com a tomada árabe doForte Jesus, na Ilha de Mombaça, em 1698, o controle costeiro passou temporariamente para mãos muçulmanas. Como resultado, o investimento ficou para trás, enquanto Lisboa concentrou-se no comércio mais lucrativo com a Índia e o Extremo Oriente e à colonização do Brasil.
Durante o século XIX, outras potências europeias, particularmente osbritânicos e osfranceses, tornaram-se cada vez mais envolvidos no comércio e na política da região. O interesse britânico cresceu sobretudo devido à necessidade de controlar rotas comerciais estratégicas no sudeste africano, ligando o Cabo da Boa Esperança ao Oceano Índico, enquanto os franceses buscavam ampliar sua presença emMadagascar e na costa oriental africana.[13] Portugal, com recursos limitados, teve de enfrentar pressões diplomáticas e militares para garantir a soberania sobre Moçambique. A assinatura de tratados com o Reino Unido, culminando noTratado de 1891, formalizou as fronteiras coloniais reconhecidas internacionalmente, o que impediu Portugal de criar um território contínuo ligandoAngola aMoçambique (o chamado “mapa cor-de-rosa”).[14]

Para expandir a presença efetiva no interior e assegurar o controle econômico, Portugal recorreu à concessão de territórios a companhias privadas, que receberam amplos poderes administrativos, judiciais e militares. Entre elas destacam-se a Companhia de Moçambique, responsável pelo centro da colônia (Beira e região), e a Companhia do Niassa, no norte. Essas companhias exploraram recursos naturais, recrutaram trabalho indígena e mantiveram exércitos privados, muitas vezes impondo tributos de forma coercitiva.[15] O Império de Gaza, fundado pelo líderNgungunhane, representou a maior resistência ao domínio português no sul do território. Entre 1890 e 1895,campanhas militares conduzidas por forças portuguesas e aliados africanos derrotaram o Império de Gaza, integrando definitivamente o sul de Moçambique à administração colonial.[16] Economicamente, o século XIX viu a modernização parcial da colônia, com o estabelecimento de rotas de transporte fluvial e terrestre para facilitar o comércio de marfim, algodão e outros produtos tropicais. Entretanto, a maior parte da população africana continuava fora do alcance direto da administração portuguesa, trabalhando em regimes de tributos e formas de trabalho obrigatório, enquanto estruturas sociais locais, como chefaturas e federações tribais, mantinham relativa autonomia.[17] Além disso, as campanhas portuguesas para ocupar o interior consolidaram o sistema de prazos da Coroa. Os prazeiros organizaram exércitos privados, compostos por descendentes mestiços e guerreiros africanos aliados, os chikundas, estabelecendo redes políticas e econômicas que combinavam influência portuguesa e autonomia local. O comércio de ouro declinou no interior, mas o comércio de marfim e de pessoas escravizadas expandiu-se significativamente, tornando-se a base da economia colonial.[18] Apesar dessas transformações, grande parte do território permanecia fora do controle efetivo da Coroa, e as populações africanas continuaram a manter dinâmicas sociais e políticas próprias, adaptando-se às novas relações de poder e comércio introduzidas pelos portugueses.

No início do século XX, Moçambique foi progressivamente integrado à administração direta da Coroa Portuguesa, com o fim gradual das concessões de territórios a companhias privadas como a Companhia de Moçambique e a Companhia do Niassa. A administração passou a concentrar-se em portos estratégicos, como Lourenço Marques (atual Maputo) e Beira, além de rotas fluviais e ferroviárias que ligavam o litoral ao interior, facilitando o controle do comércio de algodão, açúcar e outros produtos tropicais.[19] Durante o regime doEstado Novo, Moçambique passou a ser considerada parte integrante do império ultramarino português. A política colonial buscava modernizar a infraestrutura, estabelecer serviços de saúde e educação, mas manteve a maioria da população africana sob rígidas restrições econômicas e sociais, incluindo o trabalho compulsório conhecido como chibalo. Ao mesmo tempo, a colonização incentivava a formação de comunidades mestiças católicas e de elite urbana, enquanto as áreas rurais permaneciam amplamente sob autoridade tradicional africana.[20] A partir da década de 1960, o contexto internacional de descolonização e o crescimento dos movimentos nacionalistas africanos levaram ao surgimento daFrente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), fundada em 1962 porEduardo Mondlane. Inicialmente centrada no norte do país, a FRELIMO começou operações armadas em 1964, dando início àGuerra de Indepêndencia de Moçambique parte da mais amplaGuerra do Ultramar.[21] O conflito prolongou-se por mais de uma década, com guerrilheiros da FRELIMO controlando áreas rurais no norte e centro, enquanto as forças portuguesas mantinham as cidades e principais infraestruturas. A guerra gerou deslocamentos populacionais, destruição de plantações e infraestrutura, além de pressionar a economia colonial, que dependia do trabalho indígena e das exportações agrícolas. ARevolução dos Cravos em Portugal, em 25 de abril de 1974, abriu caminho para negociações de independência. Em setembro de 1974, foram assinados osAcordos de Lusaca, reconhecendo o direito à autodeterminação do território de Moçambique. Finalmente, em 25 de junho de 1975, foi proclamada a independência, comSamora Machel como primeiro presidente. A transição marcou o fim da presença portuguesa de mais de quatro séculos, e deu início a uma nova era política e social no país.[22]

A administração de Moçambique evoluiu ao longo dos séculos, refletindo as dificuldades de Portugal em exercer controle sobre um território vasto e heterogêneo. Desde o período inicial do século XVI até a década de 1970, o governo colonial combinou autoridade central da Coroa, concessões a colonos privados, uso de chefes tradicionais africanos e a presença da Igreja Católica desempenhando um papel de integração social e política. No período colonial inicial, o território era administrado de forma descentralizada, com governadores nomeados pela Coroa portuguesa exercendo autoridade em nome do rei. Estes governadores, muitas vezes residentes na Ilha de Moçambique, eram responsáveis por manter a segurança do litoral, supervisionar o comércio e garantir a cobrança de tributos. A administração do interior permanecia limitada, dependendo de alianças com chefes locais e prazeiros, donos de grandes propriedades com autonomia quase total sobre suas terras e habitantes.[23] Com o tempo, a Coroa criou postos administrativos como capitanias-mores, corregedorias e postos de governos, designados para fiscalizar o território e regular o comércio. Entretanto, até o século XIX, grande parte do interior continuou efetivamente fora do controle direto, e o governo português dependia do sistema de tributação indireta, por meio de chefes africanos aliados, que eram reconhecidos oficialmente e recebiam incentivos para manter a ordem e coletar tributos.[24]
No século XIX, diante da pressão de potências estrangeiras e a necessidade de ocupação efetiva do território, Portugal passou a criar estruturas administrativas mais centralizadas. O território foi dividido em províncias administrativas, cada uma com um governador, assistentes e funcionários militares. Essas províncias incluíam o sul, com Lourenço Marques; o centro, com Beira; e o norte, com Nampula e a região do Niassa. A administração colonial baseava-se na hierarquia burocrática portuguesa, que incluía secretarias de finanças, justiça, saúde, obras públicas e educação. A partir de 1837, o mais alto funcionário governamental na província de Moçambique sempre foi o Governador-Geral , que se reportava diretamente ao Governo em Lisboa, geralmente por meio do Ministro do Ultramar. Durante alguns períodos no final do século XIX e início do século XX, os governadores-gerais de Moçambique receberam o status de comissários régios ou de altos comissários, o que lhes conferiu poderes executivos e legislativos ampliados, equivalentes aos de um ministro do governo.[25] O sistema jurídico colonial combinava leis metropolitanas portuguesas, regulamentos administrativos locais e direito consuetudinário africano. Tribunais locais presididos por governadores ou juízes subordinados à Coroa julgavam crimes e disputas civis envolvendo portugueses, mestiços e africanos assimilados. Ao mesmo tempo, os chefes tradicionais podiam resolver conflitos internos conforme seus costumes, desde que tais decisões não fossem contrárias às normas da administração colonial. No século XX, leis metropolitanas como o Código Colonial de 1930 padronizaram procedimentos jurídicos e penalidades em toda a colônia, reforçando o poder do Estado português e limitando a autonomia dos chefes locais.[26]

A segurança da colônia dependia de tropas metropolitanas, milícias locais e exércitos privados dos prazeiros. Durante o século XIX, a maioria das campanhas militares contra reinos africanos, como o Império de Gaza, foi conduzida por forças luso-africanas sob comando de oficiais portugueses. O recrutamento incluía soldados africanos, geralmente subordinados a oficiais portugueses, e destacamentos de elite chamados chikundas, que eram usados tanto para patrulhamento interno quanto para campanhas contra chefes rebeldes. No século XX, com a centralização administrativa e a integração de Moçambique ao Estado Novo, formou-se o Exército Colonial Português, que mantinha unidades permanentes em cidades estratégicas e nas fronteiras do interior, garantindo a presença portuguesa diante dos movimentos nacionalistas emergentes.[27] Ao longo de toda a colonização, a política colonial portuguesa baseou-se em um modelo de cooperação seletiva com líderes africanos locais. Chefes reconhecidos oficialmente recebiam títulos, privilégios e apoio militar em troca da arrecadação de tributos e da manutenção da ordem. Essa rede de poder intermediário permitiu que a Coroa controlasse vastos territórios sem ocupar diretamente toda a população. Entretanto, esse sistema frequentemente gerava tensões internas, já que chefes tradicionais resistiam à imposição de impostos, trabalho compulsório ou interferência na sucessão local. A administração portuguesa respondeu com campanhas militares pontuais, negociações e, em alguns casos, reassentamento de populações, permitindo à administração colonial manter o controle sem mobilizar extensivamente recursos metropolitanos.[28] A Igreja Católica desempenhou papel central na administração indireta, servindo como mediadora entre colonos e populações locais. Missões jesuítas, dominicanas e franciscanas fundaram escolas, hospitais e igrejas, promovendo a catolização e a alfabetização limitada. A educação colonial tinha duplo objetivo: formar funcionários assimilados e cristianizados para o serviço colonial e consolidar a influência portuguesa na cultura local.[29]

A colônia de Moçambique abrangia um território extenso, situado na costa sudeste da África, limitado a norte peloTanganica (atualTanzânia), a oeste pelaNiassalândia (atualMalawi),Rodésia do Norte (atualZâmbia),Rodésia do Sul (atualZimbábue) eÁfrica do Sul, e a leste pelo Oceano Índico. Seu território apresentava grande diversidade geográfica e ecológica, com variações significativas de clima, relevo e hidrografia, que influenciaram a economia, a ocupação humana e a administração colonial. No início do século XX, ocorreram várias mudanças territoriais na colônia. A principal mudança ocorreu em 28 de junho de 1919, quando oTratado de Versalhes transferiu oTriângulo deQuionga , um território de 1.000 km² ao sul do Rio Rovuma, daÁfrica Oriental Alemã para Moçambique.
O território colonial podia ser dividido em três grandes unidades geográficas:
A colônia possuía uma rede hidrográfica extensa, com rios navegáveis que facilitavam a penetração colonial e o comércio interior. O mais importante era o Zambeze, que atravessa o país de oeste para leste, desaguando no oceano Índico. Foi crucial para transporte de mercadorias, especialmente ouro, marfim e, posteriormente, algodão. O rio Limpopo percorria o sul da colônia, com várzeas férteis, mas sujeito a cheias periódicas. Já os riosRovuma,Lúrio e Licungo, localizados no norte, tinham importância estratégica e econômica limitada devido à navegação dificultada por corredeiras e leitos rasos.[33]

Além dos rios principais, a costa apresentava estuários amplos e numerosas lagoas, como a lagoa de Inhambane, utilizadas para pesca e pequenos assentamentos costeiros.
A colônia apresentava três zonas climáticas principais:
O clima influenciou diretamente a ocupação colonial, com maior densidade populacional e assentamentos urbanos no litoral e no planalto central, enquanto o norte e nordeste permaneceram relativamente inexplorados.[34]
Durante o século XX, Moçambique foi organizada em províncias administrativas: Norte, que contava com Niassa, Cabo Delgado e Nampula. O Centro, que contava com Zambezia, Tete, Sofala e Manica. E por último, o Sul, que contava com Gaza, Inhambane e Lourenço Marques. Cada província tinha um governador ou administrador colonial, assistido por funcionários encarregados de arrecadação, justiça e segurança. Essa divisão refletia tanto a geografia quanto a densidade populacional, concentrando esforços da Coroa em regiões costeiras e centrais, mais acessíveis e economicamente estratégicas.[35]
A geografia de Moçambique condicionou fortemente a exploração econômica colonial, uma vez que a distribuição de solos férteis, rios navegáveis e reservas minerais determinava a localização dos centros urbanos, portos e linhas férreas.
Grande parte da agricultura da colônia baseava-se em culturas tropicais adaptadas às diferentes condições climáticas. No litoral e no sul predominavam oalgodão, acana-de-açúcar e ococo, aproveitando solos aluviais férteis e a proximidade dos portos. No Planalto Central produzia-semilho,sorgo efeijão, destinados principalmente ao consumo interno, além do tabaco em algumas regiões. No norte, com clima mais úmido, desenvolveu-se o cultivo decaju,sisal, echá, integrados à economia exportadora no século XX.[36]
O uso do chibalo nas plantações teve um papel central na economia rural, que dependia da coerção sobre populações locais para abastecer tanto o mercado interno quanto o de exportação.
A criação de gado bovino era praticada principalmente no sul e no interior central, em áreas de savana. O gado desempenhava função econômica restrita, servindo ao consumo local e ao transporte, mas também representava símbolo de prestígio social entre comunidades africanas.[37]
A colônia também possuía importantes recursos minerais, como oouro, que era explorado desde o século XVI na região de Manica e Tete, em conexão com o antigo império do Monomotapa. No século XX, a exploração tornou-se marginal, com depósitos exauridos e a concorrência da África do Sul. Também havia reservas significativas decarvão mineral em Tete, que começaram a ser exploradas sistematicamente no início do século XX, tornando-se um dos principais recursos minerais da colônia.[38]
A população da colônia de Moçambique foi moldada pela longa interação entre sociedades africanas locais, influências árabes e suaíli no litoral e, posteriormente, pela presença portuguesa e de outros grupos europeus e asiáticos. A composição demográfica variou ao longo do período colonial, com transformações profundas no século XIX e sobretudo no século XX.

A esmagadora maioria da população era composta por gruposbantus, distribuídos em diferentes regiões. No norte, eram predominantes osMakua e Lomwe, próximos a Nampula e Cabo Delgado, eram agricultores de subsistência e criadores de gado. Também no norte, habitavam os Yao, ligados historicamente ao comércio de marfim e escravos, com forte presença muçulmana. Concentrados no centro, estavam os Sena e os Shona,que habitavam as margens do Zambeze e em Manica. Praticavam agricultura e estavam conectados ao comércio de ouro e marfim. Predominantes no sul, estavam os Tsonga, próximos a capital Lourenço Marques, frequentemente empregados em trabalhos agrícolas e migratórios para a África do Sul. O crescimento natural da população africana foi marcado por períodos de declínio em função das guerras, epidemias e trabalho forçado. No século XX, milhões de africanos foram submetidos ao chibalo ou recrutados como trabalhadores imigrantes para minas e plantações na África do Sul e Rodésia, afetando a estrutura social e familiar local.[39]
A presença europeia manteve-se reduzida até o final do século XIX, limitada a comerciantes, missionários e funcionários do Estado português. A partir da ocupação efetiva, o número de colonos aumentou, sobretudo nas cidades costeiras e nas regiões agrícolas controladas por companhias majestáticas (como a Companhia de Moçambique e a Companhia do Niassa). Em 1900, estimava-se que havia cerca de 8 e 10 mil europeus em Moçambique. Já na década de 1960, esse número superava 200 mil, em sua maioriaportugueses, mas também incluía pequenos grupos debritânicos,gregos eitalianos.[40] A população branca concentrava-se em Lourenço Marques, Beira e Nampula, onde controlava setores administrativos, comerciais e industriais. Moçambique também recebeu comunidadesindianas (goanos e gujaratis) e muçulmanos israelitas, trazidas inicialmente como comerciantes e funcionários. Estabelecidos principalmente no norte (Ilha de Moçambique, Nacala, Pemba) e em Lourenço Marques, desempenharam papel fundamental no comércio interno e de exportação. Pequenos grupos de chineses também se fixaram em portos como Lourenço Marques e Beira, ligados a atividades comerciais e artesanais.[41]
O regime colonial português em Moçambique estruturou-se em torno de uma sociedade profundamente hierarquizada e racializada, que refletia as concepções coloniais de “civilização” e “primitivismo”. A distinção fundamental estabelecia-se entre a população europeia e os africanos, classificados em categorias jurídicas distintas.
Estatuto do Indigenato:

Em 1929, o Estatuto do Indigenato institucionalizou a divisão social e jurídica da colônia. Ele consagrava oficialmente a existência de uma sociedade dual:
Na prática, o sistema mantinha os africanos sob forte discriminação legal e social, perpetuando sua exploração como mão de obra barata para plantações, obras públicas e trabalho migratório para territórios vizinhos.[42]
O status de assimilado era teoricamente acessível a qualquer africano disposto a adotar integralmente os padrões culturais portugueses. Contudo, os critérios eram altamente seletivos e subjetivos: fluência em português, prática católica, estabilidade financeira e abandono de costumes tradicionais. Mesmo quando reconhecidos como assimilados, esses indivíduos enfrentavam preconceito racial e exclusão de cargos públicos mais elevados. Esse grupo, embora minoritário, deu origem a uma elite africana urbana, formada por profissionais liberais, pequenos comerciantes e funcionários, que desempenharia papel crucial na luta anticolonial a partir da década de 1950.[43]
Além da clivagem entre brancos e africanos, a sociedade moçambicana incluía comunidades indianas e mestiças (macaenses, goeses, mulatos), que ocupavam posições intermediárias. Muitos indianos (tanto hindus quanto muçulmanos) atuavam no comércio varejista e atacadista, enquanto mestiços e goeses desempenhavam funções administrativas, educacionais e religiosas. Ainda assim, raramente eram considerados parte da elite colonial branca, sofrendo discriminação social e política.
Nas cidades, a segregação espacial reforçava as barreiras sociais. Em Lourenço Marques, por exemplo, os bairros coloniais — com infraestrutura moderna, serviços e moradia para europeus — contrastavam com os caniços, áreas periféricas destinadas à população africana, com habitações precárias e ausência de serviços básicos. Essa lógica dual se repetia em Beira, Nampula e outras localidades. No campo, a maior parte da população indígena estava subordinada ao sistema de régulos, que, sob supervisão colonial, arrecadavam impostos de palhota e recrutavam mão de obra para projetos estatais ou companhias privadas.
Essa estrutura social rigidamente racializada produziu exclusão política: africanos “indígenas” não tinham direitos de participação política. Desigualdade econômica: acesso diferenciado a terras, salários e oportunidades de trabalho. E barreiras educacionais: escolas para africanos eram limitadas, com currículos voltados para a formação de mão de obra básica, em contraste com a educação oferecida a colonos e assimilados. Com o avanço do século XX, essas desigualdades tornaram-se insustentáveis, alimentando a mobilização de grupos nacionalistas e a formação da FRELIMO na década de 1960.[44]
O regimeindigenista foi abolido em 1960. A partir de então, todos os africanos passaram a ser considerados cidadãos portugueses, e a discriminação racial tornou-se uma característica sociológica, e não jurídica, da sociedade colonial. De fato, o governo das autoridades tradicionais tornou-se ainda mais integrado do que antes na administração colonial. Legalmente falando, nas décadas de 1960 e 1970, a segregação em Moçambique era mínima em comparação com a da vizinha África do Sul.
Lourenço Marques foi fundada como pequeno entreposto no século XVIII. A cidade tornou-se, a partir da segunda metade do século XIX, o principal porto e centro administrativo da colônia. A cidade consolidou-se graças à sua posição estratégica frente à África do Sul e à construção da linha férrea Lourenço Marques-Pretória (1895), que conectava as minas doTransvaal ao oceano Índico. No século XX, transformou-se em uma cidade cosmopolita, com bairros coloniais bem planejados, infraestrutura moderna (portos, bancos, indústrias leves, rede elétrica) e segregação racial marcada. Serviu como capital da colônia e sede da administração central portuguesa.[45]

A cidade daBeira surgiu como base da Companhia de Moçambique no final do século XIX. Graças ao porto natural e às ligações ferroviárias com aRodésia (atualZimbábue), tornou-se um dos principais centros de exportação da colônia, especializado no escoamento de minérios e produtos agrícolas do interior. Beira caracterizava-se por sua forte presença comercial, maior diversidade populacional (europeus,indianos, africanos urbanos) e por desempenhar papel complementar a Lourenço Marques como cidade portuária e centro logístico.[46]
Durante os séculos XVI a XVIII, aIlha de Moçambique foi a capital administrativa e militar da colônia. Seu porto servia de escala fundamental para as rotas do Índico, abrigando fortalezas, igrejas e armazéns. Entretanto, a partir do século XIX, a ilha entrou em declínio com a ascensão de Lourenço Marques e Beira, perdendo importância política, embora permanecesse um centro histórico e cultural de grande relevância. Hoje, é reconhecida comoPatrimônio Mundial da UNESCO devido à sua arquitetura colonial e suaíli.[47]
Fundada apenas no século XX,Nampula tornou-se o principal centro urbano do norte de Moçambique. Ligada ao porto de Nacala pela ferrovia, consolidou-se como polo administrativo e militar da região norte, atraindo colonos portugueses e migrantes africanos.
Outros centros urbanos:
Desde pelo menos o século XIV a costa oriental africana estava integrada a uma ampla economia do Índico dominada por mercadores suaíli/árabes: portos como Sofala, Quelimane, Kilwa e Quelimane funcionavam como entrepostos de marfim, ouro do planalto interior (Monomotapa), escravos e produtos tropicais. Essas cidades costeiras articulavam comércio marítimo com o Iêmen, Omã, a Pérsia, a Índia e além, trocando marfim e metais por tecidos, porcelanas e especiarias.[48] As caravanas do interior entregavam ouro e marfim em pontos de transbordo (Sofala, Sena), de onde eram embarcados para o Oceano Índico. A economia interior era mista: agricultura de subsistência, mineração artesanal de ouro e rede de troca local. Os poderes locais (chefes, reinos como Monomotapa) cobravam tributos sobre caravanas, controlando assim fluxo de riqueza para o litoral.[49]

Com a chegada de Vasco da Gama em 1498 e a consolidação das feitorias portuguesas (Ilha de Moçambique, Sofala, Inhambane, Quelimane), houve deslocamento do eixo comercial costeiro: Os portugueses se apossaram progressivamente de fatias do comércio suaíli, impondo monopólios portuários e obrigando parte das rotas a passar por entrepostos controlados por capitães e feitorias portuguesas. Isso reduziu a autonomia de alguns centros suaílis e reorientou parte do comércio em favor de portos sob influência luso-portuguesa.[50] No interior, as expectativas sobre jazidas auríferas do Monomotapa motivaram expedições, postos comerciais (Sena, Tete) e alianças com chefes locais; contudo, as riquezas auríferas se provaram mais moderadas do que o imaginado, e o ouro perdeu centralidade enquanto marfim e escravizados ganhavam peso. Economicamente, essa fase marcou uma transição: do comércio suaíli-arabizado para uma ordem comercial parcialmente monopolizada pelos portugueses, que controlavam o embarque e as tarifas, mas não o interior em profundidade.[51]

Nos séculos seguintes a presença portuguesa consolidou-se de forma fragmentada: as elites locais luso-africanas (os prazeiros) controlavam prazos no vale do Zambeze e atuavam como intermediários. A economia colonial desta fase tinha traços claros: Economia extractiva e de trânsito: marfim e escravos eram os produtos de maior valor para exportação; a agricultura comercial ainda era incipiente em larga escala.[52] Mercado de trabalho forçado: capturas e redes de coerção local alimentavam o comércio de escravos; mais tarde, a mesma mentalidade coercitiva evoluiu para formas de trabalho obrigatório no interior (antecessores do chibalo). A circulação de bens dependia de portos costeiros e do Zambeze como corredor; a falta de infraestrutura e de administração central forte limitava a industrialização ou diversificação económica.[53]
A partir do século XIX ocorreram transformações decisivas: pressões externas (britânicos e franceses), conferência de Berlim, e campanhas de ocupação efetiva levaram Portugal a reforçar o controle e a recorrer a concessões de companhias privadas (Companhia de Moçambique, Companhia do Niassa). Os efeitos econômicos foram: Concessões e exploração privada: As companhias receberam poderes para arrecadar tributos, explorar recursos e organizar trabalho. Elas implantaram plantações de exportação e exploraram recursos florestais e minerais, frequentemente com regimes severos de trabalho compulsório.[54] Desenvolvimento de infraestrutura: Construção de ferrovias (Beira–Umtali; Lourenço Marques–Pretória; Nacala) que integraram o interior com portos e com economias vizinhas (Transvaal, Rodésia). Essas linhas converteram Moçambique em corredor exportador para países sem costa.[55] Modernização seletiva: Crescimento de plantações comerciais (algodão, açúcar, cana em certas zonas); exploração mais sistemática de carvão em Tete e pesquisas minerais que só se tornariam económicas de modo efetivo mais tarde. Ainda assim, essa modernização era regionalizada e orientada à exportação — pouco beneficiava as populações indígenas em termos de renda per capita.[56] Economicamente, o século XIX transformou a colónia num espelho das necessidades regionais: infraestrutura pensada para exportação (ferrovias para portos), e empresas privadas sendo os principais atores económicos.

No limiar do século XX a administração metropolitana começa a assumir funções que as companhias não conseguiram cumprir integralmente: Fim progressivo das companhias e maior administração direta (décadas 1910–1930). Institucionalização do trabalho forçado e do imposto do trabalho: sistemas legais e administrativos (leis, regulamentos) que obrigavam indígenas a prestar trabalho ou pagar impostos que só podiam ser pagos com trabalho assalariado.[57] Expansão urbana e serviços: porto, bancos e serviços administrativos estruturam centros urbanos que atraem migrantes; surgem pequenas indústrias de processamento agrícola e serviços portuários. O padrão econômico seguia consolidado: exportações de matérias-primas e matérias agrícolas, com pouca industrialização local; mão de obra indígena fortemente controlada por mecanismos legais e coercitivos.[58]
Sob oEstado Novo, a retórica oficial tratou Moçambique como província ultramarina a ser desenvolvida — mas a prática política manteve características: Investimento em infraestrutura: estradas, portos e algumas obras públicas que visavam melhorar o escoamento de exportações; investimentos concentrados em zonas de interesse económico.[59] Promoção da colonização agrícola: incentivos a colonos portugueses para plantarem cana, algodão e outras culturas de exportação; criação de empresas estatais ou semi-estatais para gerir plantations em certas zonas.[60] Persistência do trabalho coercitivo (chibalo) e de políticas que limitaram a mobilidade dos trabalhadores africanos, enquanto se desenvolvia uma classe média urbana mestiça e de assimilados. Economicamente, o período caracteriza-se por modernização seletiva: melhor infraestrutura e serviços urbanos, porém continuada desigualdade e exploração no campo.[61]
No período entre as décadas de 1950 e 1970, a economia da África Oriental Portuguesa entrou em uma fase de expansão e modernização, resultado direto da política do Estado Novo português de transformar o território em um polo de integração econômica regional. A partir de 1950, Lisboa incentivou a entrada de investimento estrangeiro direto, sobretudo britânico e sul-africano, no setor agrícola e industrial.[62]
A agricultura comercial continuava sendo a principal base da economia colonial, mas sofreu transformações profundas. O açúcar tornou-se uma das exportações mais relevantes, sustentado por grandes plantações concentradas no vale do Incomáti e no baixo Zambeze, muitas delas com capital britânico. Os investimentos estrangeiros garantiram a modernização das usinas, aumentando a capacidade de refino e exportação.[63] Além do açúcar, outros produtos coloniais ganharam peso: caju, sisal, chá e madeiras tropicais, que alimentavam a indústria leve da metrópole e eram exportados principalmente para a Europa Ocidental e a África do Sul. O algodão, cultivado em larga escala sob regimes de trabalho forçado ou semi-forçado, tornou-se um dos pilares da balança comercial até o final dos anos 1960.[64]
A partir da década de 1960, o território recebeu também investimentos em infraestrutura industrial e energética. Destaca-se a construção da refinaria de petróleo da Matola (próxima a Lourenço Marques), inaugurada em 1964, que passou a abastecer não só Moçambique, mas também países vizinhos sem saída para o mar, como Rodésia eMalawi. Nesse mesmo período, Lourenço Marques consolidou-se como centro financeiro regional, abrigando filiais de bancos portugueses, britânicos e sul-africanos, como o Banco Nacional Ultramarino e o Barclays Bank, que financiaram empreendimentos coloniais e operações de comércio internacional.[65] O esforço de desenvolvimento foi acompanhado pela construção de grandes obras de infraestrutura, como aBarragem Cahora Bassa (iniciada em 1969, concluída em 1974), destinada a fornecer energia hidroelétrica de larga escala tanto para Moçambique quanto para exportação à África do Sul e Rodésia. O projeto, financiado por consórcios europeus, é considerado um dos maiores empreendimentos coloniais de Portugal no século XX.[66]
Assim, entre 1950 e 1970, Moçambique conheceu um ciclo de crescimento econômico relativamente elevado, baseado na conjugação entre investimentos externos, modernização agrícola, exploração da mão de obra africana e industrialização. Contudo, esse desenvolvimento foi altamente desigual, concentrado nas regiões do sul e em mãos coloniais e estrangeiras, acentuando as tensões sociais e raciais que culminariam na Guerra de Independência.[67]
A educação em Moçambique colonial refletia a lógica dual e racializada da sociedade imposta pelo Estado português. O acesso à instrução era fortemente diferenciado entre europeus, assimilados e população indígena. A educação formal iniciou-se principalmente através de missões católicas e protestantes, voltadas tanto para a evangelização quanto para a formação de uma elite local que pudesse atuar como intermediária no comércio e administração colonial. Missões jesuítas e, mais tarde, padres franciscanos e capuchinhos, fundaram escolas nas cidades costeiras como Ilha de Moçambique, Sofala e Lourenço Marques. O ensino era básico e focava leitura, escrita, catequese e aritmética elementar, geralmente destinado a filhos de africanos convertidos ao catolicismo.[68] A educação protestante, promovida por missionários britânicos e suíços, concentrava-se no norte da colônia, particularmente em áreas de forte presença Yao e Makua, formando professores e auxiliares administrativos locais.[69]

Com a adoção do Estatuto do Indigenato em 1929, a educação passou a refletir oficialmente a divisão entre civilizados e indígenas. Escolas para assimilados e filhos de colonos eram estruturadas em níveis equivalentes aos de Portugal, preparando-os para funções administrativas, comércio e profissões liberais. Escolas indígenas ofereciam apenas instrução básica, muitas vezes com currículo voltado à obediência, agricultura e trabalho manual, reforçando a hierarquia social e econômica. Essa política gerou desigualdade de acesso e qualidade, limitando a mobilidade social dos africanos considerados “indígenas”.[70]
A partir da década de 1950, o Estado português iniciou um programa mais amplo de educação, impulsionado pelo crescimento urbano e pelo investimento colonial em infraestrutura econômica. Foram criadas escolas secundárias e técnicas, principalmente em Lourenço Marques, Beira, Nampula e outros centros urbanos, voltadas a assimilados e filhos de colonos. A educação primária para indígenas se expandiu, mas permanecia muito inferior em relação à recursos, sendo frequentemente conduzida por missões ou com assistência limitada do governo. Instituições de ensino superior começaram a surgir, com cursos técnicos e de formação de professores; a Universidade de Lourenço Marques (atual Universidade Eduardo Mondlane) foi fundada em 1962, inicialmente como centro de formação profissional e acadêmica para colonos e assimilados.[71]
A independência de Moçambique foi resultado direto do longo processo de resistência anticolonial e da conjuntura internacional que marcou as décadas de 1960 e 1970.
Em 1962, três movimentos nacionalistas — a União Democrática Nacional de Moçambique (UDENAMO), a União Nacional Africana de Moçambique Independente (UNAMI) e a MANU (Mozambique African National Union) — uniram-se na criação da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), sob a liderança deEduardo Mondlane. A organização tinha apoio da Tanzânia, onde estabeleceu sua base emDar es Salaam, além de conexões com países dobloco socialista e redespan-africanistas.[72]
A partir de 1964, a FRELIMO iniciou a guerra de guerrilha contras as forças coloniais portuguesas, inicialmente no norte de Moçambique, próximo à fronteira com a Tanzânia, expandindo gradualmente as operações para o centro do território. As primeiras ações ocorreram em Cabo Delgado e Niassa, onde a geografia montanhosa e o apoio da população rural favoreceram os guerrilheiros. Mondlane buscava equilibrar o apoio de diferentes blocos ideológicos, mas sua morte em 1969 — vítima de uma carta-bomba em Dar es Salaam — provocou uma crise interna. A liderança passou paraSamora Machel eMarcelino dos Santos, que reorganizaram o movimento, reforçaram a disciplina militar e consolidaram o controle político sobre zonas libertadas.[73]
A guerra em Moçambique integrou o contexto mais amplo daGuerra do Ultramar (1961-1975) que Portugal enfrentava simultaneamente emAngola e naGuiné-Bissau. O regime do Estado Novo lançou vastos recursos militares para tentar conter a insurgência, ampliando o contingente das Forças Armadas em Moçambique para cerca de 60 mil homens no início dos anos 1970. Foram construídas estradas, bases militares e programas de "aldeamentos", que visavam isolar a guerrilha ao realocar populações rurais — medida que frequentemente resultava em precarização das condições de vida. Apesar de nunca ter conquistado centros urbanos estratégicos, a FRELIMO conseguiu estabelecer zonas libertadas no norte e centro do país. Nessas áreas, criaram-se estruturas de administração paralela: escolas, hospitais rudimentares e sistemas de produção agrícola comunitária. Essa experiência deu à FRELIMO não só legitimidade militar, mas também capital político e social, apresentando-se como uma alternativa concreta ao domínio português. Portugal contou com o apoio logístico e diplomático da África do Sul e Rodésia, regimes vizinhos hostis ao nacionalismo africano. A FRELIMO, por sua vez, recebia apoio crescente daUnião Soviética,China,Cuba e de países domovimento não-alinhado. A guerra tornou-se um ponto de disputa daGuerra Fria no sul da África.[74]
A virada decisiva não ocorreu em Moçambique, mas em Portugal. A prolongada e custosa Guerra do Ultramar, somada ao isolamento internacional do regime, levou a uma crise política profunda. Em 25 de abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas derrubou a ditadura do Estado Novo, na chamadaRevolução dos Cravos. O novo governo em Lisboa reconheceu rapidamente a necessidade de descolonização. Em setembro de 1974, o governo português e a FRELIMO assinaram osAcordos de Lusaca, nos quais Portugal reconhecia a FRELIMO como único representante legítimo do povo moçambicano. O acordo previa a formação de um governo de transição, liderado pela FRELIMO, que assumiu progressivamente as estruturas do Estado. Em 25 de junho de 1975, data escolhida em homenagem ao assassinato de Mondlane (em fevereiro de 1969) e à fundação da FRELIMO, foi proclamada a República Popular de Moçambique, com Samora Machel como primeiro presidente.[75]
A independência marcou o fim de quase cinco séculos de presença colonial portuguesa. No entanto, a transição trouxe desafios profundos: