Oproblema difícil (ou "duro") da consciência (hard problem of counsciousness) é o de explicarcomo eporque é que ossujeitos têmqualia,consciência fenomenal ouexperiências subjetivas[1] (sendo que todas as alternativas expressam o mesmoconceito).
“Não ajuda tentar imaginar que alguém tenha membranas sob os braços que o habilite a voar ao entardecer e ao alvorecer pegando insetos com a boca, que tenha a visão muito precária e perceba o mundo à sua volta por um sistema de sinais de som em alta frequência refletidos, e que passe o dia pendurado de cabeça para baixo com os pés no teto de um sótão. Até onde eu consiga imaginar isso (e não chego muito longe), isso apenas me diz como seria para mim comportar-me como um morcego se comporta. Mas não é essa a questão. Eu quero saber como é, para ummorcego, ser um morcego.”
— Thomas Nagel,Como é ser um morcego? (1974)
Asqualia são as qualidades subjetivas dos estados mentais conscientes (p.e, a amarelidão dacor amarela, asensação térmica de frio, a agudeza dosom agudo, a amargura dosabor amargo, a sensação daperceção da profundidade)
A consciência fenomenal é oser algo assim como um sujeito[2], segundoNagel. Todo e qualquer sistema é fenomenalmente consciente se, e só se, existe algo que é como sê-lo. Todo e qualquerestado mental é fenomenalmente consciente se, e só se, existe algo que é como experiencia-lo.
As experiências subjetivas, segundoChalmers, podem ser:imagens mentais (p.e, as imagens visuais relembradas), ofluxo de consciência (p.e, areflexão e adecisão), experiências corporais (p.e, ador e oorgasmo), emocionais (p.e, aalegria e araiva), visuais (p.e, acor e aprofundidade) ou outras sensoriais (p.e, osom e osabor), entre outras.
Estas experiências subjetivas são, segundo o filósofo, dados para análise pelaciência da consciência. Assim, discutivelmente, se as ignoramos, então ignoramos os dados.[3]
Numa manhã de primavera de 1994, em Tucson, Arizona, o jovem filósofo australiano David Chalmers participava num congresso dedicado à neurociência da consciência. As duas palestras que precederam a de Chalmers foram ininteligíveis e aborrecidas. Nas palavras de Stuart A. Hameroff, responsável pelo evento, os oradores 《não faziam ideia do que estavam a dizer. Olhei à minha volta e as pessoas estavam a dormir ou impacientes. Depois chegou a terceira palestra, de Chalmers, um jovem de 27 anos, com uma cabeleira e o aspeto de alguém que se perdera na estrada a caminho de um concerto dos Metallica.》.
O cérebro, começou Chalmers, coloca todo o tipo de problemas à ciência. Como aprendemos, guardamos memórias e percebemos as coisas? Como é que sabemos retirar as mãos da água quente e ouvimos o nosso nome no meio de uma sala barulhenta? Em última análise, estes são problemas fáceis: com dinheiro e tempo suficiente, os cientistas conseguiriam resolvê-los. Havia apenas um problema realmente difícil, que era o problema da consciência. Porque razão os animais com cérebros complexos são dotados de consciência? Porque razão não são apenasrobots, capazes de armazenar informação, responder a ruídos e cheiros, mas sem vida interior? Um simples díodo deteta a luz sem ter consciência de o fazer, enquanto nos seres humanos essa distinção implica necessariamente consciência. De que modo um tecido cinzento-rosado, húmido e com cerca de 1400 gramas, encerrado no crânio, dá origem a algo tão misterioso como a experiência de ser alguém e habitar um corpo?
Chalmers dividiu a questão da consciência em dois problemas de dificuldade contrastante, um acessível ou "suave" (soft, no original) e outro difícil ou "duro" (hard). O primeiro consistia em explicar de que forma o cérebro calcula e armazena a informação, o segundo de que forma a consciência emerge de fenómenos desenvolvidos no cérebro. O problema difícil não é outro senão deslindar a natureza da consciência, que não parece poder identificar-se com algo físico, porque é, por definição, privada e, como tal, inabordável do ponto de vista científico. Chalmers escreveria: 《O problema realmente difícil da consciência é o problema daexperiência. Quando pensamos e percebemos, há processamento da informação, mas há também um aspeto subjetivo.》 E prossegue citando o texto seminal de Nagel cujo excerto se apresenta em cima: 《Como [Nagel] salientou em 1974, existe algo que é oser algo assim como organismo consciente.》.
É importante perceber que não se contesta que a consciência é condicionada por factos físicos subjacentes. Simplesmente, questiona-se que uma descrição baseada em factos físicos e, por conseguinte, objetivos e universais, capte todos os aspetos da consciência. Nestas circunstâncias, a ciência não pode aplicar o método.
Outra forma de ver em que consiste o problema é através de uma experiência mental, nomeadamente um caso hipotético sem qualquer ligação à realidade. Imaginemos um cientista do futuro, especialista em física da cor, que sempre viveu numa sala a preto e branco. Embora este cientista, chamemos-lhe Maria, tenha uma visão normal das cores, o seu confinamento impediu-a de experimentar qualquer sensação de cor. Na sua sala a preto e branco, Maria estudou a ciência da cor através de manuais, da televisão e de outros meios a preto e branco.
Nestas condições, aprendeu a teoria da cor, a física da cor e a biologia do sistema visual do cérebro. Mas nunca viu uma cor na sua vida. Suponhamos que Maria sai um dia da sua sala e alguém lhe oferece um tomate maduro. O que imaginamos que vai acontecer? A maioria das pessoas intui que Maria vai aprender algo com essa experiência visual e exclamará algo do género: "Ah, agora já sei o que é a cor vermelha!". Enquanto estava na sala, Maria conhecia todos os factos físicos sobre a cor, incluindo o vermelho. Quando sai da sala, conhece algo sobre a cor vermelha que antes não sabia: em que consiste ver a cor vermelha. Por conseguinte, há pelo menos um aspeto da cor que não está incluído na lista de factos físicos sobre a cor, uma vez que Maria conhecia-os a todos. A experiência subjetiva da cor, o seuquale, não pode ser objeto de descrição segundo os termos da física.

Assim se formulou o problema difícil:
O filósofoDavid Chalmers[5], que nomeou o problema, contrasta-o com os problemas fáceis (easy problems of counsciousness), que incidem sobre as funções comportamentais ou cognitivas, tais como a discriminação percetiva[6], a integração da informação[7], o controlo comportamental[8] e a reportabilidade verbal[9]. Estes são fáceis, pois têm uma explicação funcional. Basta encontrar o mecanismo neuronal ou computacional que executa a função relevante, isto é, propor explicações, complexas ou mesmo desconhecidas, inteiramente consistentes com a conceçãomaterialista moderna dos fenómenos naturais.
Segundo ele, o problema da experiência subjetiva «persistirá, mesmo quando o desempenho de todas as funções relevantes for explicado».[10] Para o problema difícil, explicar funções comportamentais deixa em aberto as seguintes questões:
Parece haver umalacuna explanatória entre os processos físicos e a experiência subjetiva.

Oproblema mente-corpo é o de explicarcomo é que amente e ocorpo se relacionam. Este é mais geral do que o problema difícil da consciência, pois procura explicar a relação mente-corpo no geral, implicando, assim, qualquer quadro teórico que aborde o tópico. Assim, não deve ser visto como um problema único, mas como uma problemática relacionada com visões da mente distintas.
Se omonismo é verdadeiro, então é o de explicar como a experiência consciente não pode ser outra coisa senão a atividade cerebral (ou seja, é o problema difícil da consciência).
Se odualismo é verdadeiro, então é o de explicar como os fenómenos mentais não-físicos se relacionam ou interagem com os fenómenos físicos, tais como os processos cerebrais (isto é, é o problema da interação).
Contudo, não obstante como a conceituemos, amente parece estar envolta em mistério. Alguns conceitos relacionados, como "intencionalidade" e "qualia", dificultam a sua definição.
A problemática possui um histórico repleto de tentativas de a solucionar. Com efeito, emboraDescartes tenha identificado o problema mente-corpo com o significado popularizado noOcidente, a questão já vinha sendo abordada por filósofos anteriores aAristóteles e na filosofia doavicenismo (da qual surgiu o paradoxo do homem suspenso no espaço de Avicena).
A existência do problema difícil é controversa, sendo disputada por alguns filósofos, comoDaniel Dennett[11]. Segundo estes, a solução está no papel dos processos físicos no surgimento da consciência, que os faria gerar as qualidades subjetivas de experiência.[12]
Devem-se responder a algumas questões pendentes para se obter um entendimento completo da consciência. Uma delas seria: Será que ela pode ser totalmente descrita em termos físicos (através de, nomeadamente, a agregação de processos neurais no cérebro)? Caso não possa, então requer uma explicação de conceitos não físicos. Segundo os que defendem que ela é não-física, resta sabero que, para além da teoria física, é preciso para explicá-la.
Dentre as abordagens existentes, destacam-se dois tipos:
- a dairredutibilidade da consciência (nomeadamente, odualismo, opampsiquismo e oidealismo);
- a daredutibilidade da consciência (nomeadamente, ofuncionalismo, omaterialismo biológico e omaterialismo quântico).
Chalmers acredita que o alargamento do conhecimento dos problemas fáceis, estudados porcientistas e investigados deAI, poderiamiluminar o problema difícil.
Tais problemas fáceis basear-se-iam nos seguintes tipos de relatos:
Relatos fenomenológicos
A capacidade de fazerrelatos fenomenológicos, ou seja, relatos verbais de experiências conscientes, é uma função comportamental que está muito relacionada com o problema difícil. Designadamente, relatos como: «Estou consciente.», «Agora, sinto dor.», entre outros.
Na verdade, explicá-los, seria, em princípio, explicar um problema fácil.
Relatos do problema
Os relatos que expressam a sensação de que a consciência levanta um problema difícil são recorrentes. Designadamente, relatos como: «Há um problema difícil da consciência.», «Explicar o comportamento não é explicar a consciência.», «A consciência parece não-física.», entre outros.
Tudo o que tu fazes, eu posso fazermeta
— Rudolp Carnap
O meta-problema da consciência é o problema de explicar os relatos do problema difícil. Por outras palavras, é responder à pergunta: Porque é que se pensa que existe um "problema difícil"?
Em princípio, este é sobre o comportamento, ou seja, é um problema fácil e, por isso, terá uma explicação funcional normal. Contudo, embora seja um problema fácil e sejaneutro em relação ao problema difícil (topic-neutral[13]), relaciona-se estritamente com ele. Com efeito, parece maistratável e resolvê-lo poderáiluminar o problema difícil.
O meta-problema da consciência pode-se enquadrar num projeto deanálise genealógica, que consiste em clarificar um tópico analisando a origem dos julgamentos sobre ele. Exemplificando,Nietzsche fê-lo para a religião e a moral[14]. Tal pode contribuir para pôr as crenças sobre o tópico em perspetiva.
As intuições do problemas são as disposições para fazer julgamentos e relatos sobre o problema.Chalmers afirma que existem quatro intuições nucleares: a metafísica (a consciência é não-física), a explicativa (a consciência é difícil de explicar), a epistemológica (asqualia noargumento do conhecimento) e a modal (p-zombies são concebíveis).
As outras intuições incluem: a da distribuição (robots e grupos não são conscientes), a do valor moral (a consciência tem valor moral), a doSelf (a persistência doSelf no tempo[15]) e a da qualidade (qualidades especiais estão presentes).
O programa de pesquisa do meta-problema é interdisciplinar. É trabalho relevante: os estudos das intuições das pessoas sobre a consciência por parte dafilosofia experimental e dapsicologia, os modelos computacionais e neurobiológicos das intuições e dos relatos, e as análises filosóficas.
O trabalho empírico corrente nas intuições concerne, especialmente: a crença (e a falsa crença), oSelf (e a sua persistência no tempo), e a distribuição da consciência (emrobots, por exemplo).[16]
A existência do "problema difícil" é alvo de debate.
Segundo o ilusionismo, o "problema difícil da consciência" é uma ilusão. Explicando a ilusão, dissolve-se o problema, isto é, explicando o meta-problema, dissolve-se o "problema difícil". Ao longo da história muitos conceitos expressaram a mesma ideia, tais como: a "ilusão transcendental" deKant, a "falácia fenomenológica" de Place, a "ilusão da mulher sem cabeça" de Armstrong, a "ilusão do usuário" deDennett e o "ilusionismo como uma teoria da consciência" de Frankish.
Segundo o realismo, o "problema difícil da consciência" é real e não uma ilusão. Contudo, resolver o meta-problema não dissolve o "problema difícil".
Há diversas ideias promissoras que buscam solucionar o meta-problema:
A ideia dos modelos introspetivos é proposta pelo psicólogo e neurocientista Michael Graziano com a suaAttention Schema Theory (AST), no artigoA Conceptual Framework for Consciousness[17][18].

Graziano começa por estabelecer dois princípios gerais:
A aplicação dos princípios leva a um entendimento da consciência.
Por (4), conclui-se que existe um problema difícil da consciência. Por (4) e (1), o problema parece intratável, mas tal acontece porque se ignora (2) e (3).
Com efeito, todo e qualquer modelo introspetivo é impreciso, porque implica pormenores que são falsos sobre o objeto.
Contudo, todo e qualquer modelo ou objeto é real.
Portanto, como a introspeção não é confiável, a função da ciência não seria a de explicar o que a introspeção nosdiz (pelo menos, acriticamente), mas investigar porque nos diz o que diz.
Este Assim, o modelo introspetivo seria impreciso, porque implicaria detalhes que não são verdadeiros sobre o objeto. Porém, tanto o modelo quanto o objeto são reais.
A teoria de Graziano, a AST, possui uma dualidade:
O modelo da atenção é responsável pelo problema difícil da consciência.
Resta saber como é que o cérebro cria modelos dos objetos e como se organizam para criar a consciência.
A ideia dos conceitos fenomenais está presente naphenomenal concept strategy (PCS). Osfisicalistas, os seus defensores, procuram contrariar os argumentos anti-fisicalistas, como o dalacuna explanatória e o dozombie filosófico.
Segundo os fisicalistas proponentes desta estratégia (que chamaremos dephenomenal concepts strategy, seguindo Stoljar, 2005, e Chalmers, 2006), possuímos um conjunto especial de conceitos para nos referirmos às nossas próprias experiências. O que se diz ser distintivo de tais conceitos é que eles sãoconceitualmente isolados de quaisquer outros conceitos que possuímos, carecendo de quaisquer conexõesa priori com conceitos não-fenomenais de qualquer tipo (e em particular, carecendo de tais conexões com quaisquer conceitos físicos, funcionais ou intencionais). Dado que os conceitos fenomenais são isolados, argumentam os fisicalistas, então não será nem um pouco surpreendente que possamos conceberzombies e invertidos ou que deva haver lacunas explanatórias. Isso ocorre porque, não importando quanta informação seja dada em termos físicos, funcionais ou intencionais, sempre nos será possível pensar de forma inteligível: 'Ainda assim, tudo isso pode ser verdade, e ainda assimesta [sensação fenomenal] pode ser ausente ou diferente'. Não há necessidade, então, de saltar para a conclusão antifisicalista. Todos os argumentos mencionados acima são perfeitamente compatíveis com as explicações fisicalistas dos sentimentos fenomenais.
— Peter Carruthers e Bénédicte Veillet,The Phenomenal Concepts Theory,https://faculty.philosophy.umd.edu/pcarruthers/Phenomenal%20Concepts%20(Chalmers).pdf
Segundo a PCS, o mundo conceptual édualista e o mundo real émonista. Com efeito, os conceitos fenomenais são diferentes dos conceitos físicos, aparentando existir umalacuna epistemológica. Designadamente, "calor" e "agitação térmica molecular", "cor" " e "radiação eletromagnética na zona do visível", "estímulo sonoro" e "onda mecânica acústica" (ou som, apenas), são duplas de conceitos diferentes que se referem à mesma propriedade real[19].
Com a PCS, os fisicalistas objetam oargumento do conhecimento. Nele, Mary, ao ver o vermelho, teria pensamentos novos com conceitos fenomenais e estes apenas reexpressariam factos físicos conhecidos. De igual modo, podemos conceberzombies, mesmo que não sejam possíveis, se pensamos em conceitos funcionais ou físicos, não pensando em conceitos fenomenais.[20]
Aliás, David Papineau cunhou o termoantipathetic fallacy, o facto de não atribuírmos a consciência ao cérebro. É oposta àfalácia patética, o facto de atribuírmos uma consciência a seres não-humanos.[21]
Com o intuito de estudar o mundo conceptual fenomenológico,Chalmers enumerou diversos tipos de conceitos fenomenais que se podem distinguir:
Conceitos de reconhecimento (recognitional concepts)
Estes conceitos sãodemonstrativos, uma vez que indicam "umdaqueles". Por exemplo[22]:
Suppose you go into the California desert and spot a succulent never seen before. You become adept at recognizing instances, and gain a recognitional command of their kind, without a name for it; you are disposed to identify positive and negative instances and thereby pick out a kind. These dispositions are typically linked with capacities to form images, whose conceptual role seems to be to focus thoughts about an identifiable kind in the absence of currently perceived instances.
A propósito deles, Peter Carruthers sugere que os conceitos fenomenais sãopuramente de reconhecimento[23], o que significa que:
Conceitos indexicais (indexical concepts)
Os conceitos fenomenais indicam estados cerebrais de formaindexada. Nomeadamente,agora indicaum momento específico.
Quer isto dizer que, mesmo com pleno conhecimento deFísica, a existência de informações indexadas é uma condição necessária para dizerquando (no tempo) eonde (no espaço) se está.[24]
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