A poesia é a forma literária mais antiga, antecedendo a própria escrita. Suas origens remontam às sociedades orais daAntiguidade, onde os versos eram usados para transmitirmemórias, ensinamentos e valores culturais. Exemplos marcantes incluem aEpopeia de Gilgamesh naMesopotâmia e os poemashoméricos naGrécia, que narravam feitos heroicos e serviam como registros históricos emitológicos.[18]
Noséculo XIX, movimentos literários como oRomantismo e oRealismo trouxeram à poesia uma exploração maior dos sentimentos individuais, da natureza e dacrítica social. Poetas buscavam expressar emoções pessoais e reflexões sobre a sociedade, expandindo os limites formais e temáticos da tradição anterior.[23]
Noséculo XX, oModernismo e as vanguardas romperam com convenções clássicas, experimentando novas formas, linguagens e estruturas. Apoesia contemporânea continua essa trajetória de inovação, incorporando múltiplas vozes, técnicas e temas, do lírico ao performativo, e mantendo seu papel central na expressão artística e cultural.[24]
No século IV a.C.,Aristóteles classificou a atividade humana em três modalidades distintas: atheoria, voltada à busca do conhecimento verdadeiro; apráxis, relacionada à ação prática para a solução de problemas; e apoiesis, expressão do impulso humano de criar, guiado pela imaginação e pelos sentimentos.[25] Do ponto de vista de Aristóteles, a poesia é considerada uma das formas de manifestação da alma humana.[26]
Nesse sentido, a poesia seria a tendência humana para criar algo a partir da imaginação, relacionando-se diretamente ao processo demimese.[27] Com o passar do tempo, porém, o termo perdeu esse sentido e se concentrou especificamente em uma atividade de expressão artística feita a partir da língua. Atualmente, os estudiosos que trabalham esse conceito pensam na poesia ora como uma forma de linguagem ora como um gênero literário. Há ainda alguns, como o filósofoJean-Luc Nancy, que definem a poesia como uma forma de discurso em geral.[28]
Nos tempos modernos, osemiólogo elinguistaRoman Jakobson, um dos principais expoentes doformalismo russo, caracterizou a poesia como "a linguagem em sua função estética".[29] Segundo ele, esse processo se concretiza pelo emprego dafunção poética, que "consiste na projeção do eixo da seleção sobre o eixo da combinação dos elementos linguísticos",[30] ou seja, ocorre quando, em um texto, tantos os significantes (fonemas,morfemas epalavras) quantos os significados adquirem fundamental importância para a comunicação. De acordo comViktor Chklovsky, outro grande expoente doformalismo russo, a linguagem poética aumenta o esforço perceptivo, implica estranhamento e caracteriza aliterariedade, de maneira que a poesia seria, assim, o meio pelo qual se produzarte eliteratura a partir da língua.[31]
Há uma série de artifícios que podem ser empregados para poetizar a linguagem, comoritmo prosódico,rimas etropos. Segundo o poeta e crítico literárioEzra Pound, em seu livroABC da Literatura, esse processo de poetização — que, em suas palavras, tem o objetivo de "carregar a linguagem de significado até o máximo grau possível" — dispõe de três meios principais: amelopeia, que consiste na produção de "correlações emocionais por intermédio do som e do ritmo da fala"; afanopeia, que consiste na projeção de imagens na imaginação visual do leitor; e alogopeia, que consiste no estímulo de "associações (intelectuais ou emocionais)" a partir das "palavras ou grupos de palavras efetivamente empregados".[32][33]
Oritmo prosódico consiste, segundo Plínio A. Barbosa, na "conjugação da percepção de regularidade silábica e de alternância de sílabas fortes e fracas" e contribui para amelopeia. A regularidade silábica decorre doisossilabismo, popularmente conhecido comométrica, que se baseia na produção de versos ou frases com o mesmo número de sílabas prosódicas. Quando os enunciados não são isossilábicos, eles recebem o nome deverso livre.[34]
Já a alternância silábica, também chamada decadência ou apenas deritmo, decorre da divisão dos versos ou frases empés métricos, que são conjuntos binários ou ternários de sílabas dominados por uma sílaba forte. Caso os pés métricos sejam os mesmos ao longo do enunciado, o ritmo éregular, caso contrário, éirregular.
Por exemplo, o crítico literárioAntonio Candido observa que o poemaMeu sonho, deÁlvares de Azevedo, apresenta, em cada verso, trêsanapestos (pé métrico formado por duas sílabas fracas e uma forte), de maneira a simular o cavalgar de um cavalo, em referência ao tema do poema.[35]
O emprego de figuras de sonoridade ao longo do texto - particularmente aaliteração, aassonância e arima - contribui para amelopeia. "Os sons da língua", segundo Ana Maria Wendler e Márcia Zan Vieira, "podem provocar-nos uma sensação de agrado ou desagrado e ainda sugerir ideias, impressões".[36] Essas figuras, ainda, podem servir para estruturar o texto. Por exemplo, "as rimas", segundoEzra Pound, "podem ser usadas para distribuir os sons por zonas", como acontece no sonetoÚltimo credo, deAugusto dos Anjos, onde, segundo Renira Lisboa de Moura Lima, asrimas marcam o início e o fim de cada estrofe: nos quartetos, as rimas femininas orais indicam o começo e o término e abraçam as rimas masculinas nasais; e, nos tercetos, as rimas femininas nasais marcam o início e as rimas masculinas orais marcam o fim, em uma transformação que indica a transição do esquema de estrofes.[37]
Os tropos, segundoFiorin, sãofiguras de linguagem onde "um sentido literal de um termo é substituído por um sentido figurado", a exemplo dametáfora, dametonímia e dahipérbole, e contribuem para afanopeia. Por exemplo, no poemaTodas as vidas, deCora Coralina, Kênia Cristina Borges Dias observa que a autora emprega diversas metáforas para caracterizar cada vivência que teve, como ao afirmar que é "casca-grossa", comparando-se a uma árvore para indicar a firmeza de sua identidade.[38]
Figuras de linguagem que envolvem alterações na estrutura sintática dos enunciados também podem contribuir para afanopeia. Por exemplo,Fiorin observa que inversões sintáticas como anástrofes, hipérbatos e sínquises produzem "uma intensificação do sentido, pois um termo é alçado a uma posição de proeminência", como acontece noHino Nacional Brasileiro, onde "o sintagmapovo heroico ganha destaque em relação abrado retumbante" e "Ipiranga é realçado em relação amargens plácidas".[39]
Figuras de linguagem que envolvem o jogo de ideias podem contribuir para alogopeia. Por exemplo,Fiorin observa que, na cançãoQuereres, deCaetano Veloso, "explicita-se", por meio daantítese, "um brilhante jogo de oposições, de contradições, de contraposições, para mostrar as inadequações do amor real, onde nem tudo é métrica e rima, mas também dor".[40]