| Data | 240 - 270 |
|---|---|
| Localização | Império Romano |
| Também conhecido como | Praga de Cipriano |
| Resultado | Crise sócio-político e econômica |
| Anterior | Peste Antonina |
| Posterior | Praga de Justiniano |
APeste ouPraga de Cipriano é o nome atribuído a umapandemia, provavelmente devaríola ousarampo, que afligiu oImpério Romano por duas décadas durante aCrise do terceiro século. Sua origem é desconhecida, embora os autores clássicos tenham postulado que fosse aEtiópia. Seu nome deriva doBispoCipriano de Cartago que descreveu-a ca. 250. Ela afetou inúmeras cidades populosas do período comoAlexandria, noEgito, eRoma, naItália, ceifando milhares de vidas.
Segundo as fontes, no auge da pandemia alegadas 5 000 pessoas morriam por dia na capital imperial. Ela ainda estava no seu auge de 270, quando é relatado que oimperador romanoCláudio II(r. 268–270), à época estacionado com seuexército emSirmio, falecera de peste. Ela causou uma ampla escassez de mão de obra para aagricultura e o exército e pode ter influenciado, segundo consenso moderno, a expansão docristianismo dointerior do império.


Segundo estimado, os primeiros surtos da praga emergem no porção oriental do Império Romano já pelos últimos anos da década de 240, vindo a alcançar aItália em 248. Em 251, sabe-se que ela vitimouHostiliano(r. 251),coimperador deTreboniano Galo(r. 251–253) e filho deDécio(r. 249–251), que falecera lutando com osgodos deCniva nabatalha de Abrito.[1] De 250 para 266, no auge do surto, diz-se que 5 000 pessoas morriam por dia emRoma.[2]
Gregório de Níssa eEusébio de Cesareia deixaram importantes relatos do aparecimento súbito da peste e de sua terrível violência. Sabe-se por meio deste e doutros relatos que por 256 a doença teria alcançado uma cidade doPonto Polemoníaco após a reunião de grande quantidade de pessoas no teatro local, como punição pela temeridade dos espectadores em desafiaremJúpiter, em cuja honra a atuação era feita.[3] Em 259/260, oimperador romanoValeriano(r. 253–260), que à época estava no Oriente enfrentando invasões de godos e doImpério Sassânida sobSapor I(r. 240–270), sofreria pesadas baixas em decorrência da peste, o que lhe custaria uma esmagadora derrota nabatalha de Edessa.[4]
Cipriano traçou analogias morais em seus sermões para a comunidade cristã e traçou uma figura de linguagem dos sintomas da peste em seu ensaioSobre a Mortalidade (De Mortalitate):
| “ | Esta provação, que agora as entranhas, relaxadas em um fluxo constante, descarregam a força física; que um fogo originário na medula fermenta nas feridas dagarganta; que os intestinos estão agitados com contínuos vômitos; que os olhos estão em fogo com o sangue injetado; que em alguns casos os pés ou algumas partes dos membros são removidos pelo contágio da putrefação da doença; que da fraqueza surgida pela mutilação e perda do corpo, também a marcha é enfraquecida, ou a audição obstruída, ou a visão escurecida; — é proveitoso como uma prova de fé. Que grandeza de espírito é essa para lutar com todas as forças de uma mente inabalada contra tantos ataques de devastação e morte! Que sublimidade, para permanecer ereto entre a desolação da raça humana, e não mentir prostrado com aqueles que não tem fé em Deus; mas em vez de se alegrar, e abraçar o benefício da ocasião; que nesta [está] corajosamente manifestando nossa fé, e pelo sofrimento suportou, indo daqui pra frente com Cristo pelo caminho estreito que Cristo pisou, nós podemos receber a recompensa da vida Dele e fé segundo Seu julgamento.[5] | ” |

O biógrafo de Cipriano,Pôncio de Cartago, escreveu um relato sobre a peste emCartago:
| “ | Mais tarde lá eclodiu uma peste terrível, e destruição excessiva de uma doença odiosa invadiu em sucessão cada casa da população agitada, levando dia após dia com ataque abrupto a inúmeras pessoas, cada uma de sua própria casa. Todos estavam estremecendo, fugindo, esquivando-se do contágio, impiedosamente expondo seus próprios amigos, como se com a exclusão da pessoa que era certo que morreria da peste, também pudessem excluir a morte em si. Lá estava sobre o entrementes, sobre a cidade toda, não mais corpos, mas as carcaças de muitos, e, pela contemplação de muito que na vez deles seria deles, demandaram a piedade dos viajantes para si mesmos. Ninguém considerou nada além de seus próprios ganhos. Ninguém tremia na recordação de um evento similar. Ninguém fez para o outro o que desejou experimentar.[6] | ” |
Em Cartago, aperseguição de Décio, desencadeada no início da peste, procuroubodes expiatórios cristãos como justificativa do surto epidêmico. 50 anos depois, o norte africano convertido ao cristianismoArnóbio de Sica defendeu sua nova religião das alegações pagãs em seuAversão dos Povos (emlatim:Adversus Gentes):
| “ | Sendo assim, e desde que nenhuma influência estrangeira tenha subitamente se manifestado para quebrar o curso contínuo de eventos, interrompendo sua sucessão, o que é o fundamento da alegação, que a peste foi trazida sobre a terra após a religião cristã vir ao mundo, e após ela revelar os mistérios da verdade escondida? Mas pestilências, diz meu opositores, e secas, guerras, fomes, gafanhotos, camundongos e granizos, e outras coisas prejudiciais, pelo que a propriedade dos homens é assaltada, os deuses trazem sobre nós, incensados como são por suas injustiças e por suas transgressões.[7] | ” |
A peste ainda assolava o Império Romano pelos anos 270: no relato daguerra contra os godos travada porCláudio II(r. 268–270) fornecido pelaHistória Augusta afirma-se que "noconsulado deAntioquiano eÓrfito o favor do céu promoveu o sucesso de Cláudio. Para uma grande multidão, os sobreviventes das tribos bárbaras, que tinham se acumulado em Hemimonto, estavam tão abalados com a fome e pestilência que Cláudio agora desdenhou conquistá-los ainda mais".[8] E "durante essa mesma época, os citas tentaram saquearCreta eChipre também, mas em todo lugar seus exércitos eram abalados com pestilência e assim foram derrotados."[9] Apesar de tais sucessos, sabe-se que o próprio Cláudio II contraiu a doença e faleceu emSírmio em 270.[10]


A devastação severa da população europeia pela Peste de Cipriano e sua predecessoraPeste Antonina(166–180) pode indicar que a população não possuía exposição anterior - ou imunidade - para a causa.[11] Os autores latinos supuseram que ela originou-se naEtiópia e dali espalhou-se através doEgito em direção aEuropa e então por todo o mundo conhecido, do Egito aEscócia.[12] Em cidades comoAlexandria a mortalidade foi enorme e o espalhar da peste deveu-se principalmente às inúmeras ações militares nas províncias vizinhas e, portanto, ao grande trânsito de soldados e invasores. Tal situação foi semelhante na Europa, onde as tribos bárbaras repetidamente invadiram aGália e as províncias doDanúbio.[3]
Segundo o relato de Cipriano, os sintomas da doença eram olhos vermelhos e garganta inflamada, gangrena dos pés e diarreia e vômito contínuos aos quais se seguia perda da audição e cegueira. Segundo outras fontes sobreviventes, os enfermos ainda sentiam febre forte e sede insaciável. De acordo com Cedreno, a doença podia se espalhar indiretamente através das roupas de uma pessoa infectada. Para o estudioso Haeser, provavelmente a praga teria sido uma manifestação depeste bubônica. Ele baseou-se no fato de, segundo os autores clássicos, a doença possuir um ritmo epidêmico sazonal, com sucessivos surtos começando no outono e perdurando até o clima quente de julho. Contudo, devido à carência de relatos que citem bubos ou inchaço glandular como sintomas, tal teoria é considerada falha.[11][13]
Segundo o historiadorWilliam H. McNeill, a Peste Antonina e a Peste de Cipriano foram as primeiras transferências de hospedeiros animais para a humanidade de duas doenças diferentes,varíola esarampo, embora não necessariamente nesta ordem.[11] O consenso moderno, contudo, parece favorecer a teoria que ambos os surtos eram de varíola.[14] Esta última visão parece mais provável dado um estudo recente que estimou que ovírus do sarampo provavelmente divergiu de seu parente mais próximopeste bovina apenas nos séculos XI-XII. Apesar disso, com base em estudos linguísticos, supõe-se que o sarampo já era conhecido desde entre o período dasmigrações bárbaras e afragmentação imperial.[15]
A Peste de Cipriano propagou-se em meio à chamadaCrise do terceiro século, um período caracterizado porsucessivas usurpações, invasores e ataques às fronteiras imperiais pelastribos bárbaras e peloImpério Sassânida e um exponencialaumento da tributação para arcar com os altos custos da manutenção doexército imperial cada vez mais necessário. Nesse sentido, ela insere-se como um dos fatores importantes para se entender os inúmeros revezes da época.[11] Dentre as consequências imediatas da propagação da doença está a redução da população imperial. Como notado por Haeser:
| “ | [Os] homens lotavam as grandes cidades; apenas os campos mais próximos eram cultivados; os mais distantes ficaram cobertos [com plantas], e foram usados como reservas de caça; a propriedade fundiária tinha valor algum, pois a população tinha diminuído tanto quegrãos suficientes para alimentá-los poderiam ser cultivados em áreas cultiváveis limitadas.[16] | ” |
Pelo período registra-se um decréscimo do número de pagantes de impostos em alguns assentamentos egípcios[17] e naItália Central detectou-se o abandono de grandes territórios, o que propiciou o desenvolvimento depântanos e, consequentemente, o surgimento de pestilências, inclusive nas saudáveis áreas costeiras daEtrúria eLácio.[18] Além disso, o exército, em constante marcha pelo império, também seria afetado, com inúmeros casos relatados da propagação da pestilência entre os soldados.[19]
Outra questão a se considerar é ocristianismo. É postulado pelos estudiosos que a peste de Cipriano teria sido um dos principais fatores que levaram à amplaconversão dos romanos aos cristianismo durante oséculo III.[11] Durante este período, segundo o autor latino Barônio, originou-se o costume cristão de trajar preto como uma cor de luto. Tal uso fora registrado no reinado deAdriano(r. 117–138), quando o imperador trajou roupas pretas por nove dias após a morte dePlotina, a esposa deTrajano(r. 98–117).[20]