AsMuralhas de Constantinopla são uma série demuralhas depedra que rodeavam e protegiam a cidade deConstantinopla (atualIstambul naTurquia) desde sua fundação como capital doImpério Romano do Oriente porConstantino. Com diversas adições e modificações ao longo de sua história, constituíram o último grande sistema defortificação daAntiguidade, e um dos mais complexos e elaborados sistemas já construídos.
Construídas inicialmente por Constantino, as muralhas cercavam a nova cidade por todos os seus lados, protegendo-a contra ataques marítimos e terrestres. À medida que a cidade cresceu, a famosa linha dupla das Muralhas de Teodósio foi construída noséculo V. Embora outras seções das muralhas fossem menos elaboradas, quando bem equipadas (com armamento e soldados), eram quase inexpugnáveis para qualquer sitiante medieval, salvando assim a cidade e oImpério Bizantino, durante ataques feitos pelosávaros,árabes,Rus' ebúlgaros, entre outros (verQueda de Constantinopla). O advento dos canhões especializados em cercos, que utilizavampólvora, no entanto, tornou estas fortificações vulneráveis, e acabou levando àqueda de Constantinopla para osotomanos, em 29 de maio de 1453, após um longo cerco.
As muralhas se mantiveram intactas durante a maior parte do período otomano, até que certos trechos começaram a ser demolidos noséculo XIX, à medida que a cidade se expandiu para além de seus limites medievais. Apesar da falta de manutenção e conservação subsequente, diversas partes da muralha sobrevivem até os dias de hoje. Um programa de restauração em grande escala tem sido realizado desde a década de 1980, permitindo aos visitantes apreciar sua aparência original.
Quando Constantino(r. 306–337) transferiu a capital doImpério Romano para Bizâncio, que ele refundou com o nome deConstantinópolis ("Cidade de Constantino"), ele a expandiu consideravelmente, construindo um novo muro a cerca de 2,8quilômetros (15estádios) a oeste da muralha de Severo, incorporando mais terras ao território da cidade.[3] As fortificações de Constantino consistiam de um único muro, comtorres colocadas a distâncias regulares, que começou a ser construído em 324 e foi concluído no reinado de seu filho,Constâncio II(r. 337–361).[4][5] O percurso aproximado desta muralha não é conhecido; sabe-se que ela se iniciava noChifre de Ouro, próximo à atualPonte Atatürk, dirigindo-se a sudoeste, primeiro, e depois sul, passando a leste das grandescisternas abertas de Mócio e Áspar, terminando na costa daPropôntida, em algum lugar entre as portas marítimas (construídas posteriormente) de Santo Emiliano (Sanctus Aemilianus) e Psamato.[6]
Já por volta do início doséculo V, no entanto, Constantinopla havia se expandido para fora da Muralha de Constantino, na região conhecida como oExokionion.[7] A muralha sobreviveu por boa parte do período bizantino, embora tenha sido substituída pelas Muralhas de Teodósio como principais linhas de defesa da cidade. Uma passagem ambígua se refere ao dano intenso sofrido pela "muralha interna" da cidade após umterremoto em 25 de setembro de 478, provavelmente falando da muralha de Constantino, eTeófanes, o Confessor, relatou sobre novos danos provocados por outros terremotos em 557.[8] Apenas vestígios do muro sobreviveram até os tempos modernos, emboraAlexander van Millingen tenha afirmado que certas partes da muralha ainda estavam de pé na região deİsakapı até o início doséculo XVIII.[9]
Os nomes de diversas das portas da Muralha de Constantino são conhecidos, porém os estudiosos ainda discutem suas identidades e localizações exatas.
A antiga Porta Dourada (emlatim:Porta Aurea; emgrego:Χρυσεία Πύλη;romaniz.:Chryseia Pylē; emturco:Altınkapı ouYaldızlıkapı), também conhecida como Porta de Xerólofo (Xerolophos) ou Porta de Saturnino (Saturninus),[10] é mencionada naNotitia Urbis Constantinopolitanae, que também descreve a muralha em si na região como "decorada com ornamentos". A porta estaria situada em algum local nas encostas meridionais do Sétimo Monte.[11] Sua construção é atribuída a Constantino, porém não existe consenso sobre isto. Ela teria durado até oséculo XIV, quando o acadêmico bizantinoManuel Crisoloras o descreveu como sendo construído de "amplos blocos de mármore, com uma abertura imponente", e coroada por uma espécie destoa.[12] No período posterior bizantino, uma pintura daCrucifixão teria sido colocada na porta, o que lhe rendeu seu nomeotomano posterior,İsakapı ("Porta deJesus"). Foi destruído por um terremoto em 1509, porém sua localização aproximada é deduzida através da presença da Mesquita da Porta de Jesus (İsakapı Mescidi).[12][13]
A identidade e a localização da Porta de Átalo (Πόρτα Ἀτ[τ]άλου,Pórta At[t]álou) não são conhecidas. O acadêmicobritânicoCyril Mango a identifica com a antiga Porta Dourada;[12] van Millingen a coloca no Sétimo Monte, a uma altura que provavelmente corresponde a uma das portas construídas posteriormente na seção da Muralha de Teodósio daquela área;[11] e ofrancês Raymond Janin a imagina situada mais ao norte, próximo ao ponto onde o rio Lico passava sob a muralha.[10] Em séculos anteriores teria sido decorado com muitas estátuas, incluindo uma de Constantino, que caiu durante um terremoto em 740.[14]
A única porta cuja localização é conhecida com segurança, além da antiga Porta Dourada, é a Porta de Santo Emiliano (Πόρτα τοῦ ἀγίου Αἰμιλιανοῦ,Porta tou hagiou Aimilianou), conhecida emturco comoDavutpaşa Kapısı. Situa-se na junção dasmuralhas marítimas, e serviam como meio de comunicação com o litoral. De acordo com oCrônica Pascal, a Igreja de Santa Maria de Rabdos, onde o cajado deMoisés supostamente estava guardado, se situava ao lado do local.[10][15]
A Antiga Porta do Pródromo (Παλαιὰ Πόρτα τοῦ Προδρόμου,Palaia Porta tou Prodrómou), recebeu seu nome da Igreja de São João Batista (conhecido como Pródromo,Prodromos, "o Antecessor"), é outro caso pouco claro. Van Millingen a identifica com a antiga Porta Dourada,[16] enquanto Janin acredita que ela estaria localizada na encosta norte do Sétimo Monte.[10]
A última porta conhecida é a Porta de Melância (Πόρτα Μελαντιάδος,Porta Melantiádos), cuja localização também é motivo de debate. Van Millingen a considera uma porta da Muralha de Teodósio (aPorta dePege),[17] enquanto, mais recentemente, Janin e Mango refutaram isto, sugerindo que ela se localizaria na Muiralha de Constantino. Mango, no entanto, a identificou com a Porta do Pródromo,[18] e Janin considera que o nome seria uma corruptela do bairro deta Meltiadou, e a situou a oeste da cisterna de Mócio (Mocius).[19]
Seção restaurada das Muralhas Teodosianas, na Porta de Selímbria. A Muralha Externa e o muro atrás do fosso podem ser vistas, juntamente com uma torre da Muralha Interna, ao fundo
A chamada Muralha Teodosiana (emgrego: τείχος Θεοδοσιακόν,teíkhos Theodosiakón), localizada a cerca de 1 500metros a oeste da muralha antiga, foi erguida durante o início do reinado doimperador bizantinoTeodósio II(r. 408–450), de quem recebeu o nome. As obras foram realizadas sob a direção deAntêmio, oprefeito pretoriano do Oriente, e foram concluídas em 413, de acordo com uma lei doCódigo Teodosiano (Codex Theodosianus). Uma inscrição descoberta em 1993, no entanto, registra que os trabalhos teriam durado nove anos, o que indica que a construção já teria sido iniciada por volta de 404/405, durante o reinado do imperadorArcádio(r. 395–408).[20] ANova Roma agora abrangia sete montes, justificando assim o nome de Heptálofo (Ἑπτάλοφος, "sete montes"), numa referência à antigaRoma e seussete montes. Tanto as muralhas de Constantino quanto as originais de Teodósio foram severamente danificadas em dois terremotos, em 25 de setembro de 437 e 6 de novembro de 447.[21] Este último foi especialmente poderoso e destruiu grandes partes da muralha, incluindo 57 torres.[21] Terremotos subsequentes, incluindo outro grande em janeiro de 448, agravaram os danos.[22] Teodósio II ordenou então ao prefeito pretorianoConstantino que supervisionasse os reparos, que eram ainda mais urgentes na medida em que a cidade estava sob a ameaça deÁtila, o Huno, então nosBálcãs. Utilizando-se dos própriosdēmoi (as diversas "facções doCirco") para os trabalhos, as muralhas foram restauradas num período recorde de 60 dias, de acordo com os cronistas bizantinos e inscrições encontradasin situ.[23] Com base em algumas inscrições, alguns acadêmicos sugeriram que, a esta altura, uma segunda muralha externa teria sido acrescentada, e um grandefosso teria sido aberto diante dos muros, porém a validade desta interpretação é questionável; esta muralha exterior provavelmente era parte integral do projeto original da fortificação.[23] Ao longo de sua história, as muralhas de Teodósio foram danificadas por terremotos, e obras de restauro foram realizadas em diversas ocasiões, como evidenciam as numerosas inscrições em homenagem ao imperador ou seus servos que trabalharam nestas obras.[5][24]
As muralhas se estendiam por cerca de 6,5quilômetros, de sul a norte, a partir da Torre de Mármore (emturco: Mermer Kule), também conhecida como Torre deBasílio eConstantino (grego:Pyrgos Basileiou kai Kōnstantinou), na costa daPropôntida, próximo aoChifre de Ouro. A extensão total das muralhas que restaram é de 5.630metros, domar de Mármara ao subúrbio deBlaquerna, no Chifre de Ouro,[25] enquanto a seção situada entre oPalácio do Porfirogênito (conhecido emturco comoTekfur Sarayı) e o Chifre de Ouro não sobreviveu, já que esta linha de muralhas foi avançada para proteger também o próprio subúrbio de Blaquernas.[5]
A partir do mar de Mármara, a muralha se volta para o nordeste, até chegar ao Chifre de Ouro, a cerca de 14 metros acima donível do mar. A partir dali, e até a Porta de Régio (atualMevlevihane Kapısı), a muralha segue uma linha mais ou menos reta até o norte, subindo o Sétimo Monte da cidade. O muro então se volta para o nordeste, subindo até a Porta de São Romano, localizada próxima ao pico do Sétimo Monte, a 68 metros acima do nível do mar.[26] Dali a muralha desce para o vale do rio Lico, onde atinge seu ponto mais baixo, 35 metros acima do nível do mar, e sobe as encostas do Sexto Monte, de onde se eleva até a Porta de Carísio (ou Porta de Adrianópolis), a 76 metros de altitude.[26] Este trecho da muralha, entre as portas de São Romano e Carísio, com cerca de 1.250 metros de extensão, o chamadoMesoteichion (Μεσοτείχιον, "Muro Médio"), é a parte mais vulnerável das muralhas, devido à morfologia do solo.[27] Consequentemente, na maior parte dos sítios à cidade, esta área foi o foco do assalto principal, embora somente tenha sido penetrada com sucesso em 1453. A partir da Porta de Adrianópolis até Blaquerna, as muralhas baixam cerca de 60 metros, e de lá se projetam para oeste, até chegar à planície costeira do Chifre de Ouro, próximo à chamadaPrisão de Anemas.[26]
As Muralhas Teodosianos consistiam da Muralha Interna (μέγα τείχος,mega teichos, "grande muro") principal, separada da Muralha Exterior (ἔξω τείχος,exō teichos ou μικρόν τείχος,mikron teichos, "pequeno muro") inferior por umterraço com 15-20 metros de largura, o períbolo (peribolos, περίβολος).[28] Entre a muralha externa e o fosso (σούδα,souda) havia um terraço externo, oparateichion (παρατείχιον), e havia umparapeito baixo sobre a escarpa oriental do fosso.[29]
A parede interna é uma estrutura sólida, com cinco metros de espessura e 12 de altura. Foi coberta por blocos decalcário cortados cuidadosamente, enquanto seu interior foi preenchido com umaargamassa feita decal etijolos prensados. Entre sete e onze camadas detijolos romanos, com cerca de 40 centímetros de espessura, atravessam a estrutura, não só como forma de decoração, mas também para fortalecer a coesão da estrutura ao unir afachada de pedra com o centro de argamassa, e aumentar a resistência aterremotos.[30] A muralha era fortificada por 96torres, a maior parte delas quadrangulares, porém com algumas octogonais, três hexagonais e uma única pentagonal. Tinham de 18 a 20 metros de altura, e estavam dispostas a intervalos de 55 metros.[31] Cada torre tinha um terraço comameias em seu topo, e seu interior geralmente era dividido por um piso em duas câmaras separadas, que não se comunicavam entre si. A câmara inferior, que se abria para a cidade por dentro da muralha principal, era usada como depósito, enquanto a câmara superior, que era acessada pela passarela sobre a muralha, tinha janelas para que os seus defensores pudessem arremessar objetos e disparar contra os invasores. O acesso à muralha era feito por meio de grandes rampas ao longo de sua extensão.[32] O piso inferior também podia ser acessado a partir do períbolo por meio de pequenaspoternas. De uma maneira geral, a maior parte das torres que sobreviveram foram reconstruídas no período bizantino ou otomano, e apenas as suas fundações são da construção original teodosiana. Além disso, enquanto até operíodo comneno as reconstruções costumavam permanecer fieis ao modelo original, as modificações feitas posteriormente tendiam a ignorar janelas eseteiras dos andares superiores, focando-se no terraço interior, bem como na plataforma de combate.[33]
Foto do períbolo, o espaço entre os muros exterior e interior
A muralha externa tinha dois metros de extensão em sua base, e contava com câmaras abobadadas na altura do períbolo, cobertas por uma passarela com ameias, que podia chegar a uma altura de 8,5 metros.[34] O acesso à muralha externa a partir da cidade era feito através das portas principais, ou através de pequenaspoternas na base das torres da muralha interna. O muro externo também tinha 96 torres, quadrangulares ou em forma decrescente, situadas entre as torres da muralha interna, funcionando para lhes dar apoio.[32] Contavam com uma sala com janelas no nível do períbolo, sobre a qual existia um terraço ameado, enquanto suas partes inferiores eram sólidas ou, ocasionalmente, tinham pequenas poternas que permitiam o acesso ao terraço exterior.[34] A muralha externa era um edifício defensivo formidável, por si só; nos cercos de 1422 e 1453, os bizantinos e seus aliados, por estarem em número pequeno demais para defender ambas as linhas de defesa, concentraram-se na defesa da muralha externa.[27]
O fosso (σοῦδα,souda) se situava a uma distância de cerca de vinte metros da muralha externa, criando um terraço chamado deparateichion (ἔξω παρατείχιον), sobre o qual uma estrada pavimentada seguia ao longo da parede. O fosso em si tinha mais de 20 metros de largura e 10 de profundidade, e tinha um muro ameado com 1,5 metro de altura em seu lado interior, que servia como a primeira linha de defesa das fortificações.[34][35] Paredes transversais cruzavam o fosso, cônicas no topo de modo que não pudessem ser usadas comopontes; descobriu-se que algumas delas continhamcanos que traziamágua para a cidade das terras altas a norte e oeste da cidade, e desde então vêm sendo vistas como espécies deaquedutos, que serviam para trazer água para preencher o fosso e comorepresa, divindo-o em compartimentos e permitindo que a água ficasse estancada ao longo da extensão das muralhas. Existe, no entanto, poucas evidências diretas nos relatos dos cercos à cidade para sugerir que o fosso tenha sido alguma vez preenchido.[36]
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