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Modernidade, um tópico deCiências sociais ehumanidades, é umperíodo histórico e o conjunto denormas, atitudes e práticassocioculturais específicas que surgiram na sequência doRenascimento — no pensamento daEra da Razão do século XVII e do Iluminismo do século XVIII. Alguns comentaristas consideram que a era da modernidade terminou em 1930, com aSegunda Guerra Mundial em 1945, ou nas décadas de 1980 ou 1990; a era seguinte é chamadapós-modernidade. O termo "história contemporânea" também é usado para se referir ao período pós-1945, sem atribuí-lo à era moderna ou pós-moderna.[1][2]
O historiador alemãoReinhart Koselleck compreende a emergência de uma nova concepção de História, no século XVIII, como o principal acontecimento que instaura a modernidade. Nesse cenário, ospensadores iluministas ganham um importante papel, na medida em que propagam uma filosofia do progresso centrada na ideia, cuja origem remonta àDescartes, de sujeito dotado de consciência e razão. A consequência disso foi a valorização da racionalidade como principal elemento para o conhecimento de mundo e o domínio da natureza.[3]
Koselleck tenta compreender oIluminismo de acordo com seu contexto histórico, debruçando-se nas transformações estruturais da sociedade alemã que alteraram os conceitos políticos e sociais que faziam parte da organização da experiência do mundo ocidental. Um conceito que se destaca nesse contexto é o de História, que reunia três sentidos: a situação objetiva, a representação dela e a ciência a respeito.[4] Esse deslocamento lexical ajuda a enfraquecer o antigotopos (historia magistra vitae), caracterizado pela ideia dos acontecimentos históricos como aprendizado exemplar, e a focar na singularidade e no movimento de cada elemento e acontecimento histórico.[5] Assim, uma experiência de aceleração do tempo e o foco de visão dos indivíduos no futuro, em detrimento do passado, são latentes. É interessante notar a percepção de uma História onipresente e onisciente.Johann Gustav Droysen já dizia que "acima das histórias está a História".[6]
A tendência à racionalização comentada acima está relacionada à modernização do pensamento histórico.[7] Um primeiro passo para isso foi dado pelo movimento iluminista, o qual foi fundamental para a reflexão relacionada ao tempo e ao modo de pensar a História, uma vez que suscitou a necessidade de reconstruir os acontecimentos históricos "como as coisas se deram", fato que ajudará, de forma crucial, numa mudança de perspectiva nos trabalhos do historiador.[8] Ohistoricismo, no século XIX, garante a necessidade de sistematizar, classificar e categorizar os diversos fatores que abarcam o saber histórico. Isso resulta na institucionalização da ciência histórica como disciplina acadêmica. Nesse momento, a história como disciplina cria suas próprias regras e métodos. O ofício do historiador não é mais baseado em intelectuais com variadas formações acadêmicas, visto que passa a ter qualificações específicas.[9] Diversas obras ajudaram nessa questão, como aHistorik (1858) de Droysen, aRevue historique (fundada em 1876) deGabriel Monod (1844- 1912) e aIntroduction aux études historiques (1898) de Charles-Victori Langlois (1863-1929) eCharles Seignobos (1854-1942).
Outra figura conhecida dohistoricismo é o historiadorLeopold Von Ranke (1795-1886). A visão rankeana sobre a história aparece na versão "essencialmente política, centrada noEstado-nação, factualista e interessada apenas nos 'grandes homens'".[10] O princípio de individualidade formulado por Ranke torna-se parte essencial do historicismo, que pode ser entendido como uma "orientação do pensamento histórico pelo seu próprio valor, pela individualidade das formas passadas de cultura da socialização humana e da evolução desta".[11] Característica que demonstra o atrelamento desse movimento histórico com oIluminismo, uma vez que não nega a concepção de progresso, "mas inclui um movimento análogo da modificação temporal das formas particulares de cultura da vida passada".[12]
Nota-se uma concepção de movimento único da humanidade, que é constituído pelas diversas formas de expressões culturais que a abarca. Daí já é possível detectar uma pretensão pedagógica do historicismo, isto é, o de instruir os povos para o futuro, a qual assinala o papel político dos historiadores. Esse fato foi fundamental para a construção do Estado nacional de vários países europeus.[13] Um exemplo disso é o quadro de Alexandre Veron-Bellecourt chamado "Alegoria à glória de Napoleão I. Clio mostra às nações os fatos memoráveis de seu reinado".[14] No quadro, aparece Clio (representando a História) apontando para o busto de Napoleão e mostrando seus feitos às pessoas. Napoleão e, consequentemente, o império francês, seria aquele que move as engrenagens da História rumo ao progresso.
François Hartog, em seu livroRegimes de historicidade, promove um instrumento heurístico capaz de tornar inteligíveis as experiências do tempo. Compreende-se como "experiências do tempo" o modo com que as pessoas articulam o passado, o presente e o futuro. Quando Hartog estabelece uma ordem dominante do tempo para a modernidade, baseando-se nos estudos deKoselleck, nasce a categoria "regime moderno de historicidade", cujas principais características são a experiência de aceleração do tempo e as perspectivas humanas voltadas para o futuro.[15][16]
Hartog, em outro livro, chamadoCrer em História, argumenta que os romancistas se concentraram "nas fissuras do regime moderno, em captar seus fracassos e apreender a heterogeneidade das temporalidades em curso, para daí extrair um dispositivo dramático e a ocasião de um questionamento da ordem do mundo".[17] Os historiadores estariam mais próximos do regime moderno com suas perspectivas e esforços voltadas para o futuro. Os romancistas iam por outros caminhos.Liev Tolstói (1828-1910),Honoré Balzac (1799-1850) eRobert Musil (1880-1942) são bons exemplos desse fato, os quais recaíram nos diversos atributos da História moderna e, ao mesmo tempo, seguiam uma tendência de negar a unidade e o único sentido movimento histórico e admitir o caráter múltiplo dos acontecimentos e perspectivas históricas. Nisso, aparecem algumas especificidades dos literatos dessa época: 1) o desejo de descrever a História de todos os indivíduos e fatores da vida social e 2) o caráter errante do movimento histórico, destituído de direção. Balzac aparecia com uma necessidade de ser um "narrador dos dramas da vida íntima".[18] Musil dizia que "a trajetória da História não é a de uma bola de bilhar que, uma vez lançada, percorre um caminho definido; ela se parece mais com o movimento das nuvens, com o trajeto de um homem errando pelas ruas".[19] Tolstói considerava a História como um mar, infinito e indomável: "O turbulento mar histórico da Europa havia retrocedido às suas margens. Parecia ter sossegado; mas as forças misteriosas que movem a humanidade [...] continuavam a agir".[20]
O interessante é perceber que história (dos historiadores) e literatura andavam lado a lado desde o começo do século XIX. Ambas bebiam da mesma fonte, que é a História (com "H" maiúsculo) com seus infinitos elementos. Não é à toa que Hartog comenta: "A crença em história e a crença em literatura cresceram juntas. A história moderna e a literatura moderna, sob a forma do romance, triunfam juntas".[21] Entretanto, com o decorrer do tempo e a profissionalização do historiador, parece que a história e a literatura se afastam.
François Hartog acredita que a crise do regime moderno de historicidade está relacionada ao enfraquecimento da concepção moderna de História e ao aumento da valorização da memória. Essa concepção moderna de História operou, mesmo com contestações, até os meados da década de 1970, até que sua capacidade de orientar os seres humanos entrou em forte contestação.[22] A experiência moderna de aceleração do tempo permaneceu, mas a perspectiva sobre o futuro mudou. De uma visão otimista, da humanidade em direção ao progresso, passa-se para uma visão pessimista do futuro, visto como imprevisível e, sobretudo, catastrófico. Isso se deve por vários motivos, duas guerra mundiais,crises climáticas e governos autoritários ajudaram a enfraquecer a operação da História moderna.
É nesse contexto que Hartog evidencia uma nova relação com o tempo. O regime moderno de historicidade abre espaço para umregime de historicidade "presentista", no qual o presente se sobrepõe sobre as categorias do passado e do futuro. Nota-se uma temporalidade específica - própria das vítimas, isto é, pessoas que passaram por traumas - caracterizada por um "presente fixo ou um presente que não passa".[23][16] Se, antes, a História era um conceito fundamental para as sociedades ocidentais, agora, a memória passa para o primeiro plano. Como ressalta Hartog, a emergência da memória é a expressão e, ao mesmo tempo, uma resposta a tempos de crise.[24]
A modernidade transita, em seu fechamento e esgotamento, para após-modernidade. Muitos teóricos trataram dessa transição e tentaram sondar para ver além dos limites da transição para tentar captar que outro mundo estava surgindo. Após-modernidade como um outro mundo relativamente à modernidade também é um tema filosófico da mais alta importância.Pós-modernidade carece de definição, nos parece, em si mesma, só fazendo sentido se, em conexão com a modernidade, ou sua extensão, ou sua ruptura.
O termo era desconhecido paraNietzsche, porém, uma vez que após-modernidade se forma em oposição à modernidade, pode-se dizer que foi Nietzsche, em termos abrangentes, quem iniciou o movimento de fustigação dos ideais modernos. Com ele começa a era da paixão moderna. Os seus defensores ou os seus detratores, via de regra, se posicionavam frente à aceitação ou à recusa da modernidade. Porém, Nietzsche já não estava presente quando efetivamente começam as mais profundas transformações de época, da cultura aos artefatos tecnológicos, da política à guerra e ao terrorismo, da arte clássica à antiarte ou aarte pela arte, do local ao global, da objetividade ao ficcional e ao virtual, do bioquímico ao tecido genético.
Na primeira metade doséculo XX, vários movimentos devanguarda naarte e nacultura ocidental constituem o que se costuma chamarmodernismo.
Da mesma forma, nos anos 1960-1970, o movimento estético que ostensivamente passou a negar os preceitos do modernismo, sobretudo naarquitetura, foram chamadospós-modernos.
ParaBauman (1999 e 2004), o que mudou foi a "modernidade sólida", que cessa de existir, e, em seu lugar, surge a "modernidade líquida". A primeira seria justamente a que tem início com as transformações clássicas e o advento de um conjunto estável de valores e modos de vida cultural e político. Na modernidade líquida, tudo é volátil, as relações humanas não são mais tangíveis e a vida em conjunto, familiar, de casais, de grupos de amigos, de afinidades políticas e assim por diante, perde consistência e estabilidade.[25] Essa reflexão de Bauman já está de algum modo presente emMarx quando, conforme observaBerman (1982), ele aponta para a ação do éter das revoluções modernas que desmancha tudo o que é sólido. A diferença é que Bauman já trabalha no campo minado da pós-modernidade que dificilmente permite que se façam planos para modos estáveis de sociedades futuras.
ParaNorbert Elias, onazi-fascismo é o próprio paradigma da modernidade, consequência do esgotamento deste modelo associado ao triunfo de forças ideológicas pré-capitalistas.[26]
Marx ainda acreditava que ocomunismo fosse o congelamento de um modo de vida social integrado e harmônico. Mas, como pergunta Bauman, por que razão o comunismo não seria corroído pelo éter do suspiro modernista?
Para o sociólogo brasileiroGilberto Freyre, não há, a rigor, modernidade que não seja alimentada e oxigenada pela tradição. Sem tradição, sem a raiz e o regional, a modernidade não é nada [carece de fontes].
O historiador indianoDipesh Chakrabarty aponta que a narrativa histórica da modernidade é eurocentrada, projetando a experiência europeia como modelo e/ou ponto de partida para as demais narrativas da modernidade. Segundo essa visão, as demais regiões do mundo ou receberão posteriormente aquilo que apareceu primeiro na Europa, ou reproduzirão, em suas histórias particulares, os estados pelos quais passou a Europa. Essa é uma das críticas centrais dosestudos subalternos, movimento intelectual do qual o autor faz parte.[27]
O projeto de modernidade teve um enorme aprofundamento através dos estudiosos da chamadaEscola de Frankfurt. Pensadores como Adorno e Horkheimer, integrantes da primeira geração frankfurtiana, construíram teorias que traziam uma concepção de esgotamento, além da perspectiva de umaDialética Negativa, abordada em livro homônimo por Adorno, no qual ele questiona um sistema onde o direito à vida é negado ao homem. Essa linha de pensamento, formulada entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX, foi fomentada por uma série de acontecimentos históricos, como aPrimeira Guerra Mundial, que basilaram a ruptura do projeto moderno e estimularam análises sobre o que poderia substituí-lo. Entretanto,Jürgen Habermas, membro da Escola de Frankfurt e teórico da segunda geração, contesta essa visão pessimista e concebe uma teoria que busca conservar um projeto de emancipação dentro da modernidade.
Ele busca identificar equívocos e apontar críticas com relação ao conceito derazão, postulado e orientado pelos pensadores iluministas. Segundo a sua linha de pensamento, a Razão estaria sendo interpretada de uma forma incompleta, partindo de um único princípio, denominado derazão instrumental. Esse conceito, entendido por Habermas como a razão típica do mundo sistêmico, rege duas das principais esferas de valor:sistema capitalista eEstado Moderno, contribuindo para que haja uma determinada perda de sentido e de liberdade na sociedade e, consequentemente, o esgotamento das fontes emancipatórias.
Buscando uma tentativa de reerguimento do projeto moderno, Habermas institui dois conceitos que buscam oferecer uma contrapartida à razão instrumental e impeça a colonização do mundo vivido. Omundo da vida e arazão comunicativa possibilitam a comunicação entre os indivíduos que compõem as esferas de valor, criando elos de mediação que permitem o compartilhamento de conhecimentos especializados e a troca simbólica. A partir dessa vertente, práticas e agentes mediadores como os críticos de arte, a docência e o sistema jurídico, dialogam com as esferas regidas pelo mundo sistêmico. Isso levaria ao fortalecimento das fontes de emancipação da modernidade.
Para que isso ocorra, a concepção de modernidade defendida por Habermas pressupõe uma determinada concepção de democracia, precisamente ademocracia deliberativa, a qual estimula a influência discursiva da participação dasociedade civil na tomada de decisões políticas.[28]
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