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Mercè Rodoreda i Gurguí (Barcelona,10 de outubro de1908 –Girona,13 de abril de1983) foi umaescritoracatalã. Seu trabalho, traduzido para quarenta idiomas, alcançou repercussões internacionais e é constantemente referenciado por outros autores, o que a coloca como a escritora contemporânea delíngua catalã mais influente.
Sua produção abrange diversos gêneros literários, incluindo poesia, teatro, conto e, principalmente, romance. Postumamente, foi descoberta uma outra faceta sua, a pintura, que, embora tenha ficado em segundo plano devido à prioridade que Rodoreda dava à escrita, revela uma dimensão importante de sua expressão artística.
Escrevo porque gosto de escrever. Se não achasse exagerado diria que escrevo para gostar de mim própria. Se, aliás, aquilo que escrevo gosta outrem, melhor. Talvez seja mais profundo. Talvez escreva para afirmar-me a mim própria. Para sentir o que sou... E acabo. Falei de mim e de cousas essenciais na minha vida, com um certa falta de mesura. E a desmesura sempre me fez muito medo.
Mercè Rodoreda i Gurguí nasceu em 10 de outubro de 1908, em uma pequena vila com jardim na rua de Sant Antoni, atualmente rua de Manuel Angelon, no bairro de Sant Gervasi de Cassoles, em Barcelona. Foi a única filha de Andreu Rodoreda Sallent, contabilista de uma armaria, e Montserrat Gurguí Guàrdia. Ambos eram grandes amantes daliteratura e doteatro. Assistiram a aulas dedeclamação naEscola d'Art Dramàtic (Escola de Arte Dramática), que mais tarde se converteria emInstitut del Teatre (Instituto do Teatro), regidas por Adrià Gual.[4][5] A sua mãe também tinha grande interesse e afetividade pelamúsica.[4]
Rodoreda frequentou durante dois anos o ensino primário (1915-1917) em duas escolas diferentes – o Colégio de Lourdes do bairro deSarrià e o centroNuestra Señora de Lourdes, mais próximo de sua casa, naCalle de Padua, na altura da rua Vallirana.
O seu avô materno, Pere Gurguí, era um admirador nato deJacint Verdaguer, com quem teve uma grande amizade, e cooperou como redator nas revistasLa Renaixensa eL'Arc de Sant Martí.[4][6] Em 1910, Pere Gurguí construiu um monumento em memória a Jacint Verdaguer, no jardim de casa, que tinha uma gravação com as duas obras mais importantes do autor,Canigó eL'Atlàntida. Esse espaço converteu-se em lugar de festas e reuniões da família.[6] A figura do avô marcou Rodoreda intensamente, até o ponto de ela considerá-lo o seumestre. Gurguí a transmitiu um profundo sentimentocatalanista, um amor à língua catalã e às flores, que se mantiveram bem refletidos em toda a obra de Mercè Rodoreda.
Lembro a sensação de estar em casa quando, debruçada sobre a varanda, via cair sobre a relva e as hortênsias as flores azuis dos jacarandás. Nunca saberei como explicar; nunca teve essa enorme sensação de me sentir em casa, como quando morava em casa do meu avô.[7]
–Mercè Rodoreda,Imatges d'infantesa
Em 18 de maio de 1913, com apenas cinco anos, atuou pela primeira vez numa peça de teatro, com o rol da menina Kitty na obraEl misteriós Jimmy Samson, no Teatro Torrent de les Flors. Alguns anos mais tarde, esta personagem foi recuperada para o contoEl bany, dentro da obraVint-i-dos contes.[5]
Na sua infância, leu principalmente os autores catalães e modernos, como Jacint Verdaguer,Ramon Llull,Joan Maragall i Gorina, Josep Maria de Sagarra e Josep Carner, entre outros. Possivelmente, influenciada pelo ambiente boêmio que se respirava na casa familiar.[6]
Em 30 de maio de 1920, participou no dramaQuince días de reinado na escola Nuestra Señora de Lourdes. Nesse ato também recitou a poesia em catalãoLa negra.[8]
Em 1921, depois da morte do avô materno, Pere Gurguí, seu tio Joan instalou-se na casa familiar, e mudou o estilo de vida, já que impôs a austeridade e a ordem convencionais. Mercè Rodoreda tinha-o idealizado já desde as cartas que tinha recebido dele, e acabou por casar com Joan[4] em 10 de outubro de 1928, o dia do seu vigésimo aniversário, na igreja de La Bonanova. Ele era catorze anos mais velho que ela e, por causa do grau de consanguinidade, precisaram de uma dispensa papal.[9]
Após o casamento, o casal viajou aParis, e depois se instalou numa casa na rua Zaragoza.[10] Seu marido tinha ido a Argentina quando jovem e voltou com uma pequena fortuna.
Em 23 de julho de 1929 nasceu o seu único filho, Jordi Gurguí i Rodoreda. Desse momento, Mercè Rodoreda começou a fazer provas literárias para conseguir se liberar da dependência econômica e social que era consequência da vida de casada. Foi assim que começou a conceber a escritura como um ofício.[9] Cada dia se fechava um tempo numpombal azul que havia na casa materna de Manuel Angelon, que possivelmente lhe serviu de inspiração para escreverLa plaça del Diamant.[11] Nesse tempo, escreveu versos, uma comédia teatral (atualmente desaparecida) e um romance.[11] Nesse ínterim, foi proclamada aSegunda República Espanhola.
Em 1931, Mercè Rodoreda começou a assistir às aulas no Liceu Dalmau, onde aprimorou seu conhecimento da língua graças aos ensinamentos dopedagogo elinguista Delfí Dalmau i Gener, que a influenciou profundamente, incentivando-a a se formar e com quem desenvolveu um vínculo de amizade.[12] Mercè Rodoreda ensinava o que escrevia a Dalmau, e ele animou-a a fazer públicos estes primeiros textos. Segundo Dalmau, Mercè Rodoreda era uma aluna excepcional, que possuía uma plenitude espiritual e uma prometedora alma de literata.[12] Esta admiração por Mercè Rodoreda levou Dalmau a pedir-lhe que fosse uma das contrapartes na seva obraPolèmica, ela respondeu afirmativamente, e a obra foi publicada em 1934.[12] Segundo reconheceu o mestre Delfí Dalmau, esta obra também esteve influenciada pelas observações de Rodoreda.[13]
Em 1932 se publicou o primeiro romance de Mercè Rodoreda na editora Catalònia, intituladoSóc una dona honrada? (Sou uma mulher honrada?), e também alguns contos para diversos jornais. A obra quase passou desapercebida até que optou ao prémio Crexells de 1933, embora o vencedor desse ano fosse Carles Soldevila.[14]
Em 1 de outubro de 1933, iniciou a sua carreira jornalística na revista semanalClarisme, onde publicou 24 contribuições: cinco prosas sobre cultura tradicional, treze entrevistas, duas resenhas, um conto e três comentários de temática político-cultural, musical e cinematográfica.[15] Também nesse ano, começou a participar naAssociació de la Premsa de Barcelona, fato que evidenciava a sua vontade de formalizar a sua cooperação com a tarefa jornalística.[13]
Na primavera de 1934, Mercè Rodoreda publicou a sua segunda obra,Del que hom no pot fugir (Daquilo que não se pode fugir), nas edições da revistaClarisme.[2][14] Em maio do mesmo ano, recebeu o PrêmioPremi del Casino Independent dels Jocs Florals de Lleida com o conto «La sireneta i el delfí», atualmente perdido.[2]
Depois de ter escrito esta segunda obra, Joan Puig i Ferreter, diretor de Edicions Proa, visitou-a e interessou-se por publicar a seguinte obra de Rodoreda,Un dia en la vida d'un home (Um dia na vida de um homem), publicada no outono desse ano em Proa.[14] Rodoreda começou a se introduzir no mundo literário da mão de Puig i Ferreter, quem lhe abriu as portas do El Club dels Novel·listes, formado por autores como Armand Obiols, Francesc Trabal ou Joan Oliver, também membros da La Colla de Sabadell.[16] Naquele tempo, Rodoreda aprofundou na leitura dos romances deFiódor Dostoievski.[16]
De1935 até1939, publicou um total de dezesseis contos para meninos no jornalLa Publicitat, numa seção chamadaUna estona amb els infants (Um tempinho com os meninos).[17] Deve-se salientarEl noiet i la casona dedicado ao seu filho, e tambémLa fulla, dedicado a Josep Carner.[18] Aliás, compaginava com a publicação nas mídias catalãs líderes comoLa Revista,La Veu de Catalunya eMirador, entre outros.[11]
Em1936, publicou o seu quartoromance,Crim (Crime). Mais tarde, Rodoreda rejeitaria este romance junto com os três anteriores, por achá-los produto da sua inexperiência.[9][19]
Em 1937, Rodoreda venceu oprémio Joan Crexells de narrativa pela sua obraAloma.[20] No mesmo ano, separou-se do seu marido Joan Gurguí, após onze anos de casamento e um filho.[9] O seu suposto amante,[10]Andreu Nin i Pérez, foi detido no dia 16 de junho diante da sede do seu partido naRambla deBarcelona, onde, alguns dias mais tarde, foi torturado e assassinado por agentes da polícia soviética, seguindo ordens do GeneralAlexander Orlov na prisão deAlcalá de Henares.[21]
Em 1938, aInstitució de les Lletres Catalanes publicou o quinto romance de Mercè Rodoreda, chamadoAloma. Esta foi a primeira obra que Rodoreda aceitou como sua, embora fosse reescrevê-la e publicá-la novamente. Nesse mesmo ano, representando oPEN Club daCatalunha, viajou com o escritor catalãoFrancesc Trabal e leu uma mensagem de boas-vindas escrita porCarles Riba no congresso internacional doPEN club emPraga.[9]
Em 23 de janeiro de 1939, poucos meses antes da derrota dos republicanos, Mercè Rodoreda parte para oexílio. Achando que o afastamento seria breve, deixou o filho com a sua mãe.[22] Mesmo que Mercè Rodoreda nunca tenha participado da política, partiu por conselho da sua mãe, que receava problemas por causa das atividades de cooperação com publicações em catalão e com algumas revistas deesquerda política durante os anos anteriores.[23] Junto com outrosintelectuais da altura, foi deBarcelona aGirona com umbíblio-bus propriedade daConselleria de Cultura de la Generalitat de Catalunya. Logo depois, seguiu o caminho porMas Perxés, na localidade deAgullana, até travessar a fronteira administrativa porLe Perthus, tendo entrado naFrança em 30 de janeiro. Depois de passarem a noite emLe Boulou, foram paraPerpinhã; lá passaram três dias e depois continuaram a viagem decomboio atéToulouse.[24]
A guerra acabou, e tivemos de sair daEspanha. Eu, sem motivo real, porque nunca tinha feito política, mas o facto de ter escrito em catalão, e por eu ter cooperado em revistas, digamosde esquerda, etc. E aconselhada pela minha mãe, porque parti pensando que depois de três, quatro ou cinco meses voltaria a casa, mas depois foi-se eternizando.[23]
–[Traduzido e adaptado do espanhol] Mercè Rodoreda na entrevistaA fondo (1981)
Em Roissy-en-Brie, iniciaram-se várias relações amorosas; uma delas foi entre Mercè Rodoreda eJoan Prat i Esteve, mais conhecido pela pseudônimoArmand Obiols. Problemas surgiram no castelo, porque Armand Obiols era casado com a irmã de Francesc Trabal, com quem tinha um filho, o qual ficara em Barcelona com sua mãe.[25]Ademais, a sogra de Armand Obiols tinha viajado com Trabal até Roissy-en-Brie acompanhando outros membros da família Trabal.[25] Consequentemente, esse adultério dividiu os exilados catalães em dois bandos contrapostos.[25] Segundo Anna Murià, Francesc Trabal opôs-se não só por sua irmã, mas também por ciúmes, já que teria mantido uma relação secreta com Mercè Rodoreda em Barcelona que só conheciam eles dois e a sua confidente.[26] Rodoreda quis escrever um livro sobre este tema, intituladoLa novel·la de Roissy (O romance de Roissy), porém, nunca o acabou.[26]
O ambiente de estabilidade que oferecia o castelo foi perturbado pelo início daSegunda Guerra Mundial. Naquele momento alguns decidiram fugir para países daAmérica Hispânica, e outros preferiram ficar na França. Foi aqui que decidiu ficar Rodoreda e Obiols.[22] Como consequência disto, deslocaram-se à casaVilla Rosset, na periferia da povoação.[24]
Mercè Rodoreda, junto com outros escritores que ainda se refugiavam na França, teve de fugir de Paris em junho de 1940 por causa do avanço dos soldados alemães que iam em direção aOrleans através deArtenay. Josep Maria Esverd conseguiu umacarrinha para fugir da França; porém, a carrinha foi requisitada no dia seguinte pelas tropas francesas.[27] Depois de ter tentado apanhar o comboio, sem sucesso, tiveram de fugir a pé para sul. O objetivo era travessar orio Loire para poderem entrar na zona não ocupada, mas pouco antes de chegarem a Orleans, encontraram-na em chamas e não havia nenhuma ponte inteira naquele trecho do rio Loire; portanto, desviaram-se da rota fixada.[24]
Então, iniciamos a retirada a pé durante três semanas. Cerca de três semanas fugindo dosnazis e caminhando pelas estradas francesas [...] Passámos por uma ponte emBeaugency que estava sendo minada pelos artilheiros franceses. Era uma tarde com o céu muito escuro e muito baixo. Começaram a bombardear a ponte, os alemães, com unsstukas que faziam tremer de medo; e viam-se os rosários debombas que caíam e explodiam perto dali. [...] Havia mortos em cima da ponte. Uma coisa terrível! Então, dirigimo-nos a Orleans, pensando que ali poderíamos descansar um dia ou dois, mas quando chegamos a ver Orleans... Orleans estava em chamas, porque tinham-na bombardeado recentemente. Foi então quando dormimos lá a noite toda vendo das janelas Orleans queimando.[28]
–[Traduzido e adaptado do espanhol] Mercè Rodoreda a l'entrevistaA fondo (1981)
Por doze dias, resguardaram-se numa fazenda até a assinatura doarmistício de 22 de junho de 1940, depois de terem travessado o rio Loire pela localidade deMeung-sur-Loire, que estava totalmente destruída. Daquele local viajaram ainda mais ao sul até estabelecerem-se emLimoges.[24]
Em Limoges, instalou-se num quarto no número 12 da rua das Filles de Nôtre Dame. Foram anos duros para a autora, porque em 5 de junho de 1941 o seu parceiro Armand Obiols foi detido, e ficou sozinha até o mês de outubro.[24] Naquela altura, Armand Obiols teve de realizar trabalhos forçados emSaillat-sur-Vienne numapedreira. No entanto, umas gestões de Rodoreda conseguiram que fosse destinado aBordéus.[10] Quando Obiols já esteve em melhores condições em Bordéus, Rodoreda se envolveu num círculo de estudo dedicado à leitura e à aprendizagem doinglês.[29]
Nos meses seguintes, a relação entre Mercè Rodoreda e Armand Obiols foi principalmente a distância, e só de forma esporádica puderam se ver pessoalmente. Não foi até final de agosto de 1943, quando Rodoreda se deslocou ao número 43 da rua Chauffor de Bordéus, onde se reencontrou com o seu amante. Em Bordéus viveu momentos muito duros e costurava, segundo as suas próprias palavras, "até a imundície" num armazém durante grande parte do dia, uma tarefa que não lhe deixava tempo para escrever.[29]
Fizblusas de confeção por nove francos e passei muita fome. Conheci gente muito interessante e o casaco que levo é herança de uma russa judia que se suicidou comveronal. Em Limoges ficaram com um ovário meu, mas o que nunca deixarei em França é nem a energia nem a juventude. [...] E, sobre tudo, quero escrever, preciso de escrever; nada me causou tanto prazer desde que estou neste mundo, que um livro meu recém publicado e com aroma de tinta fresca. Sinto muito não ter vindo com vocês, teria me sentido mais acompanhada, teria trabalhado, rasgam-me por dentro todos estes anos inúteis, desmoralizadores, mas terei a minha vingança. Fá-los-ei úteis, estimulantes, que meus inimigos tremam. Na menor chance voltarei a fazer uma entrada de cavalo siciliano. Não haverá ninguém que me detenha.[30]
–Mercè Rodoreda,Excerto da carta aAnna Murià (Bordéus, 19 de dezembro de 1945)
O retorno a Paris foi em setembro de 1946 quando Rodoreda e Armand Obiols se deslocaram à casa deRafael Tasis i Marca no exílio, no número 9 da rua Coëtlogon. Aos poucos, o casal se deslocou até o sexto andar do número 21 da rua Cherche-Midi, muito perto da área residencial de Saint-Germain-des-Prés, que era um local de reunião para muitos intelectuais da altura. Esta foi a sua morada por oito anos e, de fato, não se desvinculou totalmente até1977.[29]
No início de 1947, pôde deixar o trabalho de costureira para passar a trabalhar outra vez como cooperadora naRevista de Catalunya. Além de publicar esse ano narrações nas diferentes edições da revista, também pôde publicar algumas noChile e noMéxico.[31]
De 1947 até 1953, Mercè Rodoreda não pôde criar uma literatura de grande extensão porque em 1945 começou a ter problemas de saúde, além de uma parálise somática no braço direito. Foi por este motivo que se intensificou a criação poética e encontra em Josep Carner seu mestre, com quem manteve uma intensa relação por correspondência. Em 1952 começou uma terapia de recuperação no balneário deChâtelguyon.[22] No tempo que esteve em Paris também começou dois romances, que não acabou.[31]
No ano de 1947, nosJocs Florals de la Llengua Catalana comemorados em Londres, venceu a sua primeiraFlor Natural com seis sonetos:Rosa,Amor novell,Adam a Eva,Ocell e mais dois sonetos sem título.[32] Com o poemaMón d'Ulisses, Rodoreda venceu por segunda vez a Flor Natural dos Jocs Florals de 1948 emParis, poema que foi publicado na revistaLa nostra Revista (A nossa revista) esse ano.[33]Albes i nits deu-lhe a terceira vitória na comemoração dos Jocs Florals e, em consequência, foi nomeada «Mestre en Gai Saber» emMontevideu em 1949.[34] Logo em 1949 visitou Barcelona por primeira vez após o exílio.
No ano de 1951 iniciou-se também na pintura, interessada demais por pintores comoPablo Picasso,Paul Klee eJoan Miró, e fez algumas criações próprias. Numa carta dirigida a Armand Obiols em 1954, explica que já tem um "estilo e um mundo" na pintura, porém, reconhece que o seu lugar está na escritura.[31] De outra mão, Armand Obiols, começou a trabalhar como tradutor para aUNESCO por mediação deQuiroga Plá, e dois anos mais tarde, em 1953, se desloca definitivamente aGenebra.[35]
Em 1954 Mercè Rodoreda e Armand Obiols se descolaram a um apartamento no número 19 da rua Violet, num bairroburguês da localidade de Genebra. Nesta cidade, sempre se sentiu exilada, e até reconheceu que Genebra "é uma cidade chata demais, apta para escrever".[36][37] Aos poucos, Obiols teve de se deslocar aViena por motivo do trabalho. Nesse ano, Rodoreda viajou a Barcelona para assistir ao casamento do seu único filho, Jordi Gurguí i Rodoreda.[10]
Moro num apartamento muito lindo, em cima de um parque, com um prédio de sete andares em frente mas bastante longe. Num lado um pedaço de lago, e no outro oSalève. Da minha varanda, é uma montanha um pouco feia, porque tem muitos pedaços depenados e parece que esteja doente. Quando o dia é claro, vejo onde acaba oMont Blanc.[37]
–Mercè Rodoreda,Entrevista perBaltasar Porcel a Mercè Rodoreda (1972)
Em 1958 foi publicada a coletânea de contos chamadaVint-i-dos contes, que recebeu o prestigiosoPremi Víctor Català.[39] Alguns de estes contos já tinham sido publicados em México na época de exílio na França, porém outros eram inéditos. Segundo a autora, este livro provinha de uma crise de técnicas que motivou um nível literário desigual entre os diversos contos, mesmo que estavam relacionados por uma unidade temática.[40]
Segundo uns apontamentos inéditos que falavam de Genebra, Rodoreda revela que nesses anos se viu com escritores comoEugeni Xammar,Julio Cortázar e a sua esposa, eJorge Semprún.[41]
Na sua longa estadia em Genebra, criou um primeiro jardim que mais tarde repetiria emRomanyà de la Selva. A grande quantidade de flores que a envolviam serviu-lhe de inspiração para começar a retratar as flores que acabariam por se converter emFlors de debò (Flores de verdade) dentro da obraViatges i Flors, além das viagens que redigiria em Romanyà;[36] porém, este livro não foi publicado até1980.
La perla del Llac (A pérola do Lago) foi o título de um romance potencial da autora que ficou, contudo, incompleto, e está armazenado no arquivo doInstitut d'Estudis Catalans. O título é o nome de um restaurante na beira doLago Léman, num canto de Genebra que Rodoreda frequentava. Era um local perto do prédio dasNações Unidas onde a autora almoçava habitualmente, e dali tinha uma grande vista na sala dos andares superiores.[41] Segundo o prefácio deMirall trencat, os olhos da protagonista Teresa Goday de Valldaura eram os mesmos que os da dama do Léman.[42]
Em 1958 apresentouUna mica d'història (Um pouco de história) noPremi Joanot Martorell. Mesmo que o vencedor fosseRicard Salvat comAnimals destructors de lleis, este romance de Rodoreda foi publicado em 1967 sob o títuloJardí vora el mar (Jardim à beira do mar).[39] Também escreveu o contoRom Negrita para o volumeEls 7 pecats capitals vistos per 21 contistes, mesmo que depois formasse parte do volumeSemblava de seda. De 1958 em adiante, e sem se separar de Rodoreda, Armand Obiols manteve uma relação sentimental com uma mulher em Genebra até a morte dele.[10]
Em 1959 começou a escrever o romance mais conhecido da sua carreira, sob o nombre deColometa (Pombinha), embora se publicasse em 1962 sob o título deLa plaça del Diamant (A praça do Diamante) na editoraEl club dels Novel·listes.[39][43] Em 1960, Rodoreda apresentou este romance aoPremi Sant Jordi de novel·la, anteriormente conhecido como Premi Joanot Martorell. No entanto, não venceu, mas ganhou o prémioEnric Massó i Urgellès pelo seu romanceViure no és fàcil (Viver não é fácil). Joan Fuster enviou, de qualquer forma, o romanceLa plaça del Diamant a El Club dels Novel·listes, que naquela altura estava dirigido porJoan Sales. Sales ficou encantado pelo romance e começou a manter contato por correspondência com Mercè Rodoreda.[43] Daquele momento em diante, Rodoreda encontrou noClub Editor, do qual Sales era cofundador, um espaço onde deitar a sua obra literária.[44] Quando foi publicado em 1962, o romance não era o mesmo que foi apresentado ao prémio Sant Jordi, mas tinha sido acrescentado e corrigido por Sales, Obiols e a própria Rodoreda.[45]
Explicar a génese deLa plaça del Diamant poderia ser interessante, mas, é que alguém pode explicar como se forma um romance, que impulsos a provocam, que vontade tão forte consegue que se continue, que se tenha de acabar com o que se começou facilmente? Dizer que fui pensando-a em Genebra olhando para a montanha do Salève ou passeando porLa Perla del Llac, bastaria? [...] Escrevi [o romance] fervorosamente, como se cada dia de trabalho fosse o último da minha vida. Trabalhava cegada; corrigia à tarde o que tinha escrito de manhã, procurando que, mesmo as pressas com as que escrevia, o cavalo não se desbridasse, pegando bem as rédeas para que não se desviasse do caminho. [...] Foi uma época de grande tensão nervosa, que me deixou meio maluca.[42]
–Mercè Rodoreda,Prefácio deLa plaça del Diamant (26a edição)
Em 1961, enviou ao mesmo prémio mais outra obra,La mort i la primavera (A morte e a primavera), que também não venceu. FoiJosep Maria Espinàs comL'últim replà quem resultou vencedor.
En 1965, Rodoreda fez os primeiros passos na publicação das duasObras Completes, após um inquérito de Joaquim Molas para o realizar. Contudo, não foram publicadas emEdicions 62 até 1977. A obra não incluiu nenhuma das suas primeiras quatro obras (Sóc una dona honrada?,Del que hom no pot fugir,Un dia de la vida d'un home iCrim) porque considerava que eram fruto da sua inexperiência, e aceitou reescreverAloma para adequá-la ao nível da sua obra atual; e que seria reeditada em1969.[43]
Em 1966 morreu a sua mãe, Montserrat Gurguí, e três anos mais tarde, o seu tio-marido, Joan Gurguí. Por causa da morte do seu marido, a relação entre mãe e filho se estilhaçou, devido a problemas com o repartimento da herança.[46] No entanto, foi em 1966 que se publicouEl carrer de les Camèlies (A rua das Camélias), que rebeu o prémioPremi Sant Jordi, mesmo que Rodoreda não se candidatou; isto foi assim porque a direção decidiu premiar uma obra já publicada. Com este romance recebeu também oPremi Crítica Serra d'Or de Literatura i Assaig em1967, e oPremi Ramon Llull de novel·la em1969.[47] Em1967 começou a trabalhar no romanceMirall trencat, que anos depois converteria numa das obras mais conhecidas da autora.Mirall trencat foi o fruto de reelaboração da peça teatralUn dia, que não pôde estrear. Também publicou duas obras:Jardí vora el mar e uma coletânea de contos intituladaLa meva Cristina i altres contes.
Desde 1970 a sua obra começou a ser traduzida a outras línguas, ainda que a sua primeira obra traduzida foiLa plaza del Diamante em espanhol em 1965.[43] Em 1971 se acentuou o seu sentimento de exílio com a morte no Hospital da Universidade de Viena do seu parceiro Armand Obiols. Este fato, com o descobrimento de outra amante de Obiols, deixou Rodoreda ainda mais sozinha e deprimida por terras suíças. Nestes dias, escreveu um pequeno bilhete sobre os duros dias que permaneceu no hospital; na atualidade, este bilhete é conservado no aquivo doIEC.[48] Em consequência, após o reencontro com umas amigas dos tempos da Guerra Civil, resolveu se estabelecer desde 1972 na vila deCarme Manrubia em Romanyà de la Selva, Girona, sem deixar de passar algumas épocas em Genebra, ainda que cada vez de forma mais esporádica.[42][49]
Em 1972, passou o verão emEl Senyal — atualmenteEl Senyal Vell (O sinal velho)[50] — emRomanyà de la Selva,Girona, que era uma casa da sua amigaCarme Manrubia; no entanto, a ideia da construção foi de ambas as duas amigas.[49] A sua amizade com Carme Manrubia já vinha de longe, quando trabalhavam juntas noComissariat de propaganda daGeneralitat de Catalunya durante a guerra civil espanhola, porém se distanciaram quando Manrubia e Rodoreda se exilaram em países diferentes. Também participaram em este projeto: o filho adoptado de Carme Manrubia, Carlos; Susina Amat e Esther Floricourt.[49] Morou nesta casa por seis anos, até que[1979 se construiu a sua própria casa em Romanyà. O nome escolhido pelas duas amigas, El senyal, faz referência ao estigma de Caim na obraDemian deHermann Hesse.[49]
Em casa de Manrubia acabou de completar significativamente a tarefa de escrita deMirall trencat que já tinha começado em Genebra alguns anos antes. Esta obra é considerada a mais conhecida da sua produção literária, e veio à luz em1974. Também escreveu láViatges a uns quants pobles como parte deViages i flors, e o romanceQuanta, quanta guerra....[50] Estes dois livros foran publicados em1980 e lhe permitiram vencer oPremi Ciutat de Barcelona. Nesse ano, foi também a Barcelona para pronunciar o discurso inaugural das festas daMercè.[51] Também nesse ano, venceu oPremi d'Honor de les Lletres Catalanes pela sua trajetória em língua catalã, e foi assim como atingiu a sua consagração como escritora.[47] Em1978 se publicouSemblava de seda i altres contes, coletânea de contos escritos durante a sua vida.[51]
O projeto conjunto entre Mercè Rodoreda i Manrubia chumbou.[52] Mercè Rodoreda comprou um quintal em 1977 onde fez construir uma casa ao lado da já existente, que foi acabada em 1979. Segundo Anna Maria Saludes i Amat, o fato de Rodoreda ter abandonado a casa de Manrubia foi motivado pela necessidade de Rodoreda de continuar uma vida em solidão, própria do seu jeito, consequência da difícil convivência entre as duas.[53]
Nesses últimos anos de vida, Mercè Rodoreda viu em algumas ocasiões o salto dos seus romances à televisão e ao cinema. Primeiro foi o seu romanceAloma que chegou à televisão, com direção de Lluís Pascual, em 1978. Mais tarde foi o filmeLa plaça del Diamant (1982), com a atrizSílvia Munt no rol da Colometa i com a direção deFrancesc Betriu.[51]
Sepultura de Mercè Rodoreda no cemitério de Romanyà.
Às 13:30 do dia 13 de abril de 1983, falece Mercè Rodoreda i Gurguí num hospital da cidade deGirona, por causa de umcancro de fígado muito avançado.[47] Nos seus últimos dias, quando se encontrava já interna no hospital de Girona, Mercè Rodoreda se reconcilia com a sua família, depois de eles serem avisados porJoan Sales.[54] Segundo explica a amiga íntima de Rodoreda, Isabel Parés, quando Rodoreda foi diagnosticada de cancro, a autora se desmoronou e não quis lutar por viver[54]
A morte fugiu pelo coração e quando já não tive a morte dentro de mim morri...[54]
O velório foi no Palau Solterra do departamento de Cultura da Generalitat de Catalunha, e tomando em conta a sua vontade, Rodoreda foi inumada no cemitério de Romanyà de la Selva numa cerimónica multitudinária, onde assistiram muitos colegas de profissão e outras personagens da época.[54][55] A sua herança intelectual foi doada aoInstitut d'Estudis Catalans, que anos mais tarde criou aFundació Mercè Rodoreda.[47]
Anarrativa foi o âmbito literário principal da autora, e é pelo qual é amplamente conhecida. Quando classificarmos a obra da autora, existe uma variedade de critérios, embora se divida principalmente segundo as etapas de sua vida, segundo o conteúdo (psicológico-realistas ou mítico-simbólicas) ou segundo os personagens principais (adolescência,juventude,idade adulta,velhice-morte). Principalmente, opta-se por dividir as suas obras em três etapas cronológicas e separadamente, um quarto grupo onde se incluem as duas narrações póstumas,Isabel i Maria eLa mort i la primavera. As três etapas são as obras antes da guerra (1932-1938), à qual pertencem as quatro primeiras obras de Rodoreda e a primeira versão deAloma; as obras entre o exílio e o retorno (1958-1974), na qual se encontram a maioria de obras, desdeVint-i-dos contes atéMirall trencat, e após o retorno, quando temosSemblava de seda i altres contes,Viatges i flors eQuanta, quanta guerra....
Um romance faz-se com grande quantidade de intuições, com uma certa quantidade de imponderáveis, com ânsias e ressurreições da alma, com exaltações, com desenganos, com reservas de memória involuntária... toda uma alquimia. Um romance é, também, um ato mágico. Reflete aquilo que o autor leva dentro sem que quase saiba que vai carregado com tanto peso.[56]
A obra de Rodoreda é o fruto da evolução pessoal e literária da autora. Apreciam-se principalmente influências deMarcel Proust,Joan Sales,Armand Obiols,Virginia Woolf,Thomas Mann,Víctor Català, Josep Carner e Liceu Dalmau.[57][12][58] Ainda que se possa encontrar a pegada dos diferentes autores ao longo de toda a sua obra literária, é logo nas primeiras obras, quando achava o seu próprio estilo, onde esta influência é mais evidente. Por exemplo, emDel que hom no pot fugir a protagonista está claramente inspirada no personagem Jacobé da obraJacobé i altres narracions do autorJoaquim Ruyra.[59]
A influência que exerceram tanto Armand Obiols quanto Joan Sales apresenta-se tanto em suas obras como na correspondência de mestrado que mantinham. Armand Obiols, parceiro sentimental por muitos anos, tomou o rol de conselheiro e leitor crítico no arranjamento dos seus romances entre 1939 e 1971, e influenciou-a principalmente na organização e estruturação de alguma das peças mais conhecidas da autora. No mesmo sentido, Obiols proporcionou-lhe as novidades bibliográficas daquele momento e as suas próprias preferências, as quais também acabaram por influenciá-la, comoAndré Gide eJean-Paul Sartre. Nas primeiras obras, a influência doGrup de Sabadell, do qual Obiols formava parte, motivou um apertamento ao espaço urbano e à crítica social;Un dia en la vida d'un home é um bom exemplo de esta nova maneira de fazer literatura. Tanto o valor da universalidade deLa Plaça del Diamant quanto da estruturação e coerência na altura de criar as complexas relações entre os personagens deMirall trencat foram reforçados pelos conselhos de Armand Obiols.[60] Ainda que em menor medida, a influência de Joan Sales também é de salientar, já que foi o editor principal dos seus trabalhos, desdeLa plaça del Diamant, e ao mesmo tempo tomou o rol de assessor literário. Joan Sales, através do seu assessoramento sobre aspetos linguísticos e estilísticos, influenciou e ajudou na evolução e a melhora do estilo de Rodoreda. Contudo, a evolução final das suas obras estavam marcadas pela decisão tomada pela autora, e como dizAnna M. Saludes estes conselhos e recomendações dos dois autores nem sempre eram aceites por Rodoreda.[60]
A influência dos escritores psicologistas europeus, especialmente de Virginia Woolf, Marcel Proust e Thomas Mann, é presente em toda a obra da autora, com exceção das obras mítico-simbólicas da última fase da sua vida.[61] A obra de Mercè Rodoreda tem sido comparada, por causa do estilo e da sua capacidade de descrição, com a da escritora Virginia Woolf, a quem admirava.[62] Um de estes paralelismos poderia ser a passividade das protagonistas femininas mais representativas, como Natàlia (La plaça del Diamant), Cecília (El carrer de les Camèlies) ou Teresa Goday (Mirall trencat), perante a impossibilidade de mudar os acontecimentos marcados pelo avanço do tempo cronológico.[61][62] A influência deMarcel Proust é presente na estruturação das obras de Rodoreda, já que o tempo avança sem se deter, e o passado o pega tudo quando passa. A lembrança de um tempo anterior, convertido em ânsia, transforma-se num símbolo negativo nos protagonistas, por causa da impossibilidade de recuperar o «tempo perdido»[63] Rodoreda seguiu de este autor o uso da lembrança como atualizador de um tempo anterior.[61] Outra caraterística que partilham é a necessidade de lembrar e de manter segredos no desenvolvimento da narração. No romance psicológico de ambos os dois autores se apresenta a esperança do futuro, onde o anelo do futuro representa a superacção do presente e do passado agónico.[63] Rodoreda aprendeu, destes autores, o uso da lembrança como atualizador de um tempo anterior. No entanto, nas últimas obras, Rodoreda tentará fugir da evolução natural das coisas, através da criação de universos fictícios com um tempo e um espaço diferente, onde é possível controlar a passagem do tempo.[61] A influência mais visível de Thomas Mann nas narrações de Rodoreda é a universalização descritiva através da inexatidão cronológica que facilita a fluidez e a naturalidade.[64]
A influência de Cateria Albert, mais conhecida sob o nome deVíctor Català, é muito presente, principalmente nas primeiras obras criativas de Mercè Rodoreda —publicações entre 1932 e 1938—, especialmente influenciadas pelo romanceSolitud. No entanto, podem-se encontrar também alguns paralelismos nas obras seguintes aos anos trinta. Por exemplo, o contoCarnaval de Rodoreda lembra a obraCarnestoltes de Víctor Català, ou alguns elementos deLa mort i la primavera lembram a obraSolitud.[65] Rodoreda tinha lido alguma das obras de Cateria Albert, das quais utilizou alguns recursos expressivos como a falácia patética e algumas imagens simbólicas como elementos danatureza.[66] Numa comparativa de algumas obras de ambas as duas escritoras se podem encontrar paralelismos na construção dos roteiros, na constituição das personagens e também na temática.
E me faz pensar em Víctor Català a maneira como você se fala em diálogo pessoal, e a forma como se expressa nos vossos personagens.[65]
O simbolismo é um recurso literário muito comum nas obras de Mercè Rodoreda, especialmente na sua obra narrativa. É utilizado para exprimir os constantes pensamentos interiores das suas personagens; Rodoreda consegue transformar o leitor num confidente involuntário que vive as ânsias dos personagens com só a palavra, os símbolos e as imagens.[67] Os referentes da realidade que utiliza nos seus símbolos provêm da sua imaginação a partir dos seus conhecimentos culturais adquiridos ao longo da sua vida, em alguns casos, damitologia catalã, como por exemplo asEncantades.[68] Sem deixar estes referentes, cria uma linguagem simbólica que possa ser interpretada pelo leitor sem dificuldades e apresenta um alto grau de fabulação em muitas das suas obras, especialmente nas últimas comoViatges i flors.[68] SegundoPere Gimferrer noDietari 1979-80, fruto de uma perfeição tanto formal como linguística, Rodoreda teve muito cuidado na altura de utilizar imagens e símbolos conceituais.[67]
Possivelmente graças à procura da musicalidade na poesia, Mercè Rodoreda aprenderá a buscar a musicalidade das palavras, o ritmo como feiticeiro que será caraterístico da sua prosa. [...] e a poeticidade a encontrará dentro da mais estrita quotidianidade, ou dentro de universos imaginários, profundamente pessoais.[69]
A obra literária de Mercè Rodoreda carateriza-se por um uso de personagens principais femininas nos seus romances, exceto emUn dia de la vida d'un home eQuanta, quante guerra.... Este facto provoca que, erroneamente, se associasse Rodoreda com omovimento feminista, mesmo que Rodoreda o desmentisse em várias ocasiões.
Acho que o feminismo é como o sarampo. Na época das sufragistas tinha um sentido, mas na época atual, onde todos fazem o que quiserem, acho que o feminismo não tem sentido.[70]
Ao longo da sua obra apresenta uma grande variedade de mulheres que pertencem a diferentesclasses sociais, idades ou níveis culturais, a quem às vezes dá voz própria através do uso daautodiegese ou dahomodiegese e o monólogo interior no qual é muito caraterístico da autora.[71] A solidão e a incomunicação, caraterísticas das mulheres de Rodoreda, ajudam à introspeção e ao desenvolvimento do mundo interior.[72]
As personagens protagonistas femininas, além de estarem condicionados pela problemática da maternidade, também estão submissas à problemática do homem, que em muitos casos provoca um desejo de encontrar um espaço próprio.[73] Por exemplo, o personagem masculino de Quimet emLa plaça del Diamant impede a realização pessoal da Natàlia, que está submissa à dominação masculina do seu marido e que até lhe anula a própria identidade, impondo uma outra (La Colometa).[73]
Grande parte das mulheres de Rodoreda, por herança de Virginia Woolf, apresentam a casa como o refúgio que permite se isolarem da realidade exterior, que atinge até o ponto que sair ao exterior lhes produz mal-estar e se sentem abandonadas. Tanto a casa como o jardim (como por exemplo na obraAloma) se convertem num símbolo obsessivo que representa a mãe que as protege em excesso do mundo exterior.[74]
Segundo explicou Mercè Rodoreda no prefácio deMirall trencat, osanjos aparecem curiosamente em parte das suas obras de maneira involuntária. Lembra-nos que o seu avô explicava que ela tinha umanjo da guarda por quem se apaixonou. Segundo explica, poderia ser que fosse o produto desta lembrança o facto que a induzisse a fazer aparecer anjos nas suas obras sem nem ter consciência. Rodoreda não reparou até à escrita deEl carrer de les Camèlies com Cecília Ce. No entanto, de esse momento em diante qualquer presença de anjos nas suas obras seguintes foi por vontade da autora.[70] La Plaça del Diamant, Mirall trencat ou Semblava de seda são exemplos de obras nas quais se pode encontrar a presença de estas entidades divinas.[75]
E por cima das vozes que vinham de longe e não se entendia o que diziam, se levantou um cantar de anjos, mas um cantar de anjos zangados que repreendiam a gente e explicavam que estavam perante as almas de todos os soldados mortos na guerra, e o cantar dizia que olhassem para o mal que se tinha feito para que todos rezassem para acabar com o mal.[75]
A obra poética de Mercè Rodoreda concentrou-se principalmente entre os anos1950 e1960, até que a abandonou para se dedicar plenamente à criação romancística. Esta criação poética passou quase desapercebida, embora tinha recebido muitos prêmios, e foi de maneira póstuma quando se descobriu esta coletânea de poemas que, segundo os expertos, são equiparáveis qualitativamente com os de outros poetas da época.[57][58]Josep Carner foi como um mestre para Rodoreda e converteu-se numa figura chave na criação poética de Rodoreda, já que se encarregou ocasionalmente de guiar, revisar e até doutrinar as criaçõesmétricas da poetisa.
A poesia de Rodoreda carateriza-se por seguir uma tradiçãopós-simbolista[76] ouneosimbolista[77] muito forte, que se manifesta no tratamento de algumas temáticas e na escolha da iconografia ocidental clássica, como por exemploOfélia,Judite ouNausícaa.[76] Segundo Abraham Mohino, a poesia de Rodoreda é muito próxima estilisticamente a algumas criações dePaul Valéry e também às percepções deRainer Maria Rilke no tema da «morte própria».[77]
Mercè Rodoreda foi nomeadaMestre en Gai Saber nosJocs Florals no exílio, após ter vencido nos anos 1947, 1948 e 1949, mas apenas viu publicados em vida uma coletânea dos seus poemas na revista literáriaEls Marges, que publicou um pequeno avance dossonetos da autora.[78] Não foi até2002, quase vinte anos depois da sua morte, que esses poemas foram resgatados e publicados numa coletânea intituladaAgonia de Llum. A publicação oferece cento e cinco poemas (101 sonetos e quatrocanções), dos quais a maioria inéditos.[78] 1999 Nancy L. Bundy publicou uma tradução aoinglês dos poemas escritos na revista Els Marges, numa revistauniversitária deLondres.[78] Segundo Abraham Mohino, os poemas de Mercè Rodoreda são "densos, herméticos, com um elevado sentido trágico e muito lindos".[78]
Mohino organizou a obra poética de Rodoreda em cinco partes:Món d'Ulises,Albes i nits,D'amor i de mort,Illa dels lliris vermells eBestioles. OMón d'Ulisses contém trinta e dois poemas como resposta a um encargo de Carner de fazer uma recriação daOdisseia em verso. Caraterizam-se por um sentimento claro de exílio.Albes i nits, formado por sete poemas, eD'amor i de mort, por vinte e sete, têm um sentimento de ânsia, perda e de impossibilidade amorosa. AIlla dels lliris vermells de dezenove poemas eBestioles de quinze são versos mais maduros, breves e menos dramáticos que o resto.[78][79]
O interesse de Rodoreda pelo teatro tem sua origem quando, com só cinco anos, atuou por vez primeira num cenário no rol da pequenaKetty na peça teatralEl misteriós Jimmy Samson, no teatro Torrent de les Flors. Possivelmente, este interesse nasceu dos seus pais, que eram uns grandes afeiçoados, e que até receberam aulas dedramaturgia. A amiga íntima de Rodoreda,Anna Murià, explicou numa entrevista que o entusiasmo de Rodoreda pelo teatro aumentou durante o exílio.[80]
A temática das suas criações teatrais é uma trasladação da obra narrativa, baseada nas histórias de amor impossíveis condenadas ao fracasso, e tratando temas como o desencantamento existencial, a tristeza, a dor e a falsidade.[81] SegundoFrancesc Massip, uma das poucas críticas que se podem fazer a Mercè Rodoreda sobre as suas criações teatrais é a "falta de contato com a prática teatral" nos seus textos que lhe teriam permitido revisar "os seus textos dramáticos num caminho de aprendizagem das regras da cena".[81]
Em 1959 escreveu a peça teatralUn dia, com a ideia de apresentá-la aoPremi Ignasi Iglésias de teatro, porém o prêmio deixou de se comemorar. Rodoreda também não conseguiu estreá-la em teatro nenhum, e por isso acabou por desistir. Mais tarde,Un dia serviu de base para escrever um dos seus romances mais conhecidos,Mirall trencat, após reelaborá-lo e adaptá-lo como romance.[80] Não foi até depois da sua morte, em 1993, quandoUn dia foi representada nos cenários numa produção deCalixto Bieito no marco doFestival Grec, onde não obteve muito sucesso; o ano seguinte foi representada mais outra vez noMercat de les Flors após uma revisão dramatúrgica com melhoras em base ao romance.[80]Un dia caracteriza-se por retrospeções mais próprias da linguagem cinematográfica do que teatral, e que impedem uma estrutura cênica eficaz.[82]
Em 1973 escreveuLa Senyora Florentina i el seu amor Homer, que consistia numa história de caráter clássico onde se salientam as vozes femininas caraterísticas da autora. No entanto, já em 1967 Rodoreda tinha escrito o monólogo da doméstica Zerafina, já que foi publicado dentro dos contos deLa meva Cristina.Mario Gas foi o encarregado de levar a peça em 1993 aoTeatre Romea, onde participou a atriz Rosa Novell no papel de protagonista.[82]
El maniquí 1 eEl maniquí 2 foram escritas cerca de 1979 e eram uma representação doteatro do absurdo que tinham como protagonista ummanequim. Segundo Francesc Massip, foi a peça teatral «formalmente mais inovadora e atrevida».[81]
Mercè Rodoreda chegou ao âmbito da pintura num período da sua vida que atingiu dos últimos anos de residência em Paris até que venceu oPremi Víctor Català (1957), momento em que decidiu dedicar-se exclusivamente à escrita. Neste período, Rodoreda tentou, por duas vezes, fazer uma exposição das suas pinturas, ainda que em ambos os dois casos a tentativa foi vã. A primeira tentativa foi no outono de 1953 na sala Mirador de Paris, e a segunda na primavera de 1957, já em Barcelona. A sua principal influência na expressão plástica foiPaul Klee, e em menor medidaJoan Miró,Jean Dubuffet,Wassily Kandinsky ouPablo Picasso.[57][83][84]
Rodoreda pintou por volta de 150 quadros, dos quais apenas 20 pertencem àFundació Mercè Rodoreda, e os outros estão espalhados entre particulares, porque foram vendidos numa exposição realizada em 1991 emCalldetenes com 122 obras, adquiridas na maioria por particulares. Por volta de 60 de estas 150 obras pertencem atualmente à família Borràs-Gras.[83] Rodoreda não datava nenhum dos seus quadros, ainda que assinava alguns deles.[84]
O estilo plástico é muito próximo ao da sua obra literária, e se caracteriza pela simplicidade. Rodoreda disse que o mais simples é o mais difícil de conseguir, o mais elaborado. Outro paralelismo com a sua narrativa apresenta-se no interesse de Rodoreda pelo movimento que se pode entrever em alguns dos seus quadros.[83]
A sua pintura é como a sua literatura: processo espiritual, experimentação ética e estética, um conjunto de imagens abertas que não deixam impertérrito o nosso olhar, que nos comove.[83]
–Mercè Ibarz
Mercè Rodoreda usou a pintura como pretexto de expressão quando não podia expressar através do romance longo, e vivia um momento muito duro da sua vida. Não só isso, reconheceu que, se não tivesse sido pela expressão plástica, se teria lançado aorio Sena, já que era para ela um espaço de evasão.[84] No entanto, também fiz isto para ganhar algum dinheiro quando acabou o trabalho de modista.
Nas suas pinturas em papelcanson háaguarelas,aguadas ecolagens, o que faz pensar numa variedade pobre de técnicas plásticas. Seguindo os modelos de pós-guerra europeus, marcados pelas duas guerras mundiais e aGuerra Fria, as suas obras tinham um caráter paródico, grotesco, ambíguo, cruel e fragmentado.[84]
Entre as suas pinturas, há uma colagem realizado com cortes das listas de falecidos noscampos de extermínio, ou em outra fez aparecer o conhecido cavalo siciliano com que Rodoreda ameaçava Carme Murià que voltaria para deixar pegada na sua obra, quando vivia um dos seus piores momentos no exílio na França.[83]
O reconhecimento literário à figura de Mercè Rodoreda chegou pouco antes da sua morte, quando venceu oPremi d'Honor de les Lletres Catalanes de 1980. Contudo, já tinha sido reconhecida e valorada ainda mais após a sua morte. Rodoreda foi uma pessoa muito reservada, e foi logo após a morte que se descobriu que era muito mais poliédrica no âmbito das artes do que ela própria nos deixou entrever.
Também após a sua morte, em 2002, se publicou uma coletânea de toda a produção poética de Rodoreda, intituladaAgonia de llum, nome do poema XXXVIII do livro de poesia do seu curadorAbraham Mohino e publicado porAngle Editorial. Contém 105 poemas divididos em cinco partes, tanto inéditos quanto editados anteriormente em revistas.[79]
Ocorpus completo de Rodoreda, com exceção deEl parc de les magnòlies, foi publicado postumamente;[81] um exemplo de este fato foi a publicação, em 1993, da sua peça teatralEl torrent de les flors, que era o nome do teatro onde Rodoreda estreou como atriz na idade de cinco anos.[80]
↑Josep M. Gurguí, Margarida Puig, Isabel Parés, Montserrat Casals, Núria Folch, Pere Gimferrer, Josep Maria Castellet (diretor Joan Úbeda) ano.'Mercè Rodoreda, vida secreta' (Produção Televisiva).TV3. Em cena em 00:20:28 - 00:20:52
↑Josep M. Gurguí, Margarida Puig, Isabel Parés, Montserrat Casals, Núria Folch, Pere Gimferrer, Josep Maria Castellet (direção Joan Úbeda) ano.'Mercè Rodoreda, vida secreta' (Produção Televisiva).TV3. Em cena em 00:22:56 - 00:25:00
↑Josep M. Gurguí, Margarida Puig, Isabel Parés, Montserrat Casals, Núria Folch, Pere Gimferrer, Josep Maria Castellet (direção Joan Úbeda) ano.'Mercè Rodoreda, vida secreta' (Produção Televisiva).TV3. Em cena em 00:25:07 - 00:27:55
↑abcdVilallonga, Borja. «El recer celest a Romanyà». Revista de Girona, núm.247, 2008, pág. 85-86
↑abVilallonga, Borja. «El recer celest a Romanyà». Revista de Girona, núm.247, 2008, pág. 87
↑abcdeJosep M. Gurguí, Margarida Puig, Isabel Parés, Montserrat Casals, Núria Folch, Pere Gimferrer, Josep Maria Castellet (direção Joan Úbeda)ano.'Mercè Rodoreda, vida secreta' (Produção Televisiva).TV3. Em cena em 00:32:20 - 00:35:00
↑abCortés Orts, Carles (2001).II Jordanes d'Estudi, Vida i obra de Caterina Albert i Paradís. [S.l.]: Publicacions de l'Abadia de Montserrat. p. 203-204.ISBN8484153916
↑Cortés Orts, Carles (2001).II Jordanes d'Estudi, Vida i obra de Caterina Albert i Paradís. [S.l.]: Publicacions de l'Abadia de Montserrat. p. 229-230.ISBN8484153916
Cortés Orts, Carles (2002).La superació del pas del temps en els personatges de Mercè Rodoreda (alguns paral·lels amb l'obra de Virginia Woolf, Marcel Proust i Thomas Mann. [S.l.]: Publicacions de l'Abadia de Montserrat. p. 18-19.ISBN9788484153337
Massip, Francesc (janeiro 2008). «El teatre de Mercè Rodoreda».Serra d'Or (577)
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