Andrade chegou a ganhar de alguns historiadores o apelido de "O Pelé dos anos 20", pelo tamanho da idolatria que despertou,[2] parte dela atribuída à fascinação que a cidade deParis nadécada de 1920, onde o jogador brilhou, vinha sentido na época pela cultura africana, mesmo que estereotipada - sendo um negro em campo, algo quase inédito no futeboleuropeu, Andrade despertava uma atenção especial, em viés considerado como "racismo condescendente" do qual soubera tirar proveito.[7]
Quem pesquisa relatos de época de seu estilo, posicionamento e desempenho também o compara ao francêsZinédine Zidane.[8] Teve, porém, uma trajetória na qual é difícil a separação entre realidade e lendas;[7] sua participação em campo era clara: recuperar a bola e entrega-la aos atacantes, sem quase pisar na área rival, mas armando jogo sem descuidar-se do aspecto defensivo,[9] com determinado especialista no futebol uruguaio reconhecendo que a semelhança com Pelé limita-se à cor da pele, esclarecendo que "Andrade jogava como lateral-direito. Poderíamos compará-lo aMarcelo ou aDaniel Alves em seu melhor momento", não sendo na época exatamente o jogador melhor avaliado tecnicamente pelos próprios uruguaios.[7]
Dono de um físico privilegiado (media 1,80 m e pesava 79 kg) era esguio e veloz. Ficaram famosos os seus carrinhos na bola, um recurso chamado detijera (tesoura), interceptando jogadas com muita desenvoltura. Reunia elegância, inteligência, elasticidade e tenacidade, sendo para os que o viram a conformação do futebolista ideal.[1] Andrade foi eleito o 20º melhor jogador sul-americano e o 29º melhor jogador do mundo em eleições promovidas em 2000 pelaFederação Internacional de História e Estatísticas do Futebol, alusivas aoséculo XX. Também já ocupou o sexto lugar de uma lista de melhores da história promovida pela revistaFrance Football. Sua figura estampa oHall da Fama daFIFA.[1]
Desde 1922, o futebol uruguaio passava por um cisma, a durar até 1925, separando os dois principais clubes do país:[carece de fontes?] oNacional permanecia na liga reconhecida pelaFIFA e oPeñarol, em outra, privando os jogadores aurinegros de integrarem a seleção uruguaia.[11] Sem o Peñarol, o Bella Vista de Nasazzi e Andrade tornou-se o principal concorrente do Nacional no campeonato de 1924,[12] bem como foi o segundo clube mais representado entre os uruguaios titulares nafinal da Copa do Mundo FIFA de 1930.[3] Em 1924, Nasazzi e Andrade também integraram como titulares a seleçãocampeã olímpica.[carece de fontes?]
Andrade passou ao Nacional em 1925, integrando a vitoriosa excursão dos tricolores àEuropa. No ano seguinte ao primeiro ouro olímpico do futebol uruguaio e sul-americano, a viagem confirmou o valor do futebol uruguaio. 700 mil pessoas viram a equipe ao longo de 38 partidas. Nasazzi também participou, emprestado. Foram 130 gols marcados, somente 30 sofridos, com 26 vitórias e somente cinco derrotas.
A mesma foto acima reproduzida sob a anúncio "o famoso time uruguaio de futebol" nosEUA em 1927. Andrade é o único jogador a merecer uma descrição na escalação: "o maior jogador de cor no mundo, cujas jogadas vêm sendo uma sensação por vários anos".
Não houve campeonato uruguaio naquele ano, com as ligas cismadas reunificando-se em 1926. O Nacional, porém, só voltaria a ser campeão em 1933, nem sempre por falta de méritos: não houve campeonato também em 1930, em função daprimeira Copa do Mundo,[carece de fontes?] realizada noUruguai e para a qual o clube foi base da seleção, com quatro titulares na decisão, incluindo Andrade,[3] e nove convocados,[16] que seriam respectivamente cinco e dez se o goleiroAndrés Mazali não fosse previamente afastado uma semana antes da estreia, por indisciplina ao abandonar a concentração de oito semanas.[17]
Assim, entre 1924 e 1933 as maiores glórias do Nacional se deram no exterior. Em 1927, o time promoveu nova excursão, dessa vez nasAméricas Central edo Norte, com vitórias sobre asseleções mexicana eespanhola.[18] Nessa excursão, inclusive, Andrade teria impressionado o jovemjazzistaLouis Armstrong, que chegou a procura-lo ao visitarMontevidéu em 1957 e ficar consternado ao saber que o jogador, naquele mesmo ano, havia recentemente falecido.[7]
Estreou pelaSeleção Uruguaia de Futebol em 1923, totalizando 34 jogos oficias e um gol. Sua estreia deu-se em24 de junho,[carece de fontes?]data em que o Uruguai empatou em 0-0 com aArgentina pela Copa Lipton, emBuenos Aires.[carece de fontes?] ACeleste foi a primeira seleção de um país predominantemente branco a usar frequentemente jogadores negros, o que ocorria pelo menos desde adécada de 1910, de modo que Andrade não foi o primeiro. Foi, porém, o primeiro a se destacar a nível mundial.[3]
Em 1923, ainda jogava noBella Vista e naquele mesmo ano, integrou, já como titular, a campanha uruguaia vitoriosa naCopa América de 1923. No ano seguinte, foi titular também na conquista dasOlimpíadas de Paris, jogando as cinco partidas.[carece de fontes?] Lá, foi apelidado de "A Maravilha Negra" pelosfranceses.[3] A grande exibição veio em um 7-0 naIugoslávia, que sentia confiança na vitória após relatórios de espiões que haviam visto o treino dos uruguaios - sem saber que haviam sido descobertos, com os sul-americanos passando a errar propositalmente no treinamento. Os uruguaios inicialmente atraíam vinte mil pessoas; 51 mil viriam a assistir um 5-1 na anfitriãFrança.[8]
Após a conquista, os uruguaios deram uma volta completa no campo, andando pela pista lateral e acenando para a plateia, inaugurando o gesto que ficaria conhecido como "volta olímpica", repetido por eles nas duas conquistas mundiais seguintes e posteriormente adotado por todos os países.[22] Sobre a exibição daCeleste, o correspondente espanhol Enrique Carcellach escreveu que "venho assistindo futebol há vinte anos e nunca havia visto nenhum time jogar com a maestria dessa seleção do Uruguai. Eu não imaginava que futebol poderia ser oferecido a esse grau de virtuosismo, esse limite artístico. Eles estão jogando xadrez com os pés!". Já o Gabriel Hanot, editor doL'Équipe, assinalou que os jogadores uruguaios eram comopuros-sangue ingleses perto de cavalos de fazenda", comparando-os aos europeus.[8]
Outros veículos da imprensa europeia registram impressões de espanto similares: "os uruguaios são pessoas flexíveis, discípulos do espírito de finesse. Eles desenvolveram com primor, e talvez até mesmo em excesso, a arte de fingir, de se esquivar, de mudar de pé, de girar de um lado e de outro com o corpo, de mudar de direção na corrida", exaltou o jornal francêsLe Miroir des Sports, enquanto aitalianaLa Gazzetta dello Sport registrou que usou termos como "fraseado musical" e "perfeição estilística" para rotular os celestes. Em meio à fascinação gerada por toda a seleção sul-americana, Andrade, como único negro em tempos em que negros eram raríssimos no futebol europeu, foi visto de modo especial pela mídia local, a desenvolver uma espécie de fetiche pela "Maravilha Negra", embora ele não fosse exatamente o melhor jogador do time.[7]
Na edição de 1927, o Uruguai, com Andrade titular, foi vice-campeão para aArgentina. A colocação bastou para qualificar aCeleste àsOlimpíadas de 1928.[carece de fontes?] Andrade, que já estava decadente em função dasífilis contraída naEuropa anos antes, de início recusou a participar das Olimpíadas se não recebesse compensação financeira.Eduardo Martínez chegou a viajar em seu lugar paraAmsterdã, mas Andrade cedeu no último instante, embarcando noRio de Janeiro rumou aos Jogos. Martínez permaneceu, mas acabou não inscrito.[7]
Andrade participou desde a estreia, na vitória por 2-0 sobre os anfitriõesPaíses Baixos,[carece de fontes?] cuja torcida passou a vaiar os uruguaios nas partidas seguintes, mas aCeleste ainda assim conseguiu o bicampeonato.[23] Andrade esteve em quatro das cinco partidas, ausentando-se somente nas quartas-de-final contra aAlemanha.[carece de fontes?]
Dono de um único gol pela seleção, Andrade marcou-o naCopa América de 1929; foi o último, no minuto 69, de vitória por 4-1 sobre oPeru, assinalando placar provisório de 4-0. A campeã terminou sendo a Argentina. Andrade fez seus últimos jogos em 1930,[carece de fontes?] quando foi titular naprimeira Copa do Mundo, jogando as quatro partidas.[9] Ele já não estava na melhor forma, mas bastou para ser escalado no "time ideal" da competição.[8]
Na decisão, ele falhou no segundo gol argentino, com o artilheiroGuillermo Stábile se antecipando a Andrade para marcar e, àquela altura, virar a partida para 2-1, ainda que o lance tenha sido bastante contestado pelos uruguaios, que alegavam impedimento. ACeleste, porém, recuperou-se com três gols no segundo tempo, vencendo de virada por 4-2. Mas sem tranquilidade: entre o terceiro gol, aos 23 minutos, e o quarto, no penúltimo, os argentinos dominaram, pressionando pelo empate.[24] E Andrade, que anulou a velocidade deMario Evaristo,[25] também salvou em cima da linha uma tentativa deFrancisco Varallo.[26]
A final, em30 de julho,[carece de fontes?] marcou sua despedida daCeleste.[carece de fontes?] AFIFA considerou-o o terceiro melhor jogador do torneio, avaliação que teria levado em consideração mais a fama do que o desempenho real de Andrade: em registros da época na imprensa uruguaia, o jogador tinha seu declínio visível ressaltado, sendo visto como um dos melhores desempenho na competição, especialmente na final.[7]
Andrade nasceu na fronteira com aArgentina e sua mãe seria deste país. Conta-se que seu pai também vinha de um país vizinho, oBrasil, onde seria um ex-escravo fugido. Seria José Ignacio Andrade, registrado na certidão de nascimento como testemunha e não pai; o jogador seria filho ilegítimo. Os relatos de sua vida são imprecisos, dificultando a separação entre realidade e ficção, sendo divulgando que seu pai biológico tinha experiência comcandomblé e já teria 98 anos quando Andrade nasceu. Na juventude, o jogador teria sido gigolô.[8]
O estilo de vida boêmio e a origem humilde também suscitaram lendas sobre Andrade. Uma delas sugere que, durante os Jogos Olímpicos de Paris, Andrade teve um caso comColette, renomada escritora francesa que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1938. Segundo consta também, ele conheceu e dançou um tango comJosephine Baker, a mais famosa dançarina francesa da época;[2] em outras versões, o encontro com Josephine deu-se em 1925, na excursão com oNacional.[7] Após asOlimpíadas de 1924, teria tentado carreira musical emParis, como bailarino e cantor detango. Também teria desenvolvido caso com uma condessa loira e de olhos azuis, que chegou a vir aoUruguai para tentar trazê-lo de volta.[1] A realidade é que ele de fato casou-se com uma loira, mas uma argentina de sobrenome Francolino.[7]
Na capital francesa, Andrade chegou a ser encontrado rodeado de mulheres em uma área nobre da cidade pelo colegaÁngel Romano, enviado para encontrar Andrade, que regularmente deixava a concentração na capital francesa. Voltou de lá como umdândi, com luvas amarelas, casaco caro, botas de couro, colarinho estampado e chapéu elegante. Acabou por ofender membros da comunidade negra deMontevidéu ao ausentar-se de uma festa que preparam em sua homenagem, sendo visto como arrogante,[8] e até mesmo como traidor da própria raça. Somente cerca de oito décadas depois, uma biografia do jogador (intituladaGloria y Tormento) esclareceu que ele, em correspondência sem denotar qualquer desprezo à sua comunidade, teria avisado de antemão a impossibilidade de comparecer ao evento, o que não impediu que algum ressentimento fosse mantido, ainda que atenuado, após tanto tempo de tradição oral repassada aos descendentes dos "esnobados" pelo craque - inclusive porque o compromisso inadiável seria um encontro clandestino com uma mulher casada e da alta sociedade.[7]
A vida desregrada, no entanto, cobraria seu preço. Em 1925, em meio à excursão europeia com oNacional, ele foi diagnosticado com sífilis em Bruxelas e ficou meses inativo, abandonando o elenco para visitarParis, regressando a Montevidéu com dois meses de atraso, visivelmente mais magro. A doença também teria contribuído para cegueira de um de seus olhos, com outra versão sugerindo que a deficiência decorreu de um choque com uma trave na semifinal olímpica de 1928.[8]
Andrade também foi um grande entusiasta do carnaval, e tocava vários instrumentos de percussão, além de violino.[2] Bastante orgulhoso, não era de pedir publicamente favores, o que também teria contribuído para a queda de qualidade da sua vida.[8] Mesmo decadente, teria impressionado ojazzistaLouis Armstrong na excursão do Nacional pelosEstados Unidos em 1927, a ponto de biógrafos do jogador sugerirem que o músico inspirou-se no uruguaio para consolidar um estilo de improvisos e quebras rítmicas, em obras datadas a partir da época em que conhecera o jogador.[7]
Ele já estava longe da melhor forma quando venceu aCopa do Mundo FIFA de 1930, ainda que tenha sido incluso na seleção de melhores jogadores do torneio. Com o fim da carreira, sofreu com oalcoolismo,depressão e um casamento problemático. Chegou a ser convidado de honra para presenciar aCopa do Mundo FIFA de 1950, onde jogou seu sobrinho,Víctor Rodríguez Andrade, que havia adicionado o sobrenome do tio para honra-lo. Seis anos depois, ao ser procurado por um jornalista alemão em Montevidéu, inviabilizou a entrevista ao, bastante bêbado, não conseguir entender as perguntas. Faleceu no ano seguinte, sem patrimônio, em umasilo,[8] cego e esquecido,[1] cuidado apenas por uma irmã.[7]