A mulher na História desde aPré-História até os dias atuais.

As civilizações antigas (Elam,Creta,Suméria,Egito,Babilônia,Grécia,Roma, entre outras) foram prolixas[1] em cultuar a mulher e a feminilidade na figura dedeusas (horas,erínias,moiras,musas), sacerdotisas (Enheduana,Diotima de Mantinea,Temistocléia) sábias, filósofas, matemáticas (Hipátia de Alexandria,Theano,Damo),pitonisas (Pítia),amazonas (ou guerreiras). Este culto insere-se dentro de um contexto social e religioso cujas raízes remontam aos registros pré-históricos doPaleolítico e doNeolítico[2][3] ou ainda a uma fase informe do mundo, quando surgiu o primeiro sentimento religioso da humanidade, que era o de adoração àDeusa Mãe ouMãe Terra[2]: a religião se expressava pela adoração à Terra, às águas, à Natureza, aos ciclos e à fertilidade.[2][4]. Inúmeros autores consideram que o longo período, que se estendeu da Pré-história às civilizações pré-helênicas, e que foi caracterizado pela adoração à Deusa mãe, teria sido concomitante a uma estrutura social na qual o elemento feminino era preponderante, isto é, umamatriarcado[5][6].
SegundoJ. J. Bachofen[7], a hipótese de clãs matriarcais pode ser confirmada pela descrição da trajetória da economia do período paleolítico (2.6 milhões de anos a 10.000 a.C.), caracterizado porcaçador-coletor, isto é, atividade 80% de recolha daquilo que a natureza fornece espontaneamente. Esta atividade precede arevolução neolítica (10.000 a 3.000 a.C.) e a consequente sedentarização, que levou à consolidação das civilizações agrícolas pelas mulheres, do Egito e daMesopotâmia, entre outras; a atividade belicosa dapecuária oudomesticação, período de consolidação do patriarcado, foi uma evolução posterior das civilizações[8][9].
Esta abordagem mítico-religiosa de umareligião matriarcal prevaleceu entre as civilizações antigas e nos respectivos mitos. Descobertas arqueológicas revelam a existência dearte rupestre e de estatuetas de culto ao corpo feminino, à fertilidade e com isso à noção de origem da vida e do mundo.[10] As mais antigas noções de criação se originavam da ideia básica do nascimento, que consistia na única origem possível das coisas e esta condição prévia do caos primordial foi extraída diretamente da teoria arcaica de que o útero cheio de sangue era capaz de criar magicamente a prole. Acreditava-se que a partir do sangue divino do útero e através de um movimento,dança ou ritmo cardíaco, que agitasse este sangue, surgissem os "frutos", a própriamaternidade. Essa é uma das razões pelas quais as danças das mulheres primitivas eram repletas em movimentos pélvicos e abdominais, que mais tarde ficaram conhecidos comodança do ventre. Muitas tradições referiram o princípio docoração materno que detém todo o poder da criação. Este coração materno, "uma energia capaz de coagular o caos espumoso".[11]
Os egípcios, noshieróglifos, chamaram este coração deab ouib[12] esta palavra também foi usada para chamar depai o Deus doshebreus.[13][14] Segundo alguns estudos, acredita-se que o patriarcalismo consolidado pelos hebreus deveu-se a diversos fatores: constantes deslocamentos territoriais e posterior necessidade de sedentarização[15], e com isso à divisão entre público e privado, além de organização militar e limites territoriais, a atividade belicosa de pastoreio de gado bovino e caprino[16], as constantes perseguições religiosas que desencadeavam onomadismo e a perda de identidade territorial.[9] A despeito da deliberação cultural para instituir uma cultura patriarcal, a etimologia revela que[17]ab são as duas primeiras letras do alfabeto hebraico e grego, respectivamente:a=aleph ealpha ou no hebraicopai; eb=bet ebeta ou no hebraicoútero oucasa e é uma palavra feminina. A união destas compõe a própria palavraalfabeto ouA Palavra, ou oVerbo, segundo a Bíblia, ou o próprioDeus ou, dentro desta concepção hebraica,pai e mãe.[17]
Segundo a religião egípcia, a parte mais importante daalma era oIb (jb) oucoração. OIb,[18] ou coração metafísico, era concebido como uma gota do coração da mãe para a criança durante a concepção.[19]
Diversos autores modernos analisam a estória da criação do "Gênesis" sob uma perspectiva não-cristã a qual seria definir a Bíblia como uma narrativa alegórica sobre a divindade hebraicaYavé suplantando a religião da Deusa mãe, representada pelaárvore da vida. Isto é demonstrado na passagem sobre a origem dopecado em que o conhecimento proibido relaciona-se a sexo, sexualidade ereprodução, especialmente o conhecimento de que os homens participam da reprodução e que a estória descreve o processo pelo qual sociedades matriarcais tradicionais foram substituídas por sociedades patriarcais[20][21].
Estes autores argumentam que várias religiões doOriente Próximo representavam a Deusa mãe por umaserpente e outras por uma simbologia de comunhão realizada pelo ato de comer uma fruta de uma árvore que crescesse perto doaltar dedicado à Deusa; estes cultos pagãos seriam a fonte histórica da narração bíblica.[22][21]


As mais recentes descobertas de uma religião humana remontam inicialmente ao culto aos mortos (300.000 a.C.), e ao intenso culto da cor vermelha ouocre associado ao sangue menstrual e ao poder de dar a vida. Namitologia grega, a chamadamãe de todos os deuses, a deusaRéia (ouCibele, entre os romanos), também representada pela imagem de uma mulher ladeada por duas leoas, exprime este culto na própriaetimologia:réia significaterra oufluxo.[23] Campbell argumenta queAdão, do hebraicoאדם relacionado tanto aadamá ousolo vermelho ou dobarro vermelho, quanto aadom ouvermelho, edam,sangue, foi criado a partir dobarro vermelho ouargila. A identidade da religião com a Mãe terra, a fertilidade, a origem da vida e da manutenção da mesma com a mulher, seria, segundo Campbell, retratada também naBíblia: "a santidade da terra, em si, porque ela é o corpo da Deusa. Ao criar, Jeová cria o homem a partir da terra [da Deusa], do barro, e sopra vida no corpo já formado. Ele próprio não está ali, presente, nessa forma. Mas a Deusa está ali dentro, assim como continua aqui fora. O corpo de cada um é feito do corpo dela. Nessas mitologias dá se o reconhecimento dessa espécie de identidade universal".[24]
SegundoWalter Burkert, um dos mais respeitados arqueólogos da Antiguidade: "As deusas do politeísmo grego, tão diferentes e complementares, são ainda assim consistentemente similares numa etapa inicial, com uma ou outra simplesmente convertendo-se em dominante em umsantuário ou cidade. Cada uma é a Grande Deusa presidindo sobre uma sociedade masculina, cada uma é representada em seu aspecto dePotnia Theron ou 'Senhora dos Animais', incluindoHera eDeméter".[25] Ou ainda: "Em particular, parece que uma antiga deusa grega, especialmente 'qua' 'Senhora dos Animais' foi individualizada na Grécia sob várias formas, como Hera, Ártemis,Afrodite, Deméter, eAtena; e acrescenta: A ideia de uma Senhora dos Animais é amplamente disseminada na Grécia e é muito possível que tenha origens no Paleolítico; na religião oficial grega isso sobrevive no mínimo para além do folclórico" (Burkert 1985, p. 154, 172).
A mitologia grega apresentaApolo matando a sacerdotisaPíton, e dividindo seu corpo em dois, como uma ação necessária para se tornar dono do oráculo deDelfos[26]. Na mitologia babilônica a morte da deusaTiamat pelo deusMarduk, que divide seu corpo em dois, é considerada um grande exemplo de como correu a mudança de poder do matriarcado ao patriarcado: "Tiamat, a Deusa Serpente do Caos e das Trevas, é combatida por Marduk, deus da Justiça e da Luz. Isto indica a mudança do matriarcado para o patriarcado que obviamente ocorreu"[27][28].
A civilização romana prezava o casamento e a família como uma das instituições centrais da vida social e, em torno dela, foram estabelecidas as três virtudes romanas: agravitas, que era o sentido de responsabilidade; apietas, que configurava a obediência à autoridade; e asimplicitas, que impedia que os romanos fossem guiados pela emoção, mantendo sempre a razão. A religião e o culto aos deuses era o lastro desta instituição, cujo poder, "de vida e morte", era exercido exclusivamente pelo pai sobre os filhos, os escravos e (em alguns casos) sobre a mulher. Os valores cultivados na família romana levaram à valorização das mulheres que a despeito de obedecer o (pater) marido, era vista como um alicerce fundamental e o trabalho doméstico como uma virtude.[29] Mais tarde, noséculo I a.C., a flexibilização das leis garantiu maior liberdade à mulher e maior participação na vida pública.[30]


Durante aIdade Média as mulheres tinham acesso a grande parte das profissões, assim como o direito àpropriedade. Também era comum assumirem a chefia da família quando se tornavamviúvas. Há também registros de mulheres que estudaram nasuniversidades da época,[32] porém em número muito inferior aos homens. Mulheres comoHilda de Whitby, que noséculo VII fundou setemosteiros econventos, incluindo aAbadia de Whitby; a religiosa alemãRosvita de Gandersheim, autora de dezenas de peças de teatro; e similarmente, também naAlemanha, a prolífica religiosaHildegarda de Bingen;Ana Comnena fundou em 1083 uma escola de medicina onde lecionou por vários anos; a rainhaLeonor, Duquesa da Aquitânia, exerceu relevante papel político na Inglaterra e fundou instituições religiosas e educadoras. No mundo Islâmico, entre os séculos VIII e IX conhecem a glória: religiosas, eruditas, teólogas, poetisas e juristas, rainhas.[33]
A mulher medieval trabalhou e estudou, fundou conventos e mosteiros, lecionou e também governou.[34] Recebeu uma educação moral, prática (técnica) e intelectual, que lhe permitiu desempenhar um papel social de colaboradora do marido, seja naagricultura, no comércio ou na administração de umfeudo. Um governo que se estendeu do âmbito privado ao público: quando morria o marido era ela quem assumia a administração do negócio. Como governantes,Branca de Castela,Ana de Beaujeu,Matilde II de Bolonha, que reina naToscana e naEmília durante meio século, institui-se protetora daSanta Sé e combateuHenrique IV, obrigando-o a ajoelhar-se diante deGregório VII. Em todos os grandes feudos, num momento ou outro, as mulheres reinaram: entre1160 e1261 sete mulheres se sucederam noCondado da Bolonha. Ícone medieval,Joana D´Arc, jovem chefe guerreira, conquista oito cidades em três meses e apesar de ferida continua a combater.[34]