Fritigerno ouFridigerno (emlatim:Fritigernus)[a] foi um lídertervíngio doséculo IV, ativo nafronteira romana doDanúbio e províncias dosBálcãs no reinado dosimperadoresValente(r. 364–378) eTeodósio I(r. 378–395). Rival dojuiz tervíngioAtanarico, não aceitou a perseguição aos cristãos realizada por ele e confrontou-o numa guerra civil. A cronologia dessa guerra civil é desconhecida, mas sabe-se que Fritigerno foi auxiliado pelo imperador Valente e o exército coligado foi capaz de derrotar Atanarico.
Em 376, devido a pressão militar imposta pela chegada doshunos à porção sul domar Negro, bem como a migração dosgrutungos, Fritigerno iniciou negociações para assentar os tervíngios emsolo imperial. Valente concedeu permissão para que os tervíngios sob seu comando e sob comando deAlavivo fossem assentados naMésia Secunda, porém devido aos maus-tratos dos oficiaisLupicino eMáximo, umaguerra eclodiu entre romanos e godos, culminando na morte de Valente naBatalha de Adrianópolis em 378.
Fritigerno possuía estatuto derei (emgótico:reiks) ouduque (emlatim:dux) e como tal era um comandante militar com estatuto para realizar conversações diplomáticas com outros nobres góticos e com o imperador.[3] Sua base de poder era centrada nessa época nokuni[c] situado a oeste dorio Prute.[4] É impossível precisar a data dos eventos da guerra civil resultante com as fontes sobreviventes, mas Ian Hughs estima que Fritigerno foi derrotado em batalha em 372, impelindo-o a solicitar ajuda militar de Valente.[5] O imperador atendeu ao pedido e em retribuição o godo converteu-se com seus seguidores, pagãos e cristãos, aoarianismo. Os aliados venceram[6][7] e aparentemente a guerra foi concluída antes doshunos chegarem em 375/376.[1]
Em meados dos anos 370, as invasões hunas desencadearam novos distúrbios entre os tervíngios, com os invasores pressionando-os militarmente e obrigando osgrutungos, outro ramo dos godos, a dirigirem-se à fronteira tervíngia. Apesar de sua derrota na guerra civil, Atanarico ainda era comandante da maior parte dos tervíngios e reuniu um exército para confrontar os invasores. Utilizando-se disso, Fritigerno se recusou a enviar reforços para a expedição.[8] Isso levaria à derrota das forças de Atanarico, que foram forçadas a se retirar àCaucalândia, ao passo que gerou uma crise decorrente da devastação huna. A desolação seria também agravada pela devastação consequente dos conflitos anteriores.[9]
Panorama político doDanúbio Inferior noséculo IV. As incursões hunas resultaram na migração dos tervíngios em direção à fronteira romana no Danúbio e sua posterior inserção em solo romano
No verão de 376, Fritigerno persuadiu muitos dos seguidores de Atanarico a abandoná-lo e então propôs aos tervíngios que solicitassem ajuda aos romanos.Alavivo, outro nobre tervíngio, é mencionado nas fontes como líder da negociação, possivelmente por possuir um estatuto aristocrático maior.[9] Ele conseguiu a permissão de Valente para assentarem-se no império,[10][11] segundoAmiano Marcelino, como deditícios ("suplicantes" ou "rendidos"),[d] porém não antes de assegurar que seu povo seria inteiramente convertido ao arianismo antes de cruzar o Danúbio.[12]
Segundo a resposta de Valente, que à época estava estacionado emAntioquia, os godos seriam assentados naMésia Secunda eDácia Ripense e receberiam assistência romana durante a migração através do rio e antes de tornarem-se autossuficientes e serem capazes de prover seu próprio sustento. Por estar emguerra com oImpério Sassânida, Valente esperava poder recrutar boa parte dos tervíngios como soldados para fortificar as cidades orientais,[13] bem como esperava que os demais seriam assentados como fazendeiros e então pagariam impostos.[14] O plano, contudo, acabou frustrado.[15]
Os imigrantes atravessaram próximo de Durostoro (atualSilistra, naBulgária)[15] e seu número excedeu a quantidade prevista,[e] tornando insuficiente os suprimentos recolhidos (DeVries sugere suprimentos para 50 mil pessoas[16]), situação agravada pela demora de quase dois meses para a chegada da resposta imperial doOriente. Outrossim, tirando proveito da consequente fome sentida pelos recém-chegados, os oficiais romanosLupicino eMáximo conseguiram muito dinheiro com a venda de miúdas porções de alimentos e carcaças de cachorros pelo preço da escravização de crianças tervíngias,[13] inclusive aquelas de origem nobre.[17]
Como forma de controlar os contingentes tervíngios inquietos, Lupicino ordenou que as tropas daTrácia escoltassem os imigrantes para um acampamento nas cercanias de Marcianópolis.[18] Utilizando-se disso, ostaifalos daValáquia uniram-se aos grutungos deFarnóbio para tentarem forçar passagem pelo Danúbio, mas acabariam derrotados pelo generalFrigérido.[19][20][21] Outro grupo grutungo liderado porAlateu eSafrax, os regentes do rei infanteViderico, também aproveitou-se da conjuntura e entrou em contato com Fritigerno,[17] que segundo Marcelino alegadamente atrasou a marcha para permitir o encontro; Ian Hughs desconsiderou essa afirmação, alegando que o atraso deveu-se à enorme quantidade de famílias, o que incluiria crianças e idosos.[18] EmMarcianópolis, provavelmente no outono de 376[22] ou inverno de 376/377,[23] Lupicino convocou os reis (emlatim:reges; como Marcelino estiliza-os[24]) Fritigerno e Alavivo para um banquete reconciliatório. Durante a reunião, um grupo de godos famintos atacou as proximidades do assentamento e o oficial romano, interpretando como golpe, mandou que seus homens matarem os guardas dos líderes tervíngios. ParaJordanes, Alavivo foi morto em meio à confusão enquanto Fritigerno escapava;[6] para Marcelino, Fritigerno convenceu Lupicino a deixá-lo ir sob pretexto de poder acalmar seu povo.[25]
Fritigerno formou exército com o qualcomeçou a saquear vilas e fazendas próximas à cidade e incendiou tudo em seu caminho. No começo de 377, Lupicino reuniu todas as tropas disponíveis para suprimir a revolta, mas foiseveramente derrotado pelos rebeldes a 14 quilômetros do acampamento em Marcianópolis, quase custando sua vida e destruindo o exército provincial trácio inteiro.[26][27] Isso abriu caminho para a depredação das províncias balcânicas sem oposição pelos meses consecutivos[14] e motivou os mineiros trácios, os romanos subalternos sobretaxados e os escravos de origem goda a unirem-se à revolta,[28] bem como um destacamento romano de origem tervíngia liderado porColias eSuérido que realizou umcerco malsucedido contraAdrianópolis.[29] Apesar disso, Ian Hughs afirmou que o pequeno número de tervíngios registrados como batalhando ao lado dos rebeldes nas batalhas posteriores é fruto duma cisão, provavelmente decorrente pelo receio de que seu líder por parte dos godos, que no passado foi pró-romano e, na mentalidade de alguns líderes tribais, poderia estar envolvido no assassinato de Alavivo em Marcianópolis.[30]
Diocese da Trácia ca. 400, o palco do conflito com os tervíngios de Fritigerno
Os rebeldes novamente enfrentariam os romanos naBatalha nos Salgueiros, quando derrotaram um exército conjunto do Oriente e Ocidente.[31] Apesar desta nova vitória, Fritigerno viu-se numa situação delicada, pois os romanos com sucesso cortaram as rotas de suprimentos dos tervíngios pelos passos montanhosos no triângulo entre o Danúbio, osBálcãs e omar Negro. Neste cenário crítico, conseguiu convencer os grutungos de Alateu e Safrax a unirem-se à causa tervíngia[30][32] e firmou uma aliança com contingentes hunos ealanos sob promessa de butim.[33][34] Ademais, no inverno de 377/378, fortificou aPorta de Trajano, próximo de Sérdica (atualSófia) e Filipópolis (atualPlovdiv), para deter as investidas imperiais.[35]
Nos meses subsequentes, ambos os lados continuaram realizando ações militares na Trácia e províncias vizinhas. Em junho de 378, um destacamento gótico foi obrigado a retroceder perante a pressão romana, um fato acelerado pela reconvocação das tropas por Fritigerno, que estava estabelecendo nova base emCábila.[36] Ao longo de 378, Valente e o imperador ocidentalGraciano(r. 367–383) reuniram umexército deinfantaria ecavalaria de 30 a 40 mil soldados para lidar com a ameaça. Valente, contudo, não quis esperar Graciano para que ambos liderassem suas forças e se recusou a atender os esforços de paz de Fritigerno.[14]
Em 9 de agosto, Valente encontrou-se com os godos em Adrianópolis.[6] Fritigerno enviou-lhe um presbítero como emissário na tentativa de firmar a paz.[f] Segundo Amiano Marcelino, neste infrutífero encontro foram entregues ao imperador duas cartas, a primeira repetindo os termos do acordo de 376 entre o governo imperial e os imigrantes góticos, e a segunda sugerindo uma estratégia contra os grupos antirromanos ao propor seu reconhecimento por Valente como "rei sócio e amigo" (emlatim:rex socius et amicus).[37]Peter Heather sugeriu que Fritigerno pretendia conseguir compromisso imperial no qual tornar-se-ia líder único de todos os imigrantes godos (grutungos e tervíngios), marginalizando Alateu e Safrax e seus rivais tervíngios no processo.[38]
Com o fim das negociações deu-se início umabatalha desastrosa para os romanos, que custou a vida do imperador e vários oficiais e generais, bem como destruiu⅔ do exército reunido.[14] Apesar de sua esmagadora vitória, Fritigerno foi incapaz de aproveitar-se da situação e gradualmente perdeu relevância no cenário geral. No rescaldo da batalha, o líder gótico enfrentou divisões dentre os soldados em suas fileiras e não pôde deter os raides realizados pelos godos para obtenção de pilhagem.[39][40] Aproveitando-se da vitória em Adrianópolis, os godossitiaram a cidade e depois disso dirigiram-se paraConstantinopla, que também foiatacada, mas foram repelidos em ambas.[41][42]
A despeito dessa atitude retaliadora, Fritigerno novamente desaparece das fontes pelos anos subsequentes, sendo presumível supor que esta omissão tenha sido reflexo da ação romana. Apesar de serem militarmente incapazes de derrotá-lo completamente, os romanos souberam utilizar seu poderio para mantê-lo na defensiva e sua habilidade diplomática para reafirmar Atanarico como soberano dos godos e amigo imperial ao reconvocá-lo em 381, quando foi recebido pessoalmente por Teodósio diante de Constantinopla em 11 de janeiro e então sepultado ricamente após sua morte em 25 de janeiro. Em 3 de outubro de 382, quando romanos e godos assinam umtratado que formaliza a permanência dos últimos nas terras imperiais e o fim da guerra, Fritigerno não é mencionado.[39] Peter Heather considerou que essa ausência deveu-se a seu falecimento em algum combate após os eventos de Adrianópolis e antes da assinatura do tratado ou então pode ter sido uma exigência imperial, que pretendia com isso obrigar os godos a escolher um novo líder.[46] Thomas S. Burns considerou que Fritigerno já estivesse morto desde 380.[47]
Interior doTemplo de Valhala. A placa de Fritigerno é a segunda no canto superior esquerdo
O oficial e cronista romano Amiano Marcelino mencionou várias vezes Fritigerno no volume 31 de sua obraOs Feitos; ele ficou consideravelmente impressionado com a desenvoltura que o comandante godo mostrou quando escapou da ameaça de cativeiro romano durante o banquete realizado em Marcianópolis,[48] bem como notou que era "habilidoso em adivinhar o futuro e desconfiar de uma luta duvidosa".[49] NaGética deJordanes, por sua vez, Fritigerno é retratado lutando bravamente para conseguir fugir da sala do banquete e então juntar-se a seu povo.[50]
Com a morte de Alavivo em Marcianópolis, Fritigerno adquiriu o comando supremo dos godos admitidos no Império Romano. ParaHerwig Wolfram, nestas condições, ele "foidux [duque] tribal no sentido verdadeiro da palavra, líder do exército 'que governou no lugar dum rei'. Nunca foi juiz gótico nem mesmo tornou-se rei monárquico, mesmo embora sua posição fosse claramente estágio preliminar de realeza militar".[3] Thomas S. Burns, mesmo embora carecendo de uma comprovação nas fontes disponíveis, considerou que, em decorrência de seus sucessos militares e diplomáticos, Fritigerno teria sido elevado por seu povo como juiz, independente do fato de Atanarico ainda estar vivo.[52]
[a]^A latinizaçãoFritigernus é deetimologia incerta. Possivelmente pode ter relação com o termogóticoFriþugairns[53] (também escritoFriþigairnis[54] eFriþagairnais[55]) que foi proposto como uma corruptela do góticoFriþareiks ouFriþareikeikeis citado num dos fragmentos do calendário gótico contido naBíblia Gótica do sacerdoteÚlfilas;[56] quando escrito na segunda variante, inclusive já se sugeriu que significariaFriþigairnis reiks ("Fritigerno rei").[54] Apesar dessa associação, alguns historiadores modernos questionam se, de fato, esta entrada do calendário se refere a ele.[57]
[c]^Osgodostervíngios foram divididos em subdivisões de território e povo chamadaskunja (singularkuni, cognata doinglêskin), que eram controladas por um rei. Em tempos de ameaça comum, um dos reis era selecionado comojuiz (kindins) ou chefe do império.[58]
[d]^ParaHerwig Wolfram e outros historiadores a afirmação de Amiano Marcelino baseia-se num acordo estabelecido pelo imperadorConstâncio II(r. 337–361) com ossármataslimigantes em 359. Pelo descrito por Marcelino, Wolfram conclui que a dedição (emlatim:deditio; lit. "rendição" e "capitulação") subentendia o desarmamento, recepção com estatuto decolono, assentamento em áreas estabelecidas pelo imperador e recrutamento ilimitado.[59] O historiador Ian Hughs, por outro lado, desconsiderou a possibilidade deles terem sido admitidos como deditícios uma vez que o acordo estabelecido não faz menção a questão do desarmamento.[60] Wolfram deduz que mesmo embora o Império Romano não possuísse uma estrutura na região da Trácia capaz de abarcar todos os indivíduos como colonos, certamente que o desarmamento foi aventado, muito embora as autoridades romanas locais foram incapazes de obrigar os migrantes a fazerem isso.[61]
[e]^Não há consenso na literatura acerca do número de indivíduos que teriam atravessado a fronteira romana nesse momento, com as estimativas variando consideravelmente. Michael Frassetto estima 80 mil indivíduos,[62] enquanto Kelly DeVries estima 200 mil com base no relato deEunápio.[16][63]Peter Heather, entretanto, sugeriu 50 mil pessoas que talvez teriam viajado em ca. duas mil carroças e estimou que dentre eles 10 mil eram combatentes.[64]
[f]^Amiano Marcelino afirmou que o presbítero enviado era um confidente íntimo de Fritigerno. Tendo em vista a relação religiosa do governante gótico e do sacerdote Úlfilas, Hagith Sivan especulou a possibilidade de o presbítero poder ser identificado com este sacerdote.[65]
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