Embora os termos possam variar, as Igrejas Católica e Ortodoxa partilham, na essência, a mesma crença: natradição oriental, o evento é chamado deDormição de Maria, expressão que sublinha o “adormecer” da Mãe de Deus antes de sua glorificação, mas que, na prática, corresponde ao que ateologia latina denomina Assunção.[3]
EmMunificentissimus Deus (n. 39), Pio XII evoca asEscrituras para sustentar o dogma. Ele recorda a profecia deGênesis 3:15, que fala da vitória da Mulher sobre a serpente — vitória esta que se estende sobre o pecado e sobre a própria morte. Além disso, citaI Coríntios 15:54:“Tragada foi a morte na vitória”, indicando que, assim comoCristoressuscitou glorioso, Maria participa de modo especial desta vitória, como primeira e perfeitaredimida.[4][5]
A tradição teológica interpreta a Assunção como consequência lógica daImaculada Conceição: sendo preservada dopecado original, Maria não estaria sujeita à corrupção física decorrente dele. Sua glorificação, portanto, é um sinal antecipado daressurreição prometida a todos os fiéis.[6] Nas igrejas que conservam essa fé, a Assunção é uma das maiores solenidades docalendário litúrgico, celebrada todos os anos em15 de agosto. Na Igreja Católica, éfesta de preceito em muitos países, e nas Igrejas Orientais é precedida por um período de jejum conhecido como Jejum da Dormição.
Embora a Assunção (emlatim:assūmptiō - "elevado") tenha sido definida em tempos relativamente recentes como um dogma infalível pela Igreja Católica e, a despeito de uma afirmativa deEpifânio de Salamina em377 de que ninguém sabia se Maria havia morrido ou não,[7]relatos apócrifos sobre a assunção de Maria ao Céu circulam desde pelo menos oséculo IV. A própria Igreja Católica interpreta o capítulo 12 doApocalipse como fazendo referência ao evento.[8] A mais antiga narrativa é o chamadoLiber Requiei Mariae ("O Livro do Repouso de Maria"), que sobrevive intacto apenas em uma traduçãoetíope.[9] Provavelmente composta no início do século IV, esta narrativa apócrifa cristã pode ser do início doséculo III. Também muito primitivas são as diferentes tradições das "Narrativas da Dormição dos 'Seis Livros'".[10] As versões mais antigas deste apócrifo foram preservadas em diversosmanuscritos emsiríaco dosséculos V eVI, embora o texto em si seja provavelmente do século IV.[11]
Apócrifos posteriores que se basearam nestes textos mais antigos incluem oDe Obitu S. Dominae,[12] atribuído aSão João, uma obra provavelmente da virada do século VI que é um sumário da narrativa dos "Seis Livros". A assunção também aparece noDe Transitu Virginis,[13] uma obra do final do século V atribuída aSão Melito que preserva uma versão teologicamente editada das tradições presentes noLiber Requiei Mariae.Transitus Mariae conta a história de como osapóstolos teriam sido transportados por nuvens brancas até o leito de morte de Maria, cada um vindo da cidade em que estava pregando no momento. ODecretum Gelasianum, já na década de 490, declarava que a literatura no estilotransitus Mariae era apócrifa.
Uma carta emarmênio atribuída aDionísio, o Areopagita, também menciona o evento, embora seja uma obra muito posterior, escrita em algum momento do século VI.João Damasceno, de sua época, é a primeira autoridade eclesiástica a advogar a doutrina pessoalmente (e não na forma de obras anônimas). Seus contemporâneos,Gregório de Tours eModesto de Jerusalém, ajudaram a promover o conceito por toda a igreja.
Em algumas versões da história, o evento teria ocorrido emÉfeso, aCasa da Virgem Maria, embora esta seja uma tradição muito mais recente e localizada. As mais antigas todas apontam que o fim da vida de Maria se deu emJerusalém (veja "Túmulo da Virgem Maria"). Peloséculo VII, uma variação apareceu, que conta que um dos apóstolos, geralmente identificado como sendoSão Tomé, não estava presente na morte de Maria, mas sua chegada atrasada teria provocado uma reabertura do túmulo da Virgem, que então se descobriu estar vazio, com exceção de suas mortalhas. Numa outra, posterior, Maria lançaria do Céu sua cinta para o apóstolo como uma prova do evento.[14] Este incidente aparece muitas vezes nas pinturas sobre a Assunção.
A doutrina da Assunção de Maria se tornou amplamente conhecida no mundo cristão, tendo sido celebrada já no início do século V e já estava consolidada no oriente na época doimperador bizantinoMaurício por volta de 600.[15] O evento era celebrado no ocidente na época dopapa Sérgio I noséculo VIII e foi confirmada como oficial pelopapa Leão VI.[15] O debate teológico sobre a Assunção continuou depois daReforma Protestante e atingiu um clímax em 1950, quando o papa Pio XII o definiu como dogma para os católicos.[16] O teólogo católico Ludwig Ott afirmou que"A ideia da assunção corpórea de Maria foi expressada pela primeira vez em certas "narrativas de trânsito" [transitus Mariae] nos séculos V e VI… O primeiro autor a falar da assunção corpórea de Maria, em associação com umtransitus apócrifo, foi São Gregório de Tours".[17] O escritor católicoEamon Duffy afirma que"não há, claramente, nenhuma evidência histórica para ele".[18] Porém, a Igreja Católica jamais afirmou ou negou que seu ensinamento tenha se baseado em relatos apócrifos. Os documentos eclesiásticos nada comentam sobre o assunto e, ao invés disso, apontam outras fontes e argumentos como base para a doutrina.
Pela autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos Santos ApóstolosPedro ePaulo e em nossa própria autoridade, pronunciamos, declaramos e definimos como sendo um dogma revelado por Deus: que aImaculadaMãe de Deus, asempre Virgem Maria, tendo completado o curso de sua vida terrena, foi assumida, corpo e alma, na glória celeste.
Desde a declaração solene dainfalibilidade papal peloConcílio Vaticano Primeiro em 1870, esta declaração de Pio XII foi a única vez que umpapa fez uso,ex cathedra, da prerrogativa. Pio XII deliberadamente deixou em aberto a questão se Maria teria ou não morrido antes da Assunção.[20][21]
Na afirmação dogmática de Pio XII, a frase"tendo completado o curso de sua vida terrena" deixa em aberto a questão se a Virgem Maria teria ou não morrido antes de sua assunção ou se ela foi assumida antes da morte; ambas as possibilidades são permitidas. Acredita-se que a Assunção de Maria se deu como presente divino a ela apenas, por ser a "Mãe de Deus" (Teótoco). A visão de Ludwig Ott é a de que, como terminou sua vida como um glorioso exemplo para a raça humana, a perspectiva do presente da assunção seria também oferecido para toda a raça humana.[23]
Em sua obra, "Fundamentals of Catholic Dogma", Otto afirma que"o fato de sua morte é aceito por quase todos ospais e teólogos da Igreja, e é expressamente afirmado na liturgia", ao que ele adiciona diversas citações úteis e conclui que"para Maria, morte, como consequência de estar livre dopecado original e dos pecados pessoais, não foi uma punição pelo pecado".[24] Porém, parece adequado que"o corpo de Maria, que por natureza era mortal, deva, em conformidade com o de seu filhoJesus, se sujeitar à lei geral da morte".[24]
A festa católica romana da Assunção é celebrada em 15 de agosto enquanto que osortodoxos ecatólicos orientais celebram aDormição de Maria (a Mãe de Deus "indo dormir") na mesma data, mas precedido de um período de 14 dias dejejum. Os ortodoxos acreditam que Maria teria tido uma morte natural, que sua alma foi recebida por Cristo após a morte, que seu corpo foi ressuscitado no terceiro dia após a morte (depois do túmulo ter sido encontrado vazio) e que ela foi corporalmente elevada aos Céus numa antecipação daressurreição dos mortos geral."…a tradição ortodoxa é clara e firme sobre o ponto central [da Dormição]: a Santa Virgem passou, como seu Filho, pela morte física, mas seu corpo — como o d'Ele — foi posteriormente ressuscitado dos mortos e ela foi elevada ao Céu, de corpo e, também, alma. Ela passou para além da morte e ojulgamento, e vive plenamente na era que está por vir. A ressurreição do corpo… foi, no caso dela, antecipada e já é um fato consumado. Isto não significa, porém, que ela teria se desassociado do resto da humanidade e se colocado numa categoria diferente: pois todos nós esperamos compartilhar um dia desta mesma glória da ressurreição dos corpos que ela já usufrui".[25]
Muitos católicos também acreditam que Maria primeiro morreu antes de ser assumida, mas eles acrescentam que ela foi milagrosamente ressurrecta antes do evento, enquanto que outros acreditam que ela foi assumida com seu corpo ao Céu antes de morrer.[26][27] Como já foi explicado, ambas as crenças são aceitáveis do ponto de vista da doutrina católica. Oscatólicos orientais, por exemplo, celebram a festa como "Dormição". Muitos teólogos notam como forma de comparação que, para aIgreja Católica, a Assunção foi dogmaticamente definida, enquanto que para os ortodoxos, a Dormição é menos dogmática e mais litúrgica e misticamente definida. Esta diferença é resultado de um padrão maior em ambas as tradições, pelo qual as doutrinas católicas geralmente são dogmaticamente definidas — em parte pela estrutura centralizada da Igreja Católica — enquanto que na Ortodoxia, muitas doutrinas tem uma carga menos "autoritativa".[28]
O reformador protestanteHeinrich Bullinger acreditava na Assunção de Maria. Seu polêmico tratado de 1539 contra aidolatria[30] expressou sua crença de que osacrosactum corpus de Maria havia sido levado ao Céu por anjos:"Hac causa credimus ut Deiparae virginis Mariae purissimum thalamum et spiritus sancti templum, hoc est, sacrosanctum corpus ejus deportatum esse ab angelis in coelum".[31]
Contudo, a maioria dos protestantes modernos não ensina e não acredita na Assunção de Maria, uma vez que eles não vêem umabase bíblica para a doutrina. Embora a maior parte das igrejas doluteranismo não ensinem a Assunção de Maria, o dia 15 de agosto é uma festa menor em honra a "Maria, Mãe de Nosso Senhor", de acordo com o calendário luterano de santos.[32]
Em muitos outros, festividades populares e procissões se realizam neste dia. Entre os países católicos e ortodoxos nos quais a data é importante, mas não é reconhecida como feriado, estãoArgentina,Brasil,Filipinas,Irlanda,México,República Tcheca e aRússia. NoCanadá, celebra-se umafête nationale entre osacadianos, que a têm por padroeira. O comércio fecha nas partes maisfrancofónas deNova Brunswick.
O nome da festa em italiano, "Ferragosto", pode ter sua origem no nome em latimFeriae Augusti ("Feriados de Agosto").[35] A solenidade da Assunção é celebrada nesta data no oriente já desde o século VI.
↑abcIntroduction to Mary by Mark Miravalle (1993) Queenship Pub. Co.ISBN 978-1-882972-06-7 pages 75-78
↑abPaul Haffner inMariology: A Guide for Priests, Deacons, seminarians, and Consecrated PersonsISBN 1-57918-355-7 2008 edited by M. Miravalle, pages 328-350
↑William Wright,"The Departure of my Lady Mary from this World,"The Journal of Sacred Literature and Biblical Record, 6 (1865): 417–48 and 7 (1865): 108–60. See also Agnes Smith Lewis, ed., Apocrypha Syriaca, Studia Sinaitica, XI (London: C. J. Clay and Sons, 1902).
↑De origine erroris libri duo (On the Origin of Error, Two Books)[1]. "EmDe origine erroris in divorum ac simulachrorum cultu ele se opôs aveneração dos santos e à 'iconolatria'; emDe origine erroris in negocio Eucharistiae ac Missae ele tentou mostrar que as concepções católicas sobre aEucaristia e a celebração da missa estavam erradas. Bullinger publicou uma edição combinada destas obras em4 ° (Zurich 1539), que foi dividida em dois livros, de acordo com os temas da obra original."The Library of the Finnish nobleman, royal secretary and trustee Henrik Matsson (ca. 1540-1617), Terhi Kiiskinen Helsinki: Academia Scientarium Fennica (Finnish Academy of Science), 2003,ISBN 951-41-0944-9ISBN 9789514109447, p. 175[2]
Duggan, Paul E. (1989).The Assumption Dogma: Some Reactions and Ecumenical Implications in the Thought of English-speaking Theologians. Emerson Press, Cleveland, Ohio
Salvador-Gonzalez, José-María (2019). «Musical Resonanes in the Assumption of Mary and Their Reflection in the Italian Trecento and Quattrocento Painting».Music in Art: International Journal for Music Iconography.44 (1–2): 79–96.ISSN1522-7464