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A Terceira Margem do Rio

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
 Nota: Este artigo é sobre um conto. Para sua adaptação cinematográfica, vejaA Terceira Margem do Rio (filme).
O índice da primeira edição dePrimeiras Estórias traz, conto por conto, ilustrações de acordo com esboços feitos pelo próprio Guimarães Rosa, redesenhados depois pelo desenhistaLuís Jardim, como este acima, especialmente para "A Terceira Margem do Rio".[1]

"A Terceira Margem do Rio" é oconto mais famoso e uma das obras mais influentes deGuimarães Rosa, publicado em seu livroPrimeiras Estórias, lançado em 1962.

Narrado emprimeira pessoa pelo filho de um homem que decide abandonar a família e toda a sociedade para viver dentro de uma pequenacanoa num imensorio.

Guimarães Rosa dá um tomregionalista euniversal ao conto, em estilo deprosa poética e oralidade específica, tratando de grandes dilemas da existência humana.

"A Terceira Margem do Rio" é sempre posicionado como um dos melhores contos ou o melhor daliteratura brasileira.[2]

Inspiração e escrita

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No quarto prefácio deTutameia – Terceiras Estórias (1967), livro de contos, última obra publicada em vida meses antes de sua partida, Guimarães Rosa confessa:

"(...) A "Terceira Margem do Rio" (dePrimeiras Estórias) veio-me na rua, em inspiração pronta e brusca, tão “de fora”, que instintivamente levantei as mãos para "pegá-la", como se fosse uma bola vindo ao gol e eu o goleiro. (...)"[3]

Esta curta explicação é dada, no mesmo prefácio, junto a diversas outras explicações de como surgiram outras obras do escritor, geralmente por meio de uma inspiração mágica: "Tenho de segredar que – embora por formação ou índole oponho escrúpulo crítico a fenômenos paranormais e em princípio rechace a experimentação metapsíquica – minha vida sempre e cedo se teceu de sutil gênero de fatos. (...) No plano da arte e criação – já de si em boa parte subliminar ou supraconsciente, entremeando-se nos bojos do mistério e equivalente às vezes quase à reza – decerto se propõem mais essas manifestações."[3]

Avenida Presidente Vargas, 1958.

Em relação ao texto "A Terceira Margem do Rio", Rosa não deixou registrado e especificado em qual rua tivera a sua inspiração, mas o colecionador, editor e jornalistaJoão Condé ― que chegou a ter correspondência direta com outros escritores, comoJoão Ribeiro,Gilberto Freyre,Aníbal Machado,Murilo Mendes,José Lins do Rego,Graciliano Ramos,Coelho Neto, entre outros,[4] correspondências essas guardadas naquilo queCarlos Drummond de Andrade chamava de "Arquivos Implacáveis", milhares de fotografias, caricaturas, cartas, bilhetes, depoimentos etc. relativos a mais de 40 anos daliteratura brasileira, figurando importante dentro da fortuna crítica de Guimarães Rosa a carta de 19 onde lhe revela detalhes de como escreveuSagarana (1946), o livro anterior ―, costumava contar, no início dos anos 1970, na redação doJornal de Letras, em Copacabana, que fundou junto aos irmãosElísio Condé eJosé Condé (escritor que também tivera amizade com Rosa), que Guimarães Rosa teve a ideia súbita de "A Terceira Margem do Rio" em plenaAvenida Presidente Vargas, no centro nervoso doRio de Janeiro.[5]

Às seis da tarde, "hora dorush", Rosa,diplomata emineiro do interior, acabava de deixar oPalácio do Itamaraty, onde exercia cargo de chefe da Divisão de Fronteiras, e, fumando seu cigarro Yolanda, andava um trecho a pé da larga avenida de quatro pistas e 80 metros de largura.Wilson Bueno, escritor e colega de Condé, relembra o relato em crônica de 2008:

"[...] Homem sensível, de traço feminil, ao perceber-se engolido pelo tráfego pesado, literalmente no meio da rua, Rosa quase tem um chilique. Salva-o o talento de predestinado das letras: tomando a avenida como a metáfora de um rio, fulmina-o, naquele exato instante - destacava o saudoso João Condé -, a ideia daquela que viria a ser uma das mais antológicas peças da literatura brasileira, e de todas as literaturas, o conto “A Terceira Margem do Rio”.
"A peça inteira, leitor, sua montagem e textura, suas engrenagens e engenharias, lhe vem à mente. O seu começo, o seu meio e o seu fim. De um jeito mediúnico e, como se vê, de modo rigorosamente imprevisto.
"Guimarães Rosa, nervoso, ofegante, segue incólume por entre carros, buzinas, urros, freadas, desvios, acenando inutilmente para um táxi, mas já a caminhar na direção do primeiro ponto de ônibus. Não havia tempo a perder.
"O terno elegante encharcado de suor, embarca no primeiro lotação que leve ao Posto Seis, onde vive com Araca, a sua sempreAraci [de Carvalho Guimarães Rosa], no belo apartamento da rua Francisco Otaviano, no que, anos depois, ele próprio detalharia em depoimento célebre: aquela vez, repetia sempre, era como se equilibrasse aos ombros, sem figura de retórica, uma cristaleira.
"Uma cristaleira -enfatizava João Condé, pitando seu Hollywood- de uma cristaleira mesmo, onde tremelicavam, impávidos, os mais finos cristais, isto é, personagens, diálogos, entrechos, tons, entretons, linguagem, embocadura. Toda a dobrante e dobrável estrutura de “A Terceira Margem do Rio”. (...)"
"– “Sabe do que o Rosa mais teve medo aquele dia?” – perguntava o bom Condé, fazendo uma pausa e já antegozando a própria resposta. – “O maior medo dele foi, aquele dia, o de topar com um amigo, sobretudo carioca...”
"– “Como assim?” – perguntei.
"– “Temia, a sério, um abraço, desses efusivos e espalhafatosos, que só os cariocas sabem dar... Podia que fizesse, o abraço, desabar a cristaleira...”"[5]

Estilo e crítica literária

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Língua portuguesa

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Entre o registroerudito e oregional (estilo misto ampliado exemplarmente no romanceGrande Sertão: Veredas), entre asintaxe rigorosa e a sincopada, asemântica oficial e o neologismo, críticos têm notado que Rosa trata alíngua portuguesa tal como o pai de seu conto: "perto e longe de sua família dele".[6]

Narrativa

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ParaJoão Adolfo Hansen, Guimarães Rosa

"[...] propõe, enfim, que sua ficção – como prática de um autor e efeito num leitor – produz a forma como indeterminação das mediações lógicas e técnicas das representações que o leitor conhece como critério para estabelecer a verossimilhança dos textos. É o que acontece em “A Terceira Margem do Rio”, dePrimeiras Estórias, quando o narrador vai fornecendo motivações para a ação do pai e simultaneamente as elimina, deixando o leitor no ar. Mas adverte: “A estranheza dessa verdade deu para estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia”, evidenciando a funcionalidade do procedimento de narrar a nu, sem motivação, que pode remeter a leitura para convenções antigas do gênerofantástico e também para o arbitrário moderno do ato da invenção. [...]"[7]

Sem, no entanto, abdicar de elementosrealistas, a narrativa de "A Terceira Margem do Rio" se compõe de ações em suspensão e suspeita.[8] Guimarães Rosa usa de indeterminações das técnicas das representações e mesmo de mediações lógicas familiares ao leitor, flertando com ou mesmo assumindo aprosa poética.[9]

Oralidade

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Sobre aoralidade, o crítico literárioPaulo Rónai, em artigo de fevereiro de 1966 sobre os contos dePrimeiras Estórias e a obra geral de Guimarães Rosa, observa que os contos dePrimeiras Estórias "porejammodismos e fórmulas que estamos habituados a ouvir na boca de pessoas do povo e que, em seu frusto vigor, dão àfala popular sabor e energia deliciosos", destacando, por exemplo, as frases de "A Terceira Margem do Rio": "Nosso pai nada não dizia.", "Do que eu mesmo me alembro", "Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua", "perto e longe de sua família dele", "avisado que nemNoé".[10] Rosa, assim, não seria um escritor que meramente reproduz alinguagem popular, pois também lança mão deneologismos, numa arte que, para Rónai, torna-se "tão provocativamente original".[11] Destaca outras frases dos outros contos do livro junto às frases "a alguma recomendação" e "pelas certas pessoas", presentes no "A Terceira Margem do Rio", para notar o uso doartigo definido na frente dosadjetivos indefinidos, prática comum na aparênciapopular eregional e no estilooral.[11]

Neologismos

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Como dito anteriormente, Rosa não só retrata um falar popular e sertanejo, como também inventa novas palavras e termos em suas obras. Em "A Terceira Margem do Rio", oneologismo "diluso" é uma variante possível de "diluto", "diluído".[12]

Em carta-resposta de 5 de fevereiro de 1963 para o poetaMurilo Mendes, entre diversos outros apontamentos sobre vários assuntos, Guimarães Rosa escreve:

"(...) Agora, respondendo às consultas: 1)rio-pondo não é nada, é espécie de "in die busîllis", busílis, ério — pondo perpétuo (o risquinho não é hífen, mas um travessão; foi que, lá naJosé Olympio, começaram com isto de botar encostadinhos nas palavras os travessões, à moda inglesa, só para confusão nossa, que estamos milenarmente acostumados à maneira nossa, latina, de deixar os ditos — —s afastados decentemente das palavras, pois); 2) quanto aodiluso, Você é que está certíssimo, pois ali a palavra quer dizer "diluído", apagado, esbatido,sfumatto, menos que vulto. (...)"[13]

Em relação ario — pondo perpétuo, que deve ter causado confusão em Mendes, fora corrigido nas edições subsequentes e nas modernas, em que surge conforme a preferência de Rosa.

Interpretações e leituras

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Sociais e marxistas

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Conforme notaAlfredo Bosi, partindo da elaboração porKarl Marx entre o reino das necessidades (na exploração de umaclasse social por outra) e o reino da liberdade (asociedade comunista):

"Muitas personagens dePrimeiras Estórias acham-se privadas de saúde, de recursos materiais, de posição social e até mesmo do pleno uso da razão. Pelos esquemas de uma lógica social moderna, estritamentecapitalista, só lhes resta esperar a miséria, a abjeção, o abandono, a morte. O narrador, cujo olho perspicaz nada perde, não poupa detalhes sobre o seu estado de carência extrema. Apesar disso, os contos não correm sobre os trilhos de uma história de necessidades, mas relatam como, através dos processos de suplência afetiva e simbólica, essas mesmas criaturas conhecerão a passagem para o reino da liberdade."[14]

A dicotomia entre a necessidade e a liberdade está em textos de Marx, como nosManuscritos Econômico-Filosóficos de 1844 e no terceiro livro deO Capital (publicado postumamente em 1894 porFriedrich Engels), sendo o reino da liberdade um sinônimo para asociedade comunista; assim, os elementos religiosos do conto são encarados por Bosi da seguinte maneira:

"Guimarães Rosa entra em sintonia com essa 'alma de um mundo sem alma', comoMarx define com o maior dos realismos a religião dos oprimidos".[15]

A leitura social de "A Terceira Margem do Rio" discute também o quanto o pai do conto encarna a força dopatriarcado e a desestruturação da família a partir de seu desvio e distanciamento.[16] A distinção entre a suporta submissão do pai ("homem cumpridor, ordeiro, positivo, só quieto") em relação à mãe e sua suposta supremacia ("nossa mãe era quem regia") são discutidos ou até contestados.[17] O tio, irmão da mãe, que vem ajudar na fazenda e nos negócios, encarna o papel da marcha docapital.[18]

Psicológicas

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Em seu artigo de crítica literária de 1966,Paulo Rónai conclui que "A Terceira Margem do Rio" trata daalienação que é "aceita como parte dolorosa da rotina da vida quando se declara paulatinamente".[19] O narrador do conto iria se contagiando com ademência do pai.[20]

Leyla Perrone-Moisés, por sua vez, em seu artigo "Para atrás da serra do mim", embasada em estudosfoucaultianos,freudianos elacanianos, empreende uma perspectiva transcendente por meio da análise doinconsciente do personagem, do tópico daloucura e do "fim dopacto social".[21] De acordo com esta interpretação, "A Terceira Margem do Rio" seria a margem de conciliação entrerazão eloucura e do entendimento realizado pela quebra daracionalidade:

"Se os “loucos” servem para demonstrar as incertezas do senso comum, os poetas servem para abalar as certezas da ciência e para ampliar o saber do inconsciente. Graças a eles, temos notícias de verdades que estão para além da razão, em alguma terrível ou maravilhosa continuação. Graças a eles, “entendemos que”."[22]

Transcendental, teológica, mística

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Muito comuns na fortuna crítica de "A Terceira Margem do Rio" são as leituras e interpretações transcendentais, teológicas e místicas do conto, a partir dasimbologia que o rio representa e sobretudo pelo insólito da narrativa, diante do absurdo e da falta de maiores detalhamentos e explicações pelo narrador a respeito dos motivos da fuga de seu pai. É preciso considerar, também, que orealismo da ação em "A Terceira Margem do Rio" é decididamente duvidoso,[23] na medida em que o pai, contra as limitações materiais reais, permanece na canoa por tempo longo demais, até o início da velhice do filho. Estudos deAlfredo Bosi, que, conforme vimos, trabalha sobretudo a partir dosocioeconômico, e deLeyla Perrone-Moisés, que parte de certos autores da psicanálise ou da história da psicologia, são dois dos mais conhecidos neste aspecto, analisando as possibilidades detranscendência da história de Guimarães Rosa.[24]

Bosi, em seuCéu, inferno: ensaios de crítica literária e ideológica, afirma que o personagem é movido para odevir dafantasia por meio de um vazio e, baseado nafenomenologia do espírito deHegel, o eixo interpretativo se estabelece, primeiro, acerca do deslocamento absoluto, segundo, sobre a profundapiedade do vivido, terceiro, da neutralização do conflito.[25] Assim, Bosi fixa o sentido do texto de modoteológico e o conto é sintetizado como a passagem doinferno ("necessidade") para oreino celeste ("liberdade"), em que o absurdo inicial é resolvido pelo desenrolar da narrativa.[25] No entanto, é preciso considerar que a leitura de Bosi não se pretende puramente religiosa tampouco estritamente mística nem estritamente transcendental ou teológica, já que, conforme vimos, os termos dicotômicos "reino da necessidade" e "reino da liberdade" (sendo este último um sinônimo para asociedade comunista) são encontrados emKarl Marx, nosManuscritos Econômico-Filosóficos de 1844 e no terceiro livro deO Capital (1894), a partir dos quais Bosi parte e retorna de maneira central. Portanto, o próprio Bosi conclui o seguinte:

"Guimarães Rosa entra em sintonia com essa 'alma de um mundo sem alma', comoMarx define com o maior dos realismos a religião dos oprimidos".[15]

Inevitavelmente, porém, tais leituras, como emLeyla Perrone-Moisés, posicionam a transcendência como um elemento importante do conto.

Bíblicas e mitológicas

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Outra vertente interpretativa de "A Terceira Margem do Rio" é a que associa o conto a referênciasbíblicas emitológicas.[26] O mito bíblico deNoé é citado pelo próprio narrador para se referir como certas vizinhanças passaram a enxergar seu pai em face de mudanças na natureza: "(...)as falsas conversas, sem senso, como por ocasião, no começo, na vinda das primeiras cheias do rio, com chuvas que não estiavam, todos temeram o fim-do-mundo, diziam: que nosso pai fosse o avisado que nem Noé, que, por tanto, a canoa ele tinha antecipado (...)"[27]

A perspectiva bíblica ecristã é explícita em autores como Lorenzo Papette, italiano, que, em seu "A canoa e o rio da palavra", vê o conto como umaalusão à história deJesus eDeus: "O entregar-se do pai às águas e o seu silêncio reportam a mitos bíblicos e a temáticas místico-religiosas, sendo as águas interculturalmente ligadas à sacralidade e a forças tão geradoras como purificadoras. Simbólico e relevante é o mesmo início do texto: “Nosso pai” – expressão que o narrador empregará por todo o conto para se referir ao pai – imediata alusão ao “Pai Nosso” das orações. Ecos religiosos emergem também da presença de elementos e imagens formando tríades: rio/pai/filho; divino/humano/natural; corpo/mente/espírito; terra/céu/água."[28] O gesto decisivo do pai, cumprido friamente no relato inicial do conto, é interpretado por Papette como "típico de quem se encontra num estado de exaltação mística" e o afastamento brusco da vida cotidiana, familiar e social interpretado como uma analogia aosacrifício dasalvação.[28] A relação com o filho, que, só no final de sua "vida terrena", compreenderia a importância de entrar no rio, sobretudo no final do relato, onde parece por um momento ser favorável a trocar de lugar com o pai na canoa, é vista como uma passagem para o "além", sacrifício final e transmissão de herançaespiritual.[28]

No entanto, grande parte dos estudiosos e críticos refutam tal interpretação por considerá-la estreita e forçada, e mostram que, embora exista no conto a ideia do isolamento do sujeito na canoa, a história de Rosa, ao contrário da ocorrência domito e da referênciacristã, não possui a perspectiva do serheróico da salvação.[26] Por outro lado, há leituras que insistem em uma leitura orientada por essa perspectiva pelo viés da desconstrução tradicional da narrativa bíblica.[29]

A respeito dos estudos da perspectiva damitologia clássica, o conto tem sido associado à travessiagrega deCaronte, divindade infernal, velho, seminu, de expressão sombria e sinistra, barqueiro cuja função era fazer as almas dos mortos atravessarem oAqueronte, rio que as separava dosinfernos, para atingirem sua morada definitiva.[30] Em determinado momento de "A Terceira Margem do Rio", o filho narrador conta a respeito do pai: "[...] Mas eu sabia que ele agora virara cabeludo, barbudo, de unhas grandes, mal e magro, ficado preto de sol e dos pêlos, com o aspecto de bicho, conforme quase nu, mesmo dispondo das peças de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia [...]" Outro rio significativo na mitologia grega é oEstige, que percorria a região infernal e tinha ambígua ou dupla característica: enquanto alguns autores, tanto antigos quanto modernos, o atribuem caráter ruim, envenenando homens e animais, no mito deAquiles este é mergulhado pela mãeTétis para que as águas do rio o tornassem invulnerável e imortal.[31]

Modernistas e poéticas

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Críticos comoJoão Adolfo Hansen (em seuForma literária e crítica da lógica racionalista em Guimarães Rosa) apontam que "A Terceira Margem do Rio" escapa das formas tradicionais do conto e mesmo do pensamento. Na mesma esteira, inclusive utilizando-se teoricamente de Hansen, Bárbara Del Rio, em "A Poética Moderna em 'A Terceira Margem do Rio', de João Guimarães Rosa", expõe rapidamente a diversa fortuna histórico-crítica da obra de Guimarães Rosa e dePrimeiras Estórias, empenhando-se em demonstrar que, em Rosa e em "A Terceira Margem do Rio", os dispositivos de "indeterminação" do sentido e de elementos narrativos da história configuram uma "poética moderna" que contradiz as leituras transcendentais ou místicas recorrentes nas interpretações do conto.[32] Tal visão parte das definições demodernidade emodernismo do livroModernismo - Guia Geral 1890-1930, cujos autoresMalcolm Bradbury eJames MCfarlane associam tais termos ao advento de "uma nova era de alta consciência estética e não-figurativismo, em que a arte passa do realismo e da representação humanista para o estilo, a técnica, a forma espacial em busca de uma penetração mais profunda da vida".[33] A obra moderna, para tais autores, é "a arte decorrente do princípio de incerteza, de destruição da civilização da razão, do mundo transformado e reinterpretado pelo capitalismo e pela continua aceleraçãoindustrial, da vulnerabilidade existencial à falta de sentido ou ao absurdo".[34]

Deste modo, as interpretações místicas, metafísicas e transcendentais seriam opostas ao que o próprio conto mostra, porque nele não há possibilidade de transcendência, resolução ou síntese, e sim paradoxismo e ambiguidade "sem fim", conforme o trecho do filho resignado: "A gente teve de se acostumar com aquilo".[35] O "se acostumar" com a situação absurda não implicaria uma resolução, mas, ao contrário, evidenciaria o conflito que permanece mesmo que os outros personagens tentem ver a situação com normalidade. Portanto, a partir de uma perspectiva modernista e poética, encara-se que "Desconstruindo essas interpretações, o conto se mostra aberto, sem fixação de sentido aparente."[36] "A Terceira Margem do Rio", assim, apresenta modelos tradicionais de representação e racionalidade e também o contrário.[37] De acordo com Bárbara Del Rio, "a interpretação adequada à “Terceira Margem do Rio” está na terceira ordem de grandeza da sismologia cultural – a tentativa de registrar as mudanças e deslocamentos que regularmente ocorrem na história da arte, da literatura e do pensamento" que, citando Braudbury e Mcfarlane, "parecem demolir nossas mais sólidas e firmes crenças e postulados, deixando em ruinas grandes áreas do passado, questionando toda uma civilização ou cultura estimulando uma frenética reconstrução.[38]

Essa leitura chama a atenção para os paradoxos que compõem a linguagem do conto, e mesmo de outros escritos de Rosa. Os exemplos "ir a lugar nenhum", "aquilo que não havia, acontecia" e outros dispõem dalógicaracional, mas logo se contrariam, demonstrando um lugarpoético, ou seja, "a terceira margem, aquela que não é a síntese das outras duas, mas a o da não fixação plena dossentidos e dasignificação".[39] Aqui, haveria algo de comum entre o filho de "A Terceira Margem do Rio" e oRiobaldo deGrande Sertão: Veredas: ambos buscam esclarecimentos, mas a narrativa perfaz o contrário em um movimento que, segundoHansen, faz das "coisas nomeadas encontrar seu sentido artisticamente superior no movimento mesmo dodevir dos seus conceitos, indeterminando a exterioridade de suas definições esquemáticas para apanhá-las na duração do seu ser na intuição acima do movimento".[40][41] Assim, de acordo com Araújo, a forma da narrativa roseana "segue mesmo é a lógica do mundo que resiste a qualquer classificação e acaba por na impossibilidade de escolher entre isso e aquilo, de chegar a uma resposta decisiva, única e final. Tudo ali é duplo, antagônico, é divisível e é ambíguo, tendo como marca a dilaceração do mundo e do sujeito moderno.".[42]

Enfim, o aspecto moderno e mesmo poético do conto estaria presente na indeterminação constante nas ações e no relato do filho, na permanência das dúvidas ao invés de saídas e soluções. Tal interpretação revela que qualquer perspectiva puramente mítica e transcendental do conto é uma interpretação parcial, porque capta apenas alguns elementos que o próprio conto fornece, mas que logo desconstrói, sendo a narrativa de "A Terceira Margem do Rio", de acordo com tal leitura, "realista e seu contrário, mística e seu contrário, transcendente e seu contrário" e, assim como emGrande Sertão: Veredas, "os narradores buscam o sentido de sua travessia e terminam sem saber. Prevalece mesmo a dúvida, a quebra dos modelos e a liberdade inventiva das formas deformadas, transformadas para acessar o poético".[42]

Algumas traduções para outras línguas

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Em carta ao poetaMurilo Mendes nos anos 1960, Rosa classificou as traduções contemporâneas a ele emfrancês e emalemão como "boas".[13]

Rosa soube da tradução de Giuliano Macchi para alíngua italiana em primeira mão através de carta de Mendes, que enviou o texto diretamente a ele. Algumas semanas depois de lê-la, em carta de 13 de fevereiro de 1963, Rosa lhe confessa: "(...) Li a tradução do "A Terceira Margem do Rio", do Dr. Giuliano Macchi, o Nazareth está aqui e ma mostrou. Acho-a formidável, admirável, portentosa, deslumbradora! Isto é que é "traduzir". Sei que jamais outros, em língua nenhuma, farão coisa tão soberbamente exacta e boa, tão verdadeira. É a TRADUÇÃOÍSSIMA, traducioníssima, para ficar em belos têrmos peninsulares. Em alguns pontos, ela supera mesmo o original. Estou feliz. (...)"[43] A tradução de Giuliano Macchi só foi publicada em 1977, num número da revistaProgretto, inteiramente dedicado ao Brasil.[44]

A força do conto "A Terceira Margem do Rio" levou à tradução, feita porBárbara Shelby, do livroPrimeiras Estórias para o inglês sob o títuloThe Third Bank of the River.[45]

São consideráveis também as traduções "La troisième rive de fleuve" (francês) de Ines Oseki-Dé- pré; "Das Dritte Ufer des Flusses" (alemão) de Curt Meyer-Clason em 1968;[46] "La Troisième Rive du Fleuve" (francês) na revistaPlanète, número 6, e a tradução emespanhol "La Tercera Orilla del Rio", no jornalMarcha, deMontevidéu.

Influência

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Na literatura

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A influência literária mais direta e óbvia de "A Terceira Margem do Rio" reside no conto "Nas Águas do Tempo" (publicado emEstórias Abensonhadas em 1994), deMia Couto, escritor moçambicano, um dos escritores contemporâneos delíngua portuguesa mais conhecidos no mundo.[47] Em ”Nas águas do tempo”, um avô do meio rural leva o seu neto várias vezes no rio numa canoa para o lago proibido, em clandestino da mãe do neto.[48] A grande inspiração de "A Terceira Margem do Rio" é confessa pelo próprio Mia Couto em questão temática, de oralidade e escrita, espécie de "transe":

"[...] E foi poesia que me deu o prosador João Guimarães Rosa. (...) Mais que a invenção de palavras, o que me tocou foi a emergência de uma poesia que me fazia sair do mundo, que me fazia inexistir. Aquela era uma linguagem em estado de transe, que entrava em transe como os médiuns das cerimônias mágicas e religiosas. Havia como que uma embriaguez profunda que autorizava a que outras linguagens tomassem posse daquela linguagem. Exatamente como o dançarino da minha terra que não se limita a dançar. Ele prepara a possessão pelos espíritos. O dançarino só dança para criar o momento divino em que ele emigra do seu próprio corpo. Para se chegar àquela relação com a escrita é preciso ser-se escritor. Contudo, é essencial, ao mesmo tempo, ser-se um não escritor, mergulhar no lado da oralidade e escapar da racionalidade dos códigos da escrita enquanto sistema único de pensamento. Esse é o desafio de desequilibrista – ter um pé em cada um dos mundos: o do texto e o do verbo. Não se trata apenas de visitar o mundo da oralidade. É preciso deixar-se invadir e dissolver pelo universo das falas, das lendas, dos provérbios. [...]"[49]

Na música popular

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Acanção "A Terceira Margem do Rio", commúsica deMilton Nascimento eletra deCaetano Veloso, foi lançada em 1990, explicitamente a partir do conto homônimo de Guimarães Rosa. A canção está na faixa 09 do álbumTxai (1990), de Milton Nascimento, e também na faixa 09 do álbumCirculadô (1991), de Caetano Veloso.

Adaptações

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Cinema

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Na sinopse do diretor, impressa na capa da versão emVHS, de distribuição da Riofilmes e Sagres Vídeo (1994), Nelson Pereira dos Santos relata o seguinte:

"(...) Desde que liPrimeiras Estórias, em 1962, fiquei particularmente impressionado por esse conto. Para melhor adaptá-lo misturei outras quatro estórias (...) Por que o homem abandona a família e vai viver no meio do rio? São indagações que não procurei responder. Talvez a terceira margem do rio seja o que todo mundo procura e não sabe o que é. Quis mostrar que talvez exista uma terceira margem para oBrasil, entre o velho e o novo."[50]

Referências

  1. Rosa, 2014.
  2. Goulart, 2004, p. 129.
  3. abRosa, 2001, p. 221-223.
  4. Jornal Vanguarda
  5. abBueno, 2008.
  6. Azevedo, 2001, p. 66.
  7. Hansen, 2012, p. 128.
  8. Araújo, 2016, p. 16.
  9. Araújo, 2016, págs. 18-19.
  10. Rónai, 1966, p.31-32.
  11. abRónai, 1966, p.32.
  12. A terceira margem do rio (Conto de Primeiras estórias), de Guimarães Rosa. Passeiweb. Acesso: 8 de julho de 2018.
  13. abAlçada, 1987, p.62.
  14. Bosi, 2003, págs. 36-37.
  15. abBosi, 2003, p. 37.
  16. Goulart, 2004, p. 134.
  17. Idem, p. 134.
  18. Goulart, 2004, p. 137.
  19. Rónai, 1966, p.22
  20. Rónai, 1966, p.26.
  21. Araújo, 2016, p.13.
  22. Perrone-Moises, 2002, p. 211.
  23. Synnemar, 2017, p.19.
  24. Araújo, 2016, p.12
  25. abBosi, 2003, p.242.
  26. abAraújo, 2016, p.14.
  27. Rosa, 2001, p. 84.
  28. abcPapette, s/d.
  29. Maia, Mateus de Novaes (12 de julho de 2025).«A Fonte, a Palavra e a Água: uma leitura de "A terceira margem do rio", de Guimarães Rosa, a partir de Tertuliano».TEOLITERARIA - Revista de Literaturas e Teologias (33): 249–262.ISSN 2236-9937.doi:10.23925/2236-9937.2025.70171. Consultado em 26 de agosto de 2025 
  30. Araújo, 2016, p.14. Para saber mais sobreCaronte eAqueronte, cf.Dicionário de Mitologia Greco-Romana, São Paulo:Abril Cultural, 1973, p. 11 e p. 30.
  31. Dicionário de Mitologia Greco-Romana, São Paulo:Abril Cultural, 1973, p. 12 e p. 65.
  32. Araújo, 2016.
  33. Bradbury e Mcfarlane, 1989, págs. 17-18. Cf. também Araújo, 2016, p. 14.
  34. Bradbury e Mcfarlane, 1989, págs. 19-20.
  35. Araújo, 2016, p. 13.
  36. Araújo, 2016, págs. 13-14.
  37. Araújo, 2016, p. 14.
  38. A partir de Braudbury e Mcfarlane, 1989, p. 13.
  39. Araújo, 2016, p. 15.
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  46. Kõln, Berlin, Ed. Kiepenheuer & Witsch, 1968.
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  48. Synnemar, 2017, p.14
  49. Couto, 2005, p. 107.
  50. Apud Silva e Cruz, 2009, p.10.

Bibliografia

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Livros
1930
Magma(1936)
1940
1950
1960
Obras póstumas
Contos selecionados
Adaptações principais
Cinema
Televisão
O Duelo(1973)Sorôco, Sua Mãe, Sua Filha(1975)Grande Sertão: Veredas(1985, minissérie)
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