Prémio Nacional ou Nacionalista?

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Muita gente acha que aReal Academia Española é uma aca­de­mia de lín­gua, mas não é.O mesmo acon­tece com aRAG, que é Real Academia Galega, e não da Língua Galega. O Reino da Espanha é pe­rito em pro­vo­car con­fu­sões como as an­te­di­tas, ou como a da falsa ofi­ci­a­li­dade das nor­mas or­to­grá­fi­cas. Pois nessa mesma or­dem de con­fu­sões está o co­nhe­cidoPremio Nacional de las Letras Españolas, que em 2024 foi para o grande es­cri­tor ga­lego Manuel Rivas.

O pré­mio é or­ga­ni­zado, es­co­lhido e con­ce­dido pelo Ministério es­pa­nhol da Cultura, e não pelaRAE, por se a al­guém lhe sur­gia a dú­vida. De ma­neira que o Ministério se­ria o agente duma ima­gi­ná­riaAcademia de las Lenguas Españolas, di­ri­gida a pre­miar o con­junto da obra das es­cri­to­ras nas lín­guas en­ten­di­das como “es­paño­las”, re­fe­rindo com esse ad­je­tivoas lín­guas go­ver­na­das pelo Reino da Espanha que não são o cas­te­lhano,por­que o cas­te­lhano é “el es­pañol” mas­cu­lino singular.

Ao sa­ber que o ad­mi­rado Rivas ti­nha sido alvo da­quele pré­mio, uma dú­vida tre­mo­lou-me nas cos­tas: Será que se de­cla­rou es­pa­nhol? Que afir­mou a sua obra ser es­pa­nhola? Ou, pior ainda, terá re­ne­gado da Galiza? A an­gús­tia es­ma­gava-me só de pen­sar em tais de­sa­ti­nos. Para meu alí­vio, re­sul­tou que não era nada isso, não.

Fui ver na pá­gina ofi­cial do Ministério e ve­ri­fi­quei que a no­tí­cia re­co­lhia uns pa­rá­gra­fos da re­so­lu­ção fi­nal do júri. Este afir­mava que o nosso Manuel Rivas fa­zia parte do “pa­no­rama li­te­ra­rio es­pañol”. Apesar de que lhe lou­vava a ex­tra­or­di­ná­ria qua­li­dade nar­ra­tiva e a car­reira como es­cri­tor, o júri as­se­gu­rava que o re­co­nhe­ci­mento mun­dial de Rivas era raro em al­guém de com­pro­misso firme “con su len­gua”. Depois, o texto de­cla­rava que Rivas le­vava a “es­cri­tura” (lapso por ‘li­te­ra­tura’?) “gal­lega” ao “olimpo de las Letras Nacionales” (“es­paño­las”, acres­cento eu).

Claro, a es­pa­nho­li­dade de Rivas era só uma atri­bui­ção do júri. Mas, além das me­re­ci­das lou­vas à sua obra li­te­rá­ria, a pulga an­dava-me atrás da ore­lha por aquela in­si­nu­a­ção de queo su­cesso in­ter­na­ci­o­nal ti­nha a ver com a lín­gua es­co­lhida e não com a qua­li­dade li­te­rá­ria. Então, con­ti­nuei a lei­tura da no­tí­cia e fui fi­cando mais esclarecida.

O Ministério evi­tava di­zer que Manuel Rivas é um es­cri­tor ga­lego e em ga­lego, ci­tava as pu­bli­ca­ções tra­du­zi­das a cas­te­lhano como se fos­sem obras ori­gi­nais nessa lín­gua, afir­mava que o pré­mio con­ce­dia-se às obras con­si­de­ra­das “del con­junto de la li­te­ra­tura es­pañola ac­tual” e, para ar­gu­men­tar essa ideia, a no­tí­cia rei­te­rava a na­ci­o­na­li­dade ofi­cial do au­tor, bem co­nhe­cida de to­dos por­que tam­bém é a nossa.

O Ministério da Cultura ven­dia-nos as­sim um Manuel Rivas “es­pañol” que re­ce­bia um pré­mio como se a sua obra fosse “es­pañola” e ti­vesse sido es­crita em “es­pañol”. Então tudo se­ria na­ci­o­nal “es­pañol”: a lín­gua, a obra e o Bilhete de Identidade. Que con­fu­são, não é? O pré­mio, que pa­re­cia ser li­te­rá­rio, na re­a­li­dade era um pré­mio na­ci­o­na­lista espanhol. 

Para quem busca a uni­for­mi­dade, a di­ver­si­dade lin­guís­tica é um sé­rio obs­tá­culo a contornar.

O Reino da Espanha pre­cisa des­sas con­fu­sões por causa da sua mal­di­ção:a de rei­nar so­bre na­ções di­ver­sas, mas com vo­ca­ção de Estado único, ra­zão pela qual nem vive nem nos deixa vi­ver. Para quem busca a uni­for­mi­dade, a di­ver­si­dade lin­guís­tica é um sé­rio obs­tá­culo a con­tor­nar e a arte li­te­rá­ria torna-se uma re­sis­tente fer­ra­menta para nós e um po­de­roso ini­migo para os uni­for­mi­za­do­res. Especialmente, se a lín­gua que quer con­ti­nuar a exis­tir está bem for­ma­li­zada e se di­fe­ren­cia muito da dominadora. 

Por isso, me­ni­nhas, es­cre­vei em Galego com or­to­gra­fia in­ter­na­ci­o­nal, essa que cha­mam de por­tu­guesa, sendo ela tão ga­lega, e ides ver como o es­pí­rito dic­ken­si­ano das “Letras Españolas” der­rete como a ge­ada com as pri­mei­ras lu­zes da primavera.

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