Title: Um contemporaneo do Infante D. Henrique
Author: Alberto Pimentel
Release date: June 13, 2010 [eBook #32792]
Most recently updated: January 6, 2021
Language: Portuguese
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UM CONTEMPORANEO
DO
INFANTE D. HENRIQUE
Carta a MR. MATHIEU LUGAN
POR
ALBERTO PIMENTEL
PORTO
Livraria Internacional de Ernesto Chardron
Casa editora
M. LUGAN, Successor
1894
Todos os direitos reservados
{1}
UM CONTEMPORANEO
DO
INFANTE D. HENRIQUE
{2}
PORTO—TYP. DE A. J.DASILVA TEIXEIRA
Cancella Velha, 70
{3}
UM CONTEMPORANEO
DO
INFANTE D. HENRIQUE
Carta a MR. MATHIEU LUGAN
POR
ALBERTO PIMENTEL
PORTO
Livraria Internacional de Ernesto Chardron
Casa editora
M. LUGAN, Successor
1894
Todos os direitos reservados
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L'histoire d'Alvaro Vaz de Almada est généralement peu connue hors du Portugal; et en Portugal même la biographie de ce grand homme est environnée de details contradictoires.
FERDINANDDENIS—Portugal, pag. 85.
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Meu prezado amigo:
Vivendo entre portuguezes ha muitos annos, quer v. corresponder á estima econsideração que d'elles tem justamente recebido, associando-se, como editor deobras litterarias, á commemoração solemne com que a cidade do Porto vaicelebrar o quinto centenario do nascimento do infante D. Henrique, oDescobridor.
É nobre a acção, que v. se propõe praticar. E, procedendo assim, segue oexemplo de muitos estrangeiros, a quem Portugal{8} devegratidão pelo interesse que tem tornado em evidenciar á luz da verdade e dagloria os feitos d'este pequeno povo, que tamanhos serviços prestou no seculoXV á sciencia e ao commercio, á humanidade e á civilisação,especialmente no momento historico em que o infante D. Henrique apparece emscena para emprehender e estimular os descobrimentos maritimos.
Entre esses estrangeiros a quem devemos ser gratos, avulta, certamente, umcompatriota de v., o illustre Ferdinand Denis, que tanto amou, com especialdedicação, o passado de Portugal nas suas gloriosas tradições e nos seustriumphos por mar e por terra, na guerra ou na paz.
Estamos, pois, habituados á sympathia de estrangeiros, e não é, por isso, deestranhar a deliberação de v. Mas é para agradecer e louvar.
Acceitando a missão de auxiliar o nobre{9} alvitrede v., e achando-me collocado em frente do periodo mais brilhante da historiade Portugal, que o infante D. Henrique personifica, lembrei-me de que oassumpto, comquanto vasto, ha de ser amplamente tratado por muitos escriptoresportuguezes, que mais ou menos se encontrarão n'um ponto de partida commum: avida do infante, e a sua influencia na successão dos nossos descobrimentosmaritimos.
Assim, pois, pensei que, sendo já conhecida, nas suas linhas geraes, abiographia do infante, eu poderia, sem atraiçoar a intenção de v., tomar outrorumo, estudando, dentro dos estreitos limites de uma carta, a feiçãoproeminente de uma época, de que D. Henrique foi a culminação, mas que seassignalou pelo concurso de um grupo de homens colossalmente prestigiosos.
Como na vida de todos os heroes, ha{10} manchas,claro-escuro na vida do infante Descobridor. Encarado em si mesmo o homem, tevedefeitos, commetteu erros, mas não é esta a hora propria para os relembrar. Oprincipe exerceu, e este é o ponto essencial e capital, uma acção benefica nahistoria da humanidade, e marca o periodo que, elevando Portugal, aproveitou aomundo todo.
Mas, quanto á época, é justo, sem nunca perder de vista o infante, procurarmedir a estatura dos portuguezes do seculoXV, que com ellecollaboraram, nas viagens ou nas campanhas, e que constituem os elementos decaracterisação do espirito arrojado, leal, cavalheiresco, épico, dosinexcediveis heroes d'esse tempo.
A alma portugueza era então um mixto de poesia e valor, sobretudo de poesiano valor. Feita de bronze, não conhecia perigos, difficuldades, resistencias. Oinfante, estimulando a coragem{11} para as emprezasmaritimas, era a expressão do sentir de heroes, que avançavam sempre, contra oMar Tenebroso, contra os moiros, os inimigos exteriores, ou contra asagitações da politica interna, sem medirem os percalços do commettimento.
A pureza dos costumes, nos homens e nas mulheres, dava um como perfume desantidade impeccavel ás ideas e aos sentimentos da época. A religião era maisalguma coisa do que o culto de Deus nos templos: era a lei por onde cada umregia as suas palavras e acções, os seus pensamentos e feitos, nas suasrelações com Deus ou com os homens.
O fanatismo religioso levava a vêr inimigos n'aquelles que, não commungandona mesma religião, não poderiam attingir o gráo de perfeição moral em que todasas crenças se purificavam. Era um preconceito do tempo, eram as idéas da época.Mas ha n'esse sentir, que hoje se nos{12} afigurabarbaro, uma noção mal comprehendida, posto que sincera, de que o catholicismoera a unica expressão possivel da civilisação dos costumes.
Alongados os descobrimentos maritimos pela costa occidental da Africa,iniciado, com chave de oiro, o periodo dos factos gloriosos, que nos deramfarta participação nos progressos da civilisação universal, fechava-se,simultaneamente, a porta do espirito cavalheiresco que dominára o coração dosportuguezes da idade-média.
Depois d'isso fomos guerreiros, mas não eramos já cavalleiros. Fomos aindaconquistadores, mas não eramos já impulsionados por um mobil limpo de ambiçõesmesquinhas.
O joven rei D. Sebastião, voltando da sua primeira jornada a Africa, quizdesembarcar no cabo de S. Vicente, por uma noite de lua, e alli se demorou noveou{13} dez dias, como elle proprio contou, meditandoambiciosamente na grandeza de uma época, que dos rochedos do Algarve, como umaáguia, havia no tempo de D. Henrique arrancado vôo para ir assombrar o mundointeiro.
Tinha pena o joven e valoroso rei de não ser d'essa época. E com razão. MasPortugal havia começado a descer: Alcacerquibir, o abysmo cavado pelas mãos doimprudente monarcha, breve se transformaria na sepultura de um seculo degloria.
Não trarei, meu amigo, novos subsidios á biographia do infante Descobridor,de quem tantas pennas illustres se irão por certo occupar; mas procurareidesenhar, na vasta tela da sua época famosa, o vulto de um homem, que é umelemento importantissimo de caracterisação e de synthese, de um homem sem oqual essa enorme e brilhante conjugação de heroes,{14}apostados em glorificar o nome da patria, ficaria incompleta.
Refiro-me a Alvaro Vaz de Almada, que foi contemporaneo do infante D.Henrique, e que bem se póde chamar o ultimo cavalleiro portuguez.
Herculano escreveu d'elle noPanorama: «D. Alvaro, caindo morto, erao symbolo da cavallaria expirando».
O proprio infante D. Henrique dizia de Alvaro Vaz de Almada que não sómentePortugal, mas tambem toda a Hespanha, podiam ter grande gloria de crear tãofamoso cavalleiro.
E o rei Affonso de Napoles e seu irmão o infante D. Henrique de Aragãodiziam que tinham encontrado em Portugalbom pão e bom capitão.Bomcapitão: Alvaro Vaz.
Tal era o homem.{15}
*
* *
Resumirei, quanto me fôr possivel, o quadro genealogico de Alvaro Vaz deAlmada.
D. Sueiro Viegas Coelho, fidalgo de velha estirpe, teve dois irmãos e umairmã. D'elles, o mais velho foi frade; o outro, Gonçalo Magro, continuou-sen'um filho bastardo, Lourenço Gonçalves, que casou com D. Thereza Godins.
D'este casamento houve dois filhos, um dos quaes, Vasco Lourenço, teve porsuccessor João Annes de Almada, que foi chamado oGrande, e foi védor dafazenda d'el-rei D. Pedro e d'el-rei D. Fernando.
É com este cavalleiro, que por seu bom conselho, reflectida experiencia,alta posição{16} politica e apparatosa apresentação[1] mereceu o cognome deGrande, que principia, na sua familia, o appellido deAlmada,pelo facto d'elle ser natural d'aquella villa.
Diz D. Antonio de Lima, noNobiliario, que João Annes fôra por duasvezes enviado ao estrangeiro como embaixador, e que por lembrança sua mandára orei D. Fernando começar a cêrca nova de Lisboa[2]. Ferdinand Denis tambem se refere a estefacto[3].{17}
Casado com D. Urraca Moniz, deixou um filho, Vasco Lourenço de Almada, quefoi o instituidor do morgado da sua familia na villa do mesmo nome, e quemorava em Lisboa nos seus paços de Valverde[4], junto ao Rocio.
Este Vasco Lourenço teve um filho e uma filha.
O filho, João Vaz de Almada, casou com D. Joanna Annes, de quem houve umafilha, e dois filhos: Pedro Vaz de Almada, primogenito; Alvaro Vaz de Almada,que por morte do irmão herdou o morgado instituido pelo avô[5].
Merece chronica a vida de João Vaz de Almada, pai de Alvaro Vaz.{18}
Foi feito cavalleiro por D. JoãoI depois da batalha deAljubarrota[6].
Em 1400 enviou-o D. JoãoI a Castella, com o arcebispo deLisboa e o doutor Martim Docem para negociar um tratado de paz ou treguas, e em1404 a Inglaterra, tambem com Martim Docem, para tratar do casamento de D.Beatriz, filha natural do rei, e irmã do duque de Bragança, com o conde deArundel e de Surry[7].
Mais tarde, quando D. JoãoI se apercebia para a conquista deCeuta, enviou João Vaz de Almada outra vez a Inglaterra para levantarquatrocentas lanças ao serviço de Portugal.
Parece que João Vaz levou comsigo{19} seu filhoAlvaro, porquanto ha noticia de uma carta de HenriqueV, rei deInglaterra, ás auctoridades do porto de Londres, ordenando-lhes que deixemsahir livremente os homens de armas e trezentas e cincoenta lanças que AlvaroVaz havia contratado para o rei de Portugal[8].
Não foram estes os unicos auxilios que D. JoãoI mandoubuscar a Inglaterra com o mesmo fim. Tambem Pedro Lobato trouxe d'aquelle paiztrezentas lanças «para o muito poderoso principe o infante D. Henrique, filhodo dito seu tio—diz HenriqueV n'uma carta aos seusalmirantes,—a fim de fazer a guerra aos incredulos e aos inimigos da fécatholica[9].
Pormenor interessante: Este mesmo Pedro Lobato trouxe n'essa occasiãouma{20} armadura completa para o infante D. Henrique.
Vieram ainda mais sessenta lanças, com os respectivos cavallos e armaduras,a bordo de dois navios portuguezes, de que eram mestres João Affonso e EgydioJoão.
João Vaz de Almada acompanhou D. JoãoI na viagem a Ceuta.
Conta Fernam Lopes que, tendo alguem visto um grande bando de pardaes sobreo castello d'aquella cidade, dissera:
—Não vêdes como aquelles pardaes alli estão assocegados? Que me matem seSalat-bem-Salat com todos os outros não é partido d'alli, e deixou o castellovazio, cá se assi não fosse, não estariam alli aquelles pardaes assi deassocego.
Foram dizer isto ao rei D. João, que respondeu:
—Pois que assi é, vão chamar João{21} Vaz deAlmada[10], que traz abandeira de S. Vicente, e digam-lhe de minha parte que a vá logo poer sobre amais alta torre.
Chamado immediatamente João Vaz, foi, com alguns outros, caminho docastello, levando o estandarte de S. Vicente, padroeiro de Lisboa.
Tentavam forçar as portas da fortaleza, quando sobre o muro appareceram doishomens, um biscainho e o outro genovez, que lhes disseram em castelhano:
—Não filheis trabalho em quebrar as portas, cá não tendes nenhum empacho emvossa entrada, cá os mouros são já partidos todos d'aqui e sómente ficamos nósambos que vos abriremos as portas quando quizerdes.{22}
—Ora pois, respondeu João Vaz de Almada, filhai lá esta bandeira e ponde-asobre esse muro, até que nos vamos.
Este mesmo episodio é contado por mestre Matheus de Pisano[11], estrangeiro erudito, quefoi chamado a Lisboa para escrever em latim a historia da guerra de{23} Ceuta, como quer Herculano[12], ou para ser professor de D. AffonsoV.
João Vaz de Almada levou a Ceuta os seus dois filhos, Pedro e Alvaro, que,depois da victoria, ahi foram armados cavalleiros: Pedro pela mão do infante D.Duarte, herdeiro da corôa[13]; e Alvaro por mão do infante D. Pedro.
Foi certamente n'esse dia que principiaram a estabelecer-se entre D. AlvaroVaz de Almada e o infante D. Pedro, como consequencia tradicional d'essacerimonia, os laços de lealissima amizade, que os uniu durante toda aexistencia, e{24} que não deixou sobreviver um ao outromais do que alguns momentos.
D. JoãoI deu a capitania e guarda da fortaleza de Ceuta aJoão Vaz de Almada, que a teve até á partida d'el-rei para o reino, ficandodepois a cidade entregue a D. Pedro de Menezes, que foi o primeiro capitãod'ella.
Recolhendo a Portugal, João Vaz de Almada, malquistado, por motivosdesconhecidos, com Gonçalo Pires Malafaia, esperou-o ás portas da Relação emaltratou-o corporalmente[14].
Malafaia, que já tinha sido escrivão da chancellaria de el-rei D. Fernando,seguiu, por morte d'este rei, a causa do mestre de Aviz, exercendo depois, e emannos successivos, os cargos de védor da fazenda{25}real, e o de regedor (presidente) da Casa do Civel, além de receber por doaçãoas propriedades confiscadas, no termo de Lisboa e Santarem, a João FernandesPacheco e a Fernam Gomes da Silva.
Como Malafaia foi nomeado regedor do Civel em 1457, mais de vinte annosdepois da morte de D. JoãoI, entende um escriptor moderno serinverosimil a noticia d'aquelle conflicto como causa determinante da emigraçãode João Vaz de Almada, por isso que os codices dão Malafaia como exercendo oreferido cargo n'essa occasião[15].
O facto dos chronistas lhe declararem a qualidade de regedor do Civel nãoinvalida, a meu vêr, a noticia do conflicto, porque muitas vezes os escriptoresantigos,{26} referindo-se a um acontecimento qualquer,intromettem circumstancias que se deram antes ou depois, especialmente quandomencionam titulos ou actos de um mesmo individuo.
O conflicto causou escandalo e irritou D. JoãoI, que,collocado entre dois homens a quem devia serviços e dedicações, cortou adireito, quiz fazer justiça contra o aggressor.
João Vaz de Almada teve de fugir para Inglaterra, onde já era conhecido; elevou comsigo os seus dois filhos, Pedro e Alvaro.
Fosse esta ou outra qualquer a causa determinate da sahida do fidalgoportuguez e seus dois filhos legitimos para Inglaterra (o auctor daHistoriaSerafica limita-se a dizer: «os quaes ausentando-se do reino por razões,que para isso tiveram», parecendo comtudo querer occultar assim um motivodesagradavel), o que não{27} padece duvida é que JoãoVaz de Almada emigrou para aquelle paiz, d'onde, tendo fallecido, vieram maistarde os seus restos mortaes, bem como os de seu filho Pedro, para a capella defamilia, que possuiam em S. Francisco de Lisboa[16].
Duarte Nunes de Leão diz que João Vaz de Almada acompanhára o rei deInglaterra, que devia ser HenriqueVI, até Rouen. Sendo assim,assistiria ao sacrificio de Joanna d'Arc (30 de maio de 1431). E que fôraagraciado com a ordem da Jarreteira[17].
Pela minha parte não ouso confirmar estas noticias, mas apenas acceitar,como authentica, a morte de João Vaz de Almada em Inglaterra.{28}
*
* *
Fallemos agora de Alvaro Vaz de Almada, obom capitão, o heroe famosode um cyclo de heroes, que deu honra e gloria a Portugal.
O snr. Oliveira Martins figura Alvaro Vaz acompanhando o seu dilecto amigo oinfante D. Pedro de Alfarrobeira logo ao principio da sua celebre viagem, logoque, como dizia o povo, começou acorrer as sete partidas do mundo.
Á sahida de Castella, onde o infante fôra visitar D. JoãoII,galopava a seu lado, segundo a expressão do snr. Oliveira Martins, o seu fielAchates, Alvaro Vaz de Almada, fadado para um destino igualmente cruel.
Outras affirmações faz ainda o snr. Oliveira Martins. Precisamosconhecel-as.
«D'esta Jornada, agora começada, principia{29} aamizade constante que ligou em vida Alvaro Vaz a D. Pedro, etc.»
«Dois annos haveria apenas que Alvaro Vaz voltára ao reino coberto degloria. Batalhára pelos inglezes em Azincourt, no proprio anno da tomada deCeuta, e o rei HenriqueV dera-lhe o condado de Avranches, namarka franceza, com a ordem da Jarreteira. Essas guerras de França,começadas havia tres annos, tinham de durar meio seculo, e talvez os viajantespartissem com idéa de tambem intervir n'ellas. Alvaro Vaz, cavalgando ao ladodo infante, contar-lhe-hia os casos de bravura presenciados no dia famoso deAzincourt; e D. Pedro, em volta, lhe diria como fôra a jornada de Ceuta n'esseproprio anno»[18].
A amizade do infante e de Alvaro Vaz{30} principiáraantes da partida de D. Pedro para o estrangeiro.Elles eram irmãos dearmas, circumstancia que, segundo o espirito da época, impunha deveressagrados de reciproca amizade e lealdade[19].
Quando, annos depois, o duque de Coimbra, vendo aproximar-se a hora docombate com as tropas d'el-rei seu sobrinho, pergunta a Alvaro Vaz se estádisposto a todos os sacrificios, incluindo o da morte, tem em resposta:—Nãosou eu vosso irmão de armas?[20]
Eram. Porque ambos haviam sido armados cavalleiros no mesmo dia, em Ceuta,depois da victoria.{31}
Alvaro Vaz tinha estado em Inglaterra com o pai, mas devia regressar poucoantes de partir D. JoãoI para Africa.
Como já sabemos, João Vaz de Almada teve razões para refugiar-se mais tardeem Inglaterra levando comsigo os dois filhos legitimos[21].
Isto passou-se depois da tomada de Ceuta, onde pelas chronicas sabemos queestivera João Vaz de Almada, e onde seu filho, Alvaro Vaz, fôra armadocavalleiro, por mão do infante D. Pedro[22], tendo ambos, o infante e Alvaro Vaz[23], aproximadamente a mesmaidade.
Não foi, como documentalmente provaremos,{32}HenriqueV que deu a Alvaro Vaz o condado de Avranches.
Não poderia Alvaro Vaz contar ao infante os casos de bravura presenciados nodia famoso de Azincourt.
E a razão é obvia. A batalha de Azincourt feriu-se em 1415, e n'este mesmoanno, em agosto, se realisou a tomada de Ceuta. Antes, João Vaz e Alvaroestiveram de passagem em Inglaterra, para levantar lanças; só posteriormente áviagem a Africa com D. JoãoI é que emigraram.
HenriqueV reinou de 1413 a 1422.
Depois de Ceuta, o genio ardente e o animo valoroso de Alvaro Vaz não lheconsentiram ficar indifferente á guerra que HenriqueV moviacontra o desgraçado CarlosVI para fazer vingar as antigaspretenções dos Plantagenets sobre a França.
Alvaro Vaz de Almada pagava assim, combatendo pela Inglaterra, ahospitalidade{33} que elle e a sua familia receberam daInglaterra.
HenriqueVI, como veremos por documentos, remunerou-lhe, maistarde, os serviços que elle havia prestado a HenriqueV, e aindaas provas de amor, obediencia e dedicação que já no seu reinado Alvaro Vazhavia dado á corôa de Inglaterra.
D'aqui poderá inferir-se que Alvaro Vaz esteve ainda em Inglaterra depoisque HenriqueVI, contando alguns mezes de idade, succedeu a seupai em 1422, e ahi prestou serviços, ou que, depois de ter regressado ao reino,voltasse áquelle paiz, como parece suppôr um escriptor nosso contemporaneo[24].
Pelo que deixamos dito, é mais que{34} muitoduvidoso que Alvaro Vaz partisse de Castella cavalgando ao lado do infante D.Pedro.
Qualquer que fosse o anno em que o infante partiu, sabemos que já estava naAllemanha em 1419, quando o imperador Sigismundo lhe concedeu a marka ou ducadofronteiriço de Treviso.
Foi justamente n'esse anno ou pouco antes que Sigismundo, já rei da Hungria,herdou de Wenceslau a corôa da Bohemia, e se achou a braços com os Hussitas eos Turcos.
Duarte Nunes, o auctor dosRetratos dos varoes e donas[25], e outros escriptores dãonoticia de ter Alvaro Vaz de Almada combatido pelo imperador Sigismundo contraos Turcos.{35}
Não custa acredital-o. Sabendo que o seu grande amigo, o infante D. Pedro,estava na Allemanha, decerto se daria pressa em avistar-se com elle, indoimmediatamente ao seu encontro. Como não era homem para estar parado nemquieto, continuaria a ser alli «irmão de armas» do infante, combatendo poralgum tempo a seu lado.
Um escriptor moderno affirma este facto, sem hesitações: «Tambem Alvaro Vazde Almada militou nos exercitos do imperador Sigismundo da Allemanha, e ahi seencontrou com o infante D. Pedro, estreitando os laços de amizade que a elle ouniam, desde que fôra armado cavalleiro»[26].{36}
É mais natural que Alvaro Vaz se encontrasse com o infante D. Pedro naAllemanha do que na Inglaterra, porque D. Pedro parece ter estado n'este paizpouco antes de recolher a Portugal em 1428, visto que a concessão daJarreteira, com que foi agraciado por HenriqueVI, tem a data de22 de abril de 1427, e Alvaro Vaz já em 1423 estava em Lisboa.
Ha um documento d'esta época, pelo qual Alvaro Vaz de Almada foi nomeadocapitão-mór da armada de D. JoãoI.
É o seguinte:
«D. João, etc. A quantos esta carta virem fazemos saber que nós querendofazer graça e mercê a Alvaro Vasques de Almada, cavalleiro nosso vassallo, porserviços que d'elle recebemos e entendemos a receber ao deante: Temos por bem edamol-o por nosso capitão-mór da nossa frota pela guisa que o era GonçaloTenreiro{37} em tempo d'el-rei D. Fernando, nossoirmão, a quem Deus perdoe, e por a guisa que o foi Affonso Furtado em nossotempo, e porem mandamos aos patrões, alcaides, arraes e pintitaes, comitres ebésteiros, galeotes, marcantes, marinheiros e a todos os outros, a que estacarta fôr mostrada, que o hajam por nosso capitão-mór, como dito é, e lheobedeçam e façam todas as cousas que lhes elle mandar fazer por nosso serviço,e segundo a seu officio pertence, e que possa com elles fazer justiça, ou emcada um d'elles, assim como a nós fariamos outrosim se presente estivessemos, emandamos a todas as nossas justiças que cumpram suas cartas e mandados, e lheajudem a fazer e cumprir direito e justiça em todas as cousas que lhe elleassim disser e mandar da nossa parte quando pertence a seu officio, senão sejamcertos quaesquer que o contrario d'isto fizerem, que lh'o extranharemosgravemente{38} nos corpos e haveres como aquelles quenão cumprem mandado de seu rei e senhor: em testemunho d'isto lhe mandamos daresta nossa carta, dada em Cintra a vinte e tres dias de junho. El-rei o mandou.Martim Vasques a fez, éra do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de milquatrocentos vinte tres»[27].
Este documento, publicado nasProvas da Historia Genealogica, põe umlimite preciso e seguro ás viagens de Alvaro Vaz. Por elle vêmos que obomcapitão recolheu{39} ao reino muito primeiro que oseu amigo, infante D. Pedro, isto é, cinco annos antes.
D. JoãoI quiz certamente dar, com esta nomeação, umaindemnisação á familia Almada: honrar o filho, visto que não pudéra perdoar aopai.
Até ao anno da desgraçada expedição de Tanger (1437) não teve Alvaro Vaz deAlmada, na sua qualidade de capitão-mór da frota, motivo para se assignalar porfeitos de armas.
Mas em Tanger o vamos encontrar derramando o sangue pela patria, ecombatendo com o valor de que já havia dado sobejas provas em Ceuta ao serviçode D. JoãoI, e na Inglaterra ao serviço de HenriqueV.
O infante D. Henrique, tendo chegado a Tanger, estabelece arraiaes n'umouteiro que ficava contra o cabo d'Espartel, desviando-se das instrucções que aeste respeito{40} lhe havia dado seu irmão o rei D.Duarte.
«E em se começando a gente de alojar, sahiu uma voz, com um rumor semcertidão, que as portas da cidade estavam abertas e os mouros fugiam; e a estealvoroço acudiram muitos de cavallo contra a cidade, para entrarem, ecommetteram o feito mui ardidamente, e se metteram entre o muro e a barreira, ecombateram as portas tão rija e ousadamente, que de tres juntas que eram,romperam duas; e a terceira, que se diz o Postigo de Guyrer, commetteram comfogo: e, por ser forrada de ferro e sobrevir a noite, não foi entrada; e tambemporque os mouros a defenderam mui bravamente. E o conde de Arrayolos, pormandado do infante, foi recolher a gente que, alli e na porta do castello e nasoutras da cidade, estava em combates repetidos: em que morreram muitos cavallose alguns christãos, e sahiram muitos{41} feridos: entreos quaes foi o conde de Arrayolos, de uma setta por uma perna,e o capitãoAlvaro Vaz d'outra por um braço»[28].
É o primeiro ferimento recebido, ao serviço de Portugal, por Alvaro Vaz.Qualquer que fosse, porém, a sua gravidade, de novo o vemos a combateresforçadamente logo no primeiro combate regular que o infante D. Henriqueordenou contra os mouros.
«Mas o infante D. Henrique, vendo que o commettimento por aquella vez nãosuccedia como esperava, e que sua gente recebia dos mouros muito damno, a fezrecolher: de que ficaram até vinte christãos mortos e quinhentos feridos: emandou ficar as bombardas e engenhos em{42} seusalojamentos juntos com o muro d'onde tiravam, cuja guarda encommendou aorecebel-a ao capitão Alvaro Vaz e a outros, que, por estarem afastadas doarraial e pegadas ao muro, receberam dos inimigos muita affronta e trabalho: eelles, na defensão d'ellas e offensão que aos mouros faziam, deram de si clarotestemunho de valentes cavalleiros»[29].
No segundo combate contra os mouros, o capitão Alvaro Vaz continua aassignalar-se:
«E n'este mesmo dia era fóra D. Alvaro de Castro, e ocapitão, eGonçalo Rodrigues de Sousa, e Fernam Lopes d'Azevedo, com setenta de cavallo:e, topando com quinhentos mouros de cavallaria e muitos de pé, pelejaram comelles e, a seu salvo,{43} lhe mataram quarenta, etornaram victoriosos a recolher-se com o conde (de Arrayolos) e com os outros,que dos mouros vinham bem perseguidos»[30].
Mas é sobretudo no tumultuoso embarque das tropas portuguezas, na retiradade Tanger, que o capitão Alvaro Vaz, de par com o marechal Vasco FernandesCoutinho, que depois foi feito conde de Marialva, pratica um acto de extremadacavallaria.
Oiçamos o chronista:
«... o infante com muito resguardo fez recolher a gente, e encommendou aomarechal, e ao capitão Alvaro Vaz, que com alguma somma de bésteiros ficassemsobre o atalhamento do palanque, em um arrife que ahi sobre o mar se fazia,d'onde contrariassem os mouros por maneira, que{44} oschristãos embarcassem com mór segurança, e depois se recolhessem com suaventura o melhor que podessem; e certamente assim como este encargo era degrande perigo a estes dois nobres homens, assim n'elle como esfoçados, seaproveitaram de muita honra e boa fama que n'elle ganharam, e não sómenten'esta, mas em todas as outras affrontas n'este feito passadas, elles por suabondade d'armas, e grandeza de coração, foram havidos por especiaes capitães, enotaveis cavalleiros. A gente miuda, com desejo de salvar as vidas de que foramdesesperados, embarcavam com grande desordenança a que se não podia prover, cáse lançavam ao mar soltamente, não esguardando se o batel era do navio, em quevieram, se de outro algum, e muitos d'elles por fazerem os mareantes em suasalvação mais attentos e diligentes tentavam-n'os com cubiça, offerecendo-lheslogo nas mãos, alguma{45} provesa que ainda escapara; eisto começou de dar grande desaviamento á embarcação, e causar algum damno;porque a todos os ministros do mar venceu tanto esta aborrecivel cubiça, quesuspendiam a entrada dos que alguma cousa lhe não peitavam, e os dispunham porisso a grande perigo, do que el-rei houve, depois, sabendo-o, gran desprazer, esegundo a mostrança de seu desejo, certamente este erro não ficára sem gravepunição, se d'elle pudéra achar os certos auctores. O marechal, e ocapitão, como a gente que guardavam viram embarcada, começaram de serecolher na melhor ordenança que puderam, mas os mouros, por acabarem demostrar sua falsa concordia, e verdadeira imisade, como os viram mover paraembarcar, ordenaram dos pavezes que achavam no palanque, uma forte pavezada,com que tão rijamente os commetteram, que muitos dos christãos, especialmenteos{46} bésteiros, não podendo soffrer um duvidosoperigo, tomaram para suas vidas outro maior, e mais certo, lançando-se semalgum tento ao mar, onde morreriam até quarenta.E tanto era o primor dahonra n'estes dois cavalleiros, que em chegando ao batel, que para seurecolhimento os esperava, e trazendo com a perseguição dos mouros a morte nascostas, á entrada d'elles ambos se rogaram, affrontando um ao outro a primeiraentrada, procurando com palavras de muita cortezia e grande esforço, por cadaum ficar por derradeiro em guarda do outro; e porem com todos estes revezes, aodomingo pela manhã eram já todos á frota recolhidos»[31].
Este lance da biographia de Alvaro Vaz de Almada é, com effeito, de umagalhardia{47} cavalheirosa, que inflamma o espirito dequem n'elle attenta, apesar de sermos chegados a um tempo em que estas proezasguerreiras têm já todo o caracter de factos longinquos e semi-phantasticos.
Á volta de Tanger, Alvaro Vaz torna-se verdadeiramente notavel pelasuperioridade com que sabe disfarçar a sua dôr pelo desastre soffrido.
D. Duarte estava em Carnide, quando «... chegaram em tanto a Lisboa dos quevinham de Tanger, muitos navios que certificaram o caso como finalmentepassára, de que el-rei foi logo avisado, e certamente foi mui aspero de ouvir,que o infante seu irmão ficava em poder de mouros; mas por saber, que a mais dasua gente era em salvo, deu por isso muitas graças a Deus, e como rei virtuoso,humano e agradecido, deteve-se n'aquella aldeia, para vêr e agasalhar os quevinham do cêrco,{48} dos quaes muitos, ao tempo que iamfazer-lhe reverencia, em disformes semelhanças e tristes vestidos, que paraisso de industria vestiam, e com palavras a desaventura conformes, se lhemostravam, e d'elles fingiam ser muito mais damnificados do que na verdade oforam, com fundamento de carregarem mais na obrigação para o feito de seusrequerimentos, que alguns logo faziam e outros esperavam fazer, de que el-reirecebia publica dôr e tristeza; mas a estes foi mui contrario, o nobre evalente cavalleiro Alvaro Vaz de Almada, capitão-mór do mar, que como quer queno cêrco de Tanger de sua fazenda perdesse muito, e da honra por merecimentosd'armas não ganhasse pouca, como chegou a Lisboa, antes de ir fallar a el-rei,logo de finos pannos e alegres côres se vestiu, a si e a todos os seus, e comsua barba feita e o rosto cheio de alegria, chegou a Carnide, onde el-reiandava{49} passeiando fóra das casas, e com elle oinfante D. Pedro, e depois de lhe beijar as mãos e lhe dizer palavras de grandeconforto, el-rei o recebeu mui graciosamente, e louvou muito sua ida n'aquellamaneira, que não sómente lhe apontou cousas e razões, para não dever poraquelle caso ter nojo nem tristeza, mas ainda que por elle devia ser mui alegree contente, estimando em nada o captiveiro do infante seu irmão, que era umhomem só e mortal, em que haviam muitos remedios, em respeito da grande famaque n'aquelle feito em seu nome se ganhára, aconselhando-lhe mais o repique ealvoroço dos sinos, para honra e prazer dos vivos, que o dobrar d'elles queouvia, por tristeza e pelas almas dos mortos; pelo que el-rei começou a mostrarque aquelle era o primeiro descanço que seu coração recebia, e por isso e porseus bons merecimentos lhe prometteu muita mercê, e grandeacrescentamento;{50} e sem duvida assim o fizera, sesua antecipada morte o não tolhera»[32].
Ferdinand Denis, referindo-se a esta passagem da vida de Alvaro Vaz,escreve: «Mostrou-se principalmente corajoso cavalleiro durante o cêrco deTanger, onde ficou prisioneiro o infante D. Fernando, que morreu em Fez; se bemque quando voltou ao reino, o bom rei D. Duarte sahiu para o receberpessoalmente, a pé, fóra de Carnide, onde estava. Fez-lhe taes favores emercês, como até então ninguem tinha recebido. Foi d'elle que o rei Affonso deNapoles e seu irmão o infante D. Henrique d'Aragão diziam que haviam encontradoem Portugal bom pão e bom capitão»[33].{51}
Cumpre advertir que, segundo o testimunho do chronista Pina, o rei D. Duartenão teve tempo de fazer a Alvaro Vaz as mercês que desejava, e que as maioresque o famoso capitão recebeu não provieram de Portugal, mas de Inglaterra.
Muitos escriptores suppozeram que Alvaro Vaz de Almada fôra feito conde deAvranches pelo rei de França, e cavalleiro da ordem da Jarreteira pelo deInglaterra; mas não padece a menor duvida que ambas estas graças lhe foramconcedidas pelo monarcha inglez, HenriqueVI, quando, como reide França, senhoreava o ducado de Normandia.
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* *
Dois annos depois do desastre de Tanger, principia a agitar-se em Portugala{52} famosa questão daregencia, que havia deter um tragico desfecho no combate de Alfarrobeira.
Em agosto de 1439 a rainha D. Leonor passou-se de Santo Antonio do Tojal,onde estava, para Sacavem, e o rei menino, AffonsoV, tornoupara Lisboa, onde estava o infante D. Pedro.
Este infante fez reunir em sua casa as pessoas de maior confiança, e entreellas o «seu grande amigo Alvaro Vaz de Almada, capitão-mór do mar»[34], ás quaes se queixou dapequena parte que do governo lhe coubera nas côrtes, e communicou a resoluçãode abandonar por completo os negocios do Estado, retirando-se para as suasterras.
N'essa reunião particular, de caracter{53} intimo,distinguiu-se Alvaro Vaz aconselhando o infante a que, se lhe não entregassemlogo todo o poder da regencia, se recolhesse aos seus dominios, «porque perdiamuito de sua auctoridade e estimação andando na côrte com tão poucaauctoridade»[35].
Era este um meio, habilmente procurado por Alvaro Vaz de Almada, paraestimular o animo do povo, e apressar os acontecimentos no interesse doinfante.
A rainha, por sua parte, tomava represalias irritantes contra os amigos epartidarios de D. Pedro.
Uma d'ellas foi despedir do seu serviço a irmã de Alvaro Vaz de Almada, pordesconfiar que ella communicava ao irmão o que se passava na côrte.{54}
Este e outros actos, como, por exemplo, a mercê que D. Leonor fizera a NunoMartins da Silveira, aio do rei, dos varejos a que os mercadores de Lisboa eramobrigados de sete em sete annos, irritaram profundamente os partidarios doinfante, entre os quaes eram numerosos os homens do povo.
Foram-se de parte a parte exaltando os animos, a ponto que a rainha julgouconveniente á sua segurança transferir-se de Sacavem para Alemquer.
N'este lance da narrativa encontram-se Ruy de Pina e Gaspar Landim, se bemque ambos elles se equivoquem, quando se referem a Alvaro Vaz de Almada, emattribuir a mercê do condado de Avranches ao rei de França e a da Jarreteira aode Inglaterra, quando foram feitas, como sabemos, pelo mesmo rei, que ao mesmotempo se intitulava rei de Inglaterra e de França.{55}
«Os officiaes de Lisboa,—diz Ruy de Pina,—vendo esta mudança da rainhafizeram logo seu ajuntamento, onde Vicente Egas Homem, cidadão velho, entendidoe de grave representação fez uma falla com largo recontamento, cuja substanciafoi avisar a cidade dos males e perigos, que por as mudanças presentes se lheapparelhavam; e como para terem por cabeça alguma pessoa que por ella osresistisse, lhe era necessario elegerem e tomarem alferes,apontando logo ocapitão Alvaro Vaz de Almada, que da cidade fôra o derradeiro alferes, como poroutros muitos e mui dignos merecimentos e louvores, que d'elle com verdaderecontou; no que todos consentiram, e por dois cidadãos o enviaram logochamar por quanto era fóra da cidade; e em chegando á Ribeira, sendo já sabidaa determinação sobre que vinha, se ajuntou com elle a mór parte da cidade eassim acompanhado com grande{56} honra foi levado ácamara, onde por os vereadores com certas cerimonias e largas palavrasdegrande seu louvor e muita confiança, lhe foi entregue a bandeira da cidade comsuas condições; e elle a recebeu com palavras cortezes, e discretas, e degrande esforço; porque era cavalleiro quen'este reino e fóra d'elle porexperiencias mostrou, que isto e muitomais de louvor havia n'elle,cá em França por sua ardideza e bondades foi feito conde de Abranches, e emInglaterra por sua valentia foi recebido por companheiro da ordem daJarreteira, de que principes christãos, e pessoas de grande merecimento sãoconfrades; e em Portugal por todas estas, e mais por sua linhagem e fidalguiamereceu ser como foi capitão-mór do mar»[36].{57}
Ouçamos agora, na passagem parallela a esta, o testimunho de Gaspar deLandim:
«E tanto que em Lisboa se soube a mudança da rainha (de Sacavem paraAlemquer), como não havia acto seu que não parecesse mal aos cidadãos epovo d'ella, se ajuntaram com os vereadores, e entre elles o costumado VicenteEgas como mais contrario das cousas da Rainha, e favorecedor das do Infante lhefez uma pratica mui larga toda em seu favor d'elle, em qual encareceugrandemente os males e perigos que dizia estarem-lhes apparelhados áquellacidade e a todo o reino por ordem da Rainha, pelo que era necessario elegeremum capitão que lhe servisse de cabeça, e os defendesse, a quem obedecessem,para o qual effeito, pois que o Infante D. Pedro estava ausente (emCamarate), ninguem o podia melhor fazer que o capitão Alvaro Vaz deAlmada,{58} grande amigo e familiar do Infante, e paraque não houvesse duvida na eleição d'elle recontou grandes feitos seus, e deseu pai João Vaz de Almada, encarecendo sobre modo seu valor e merecimentos; oqual logo de commum consentimento foi nomeado e eleito por defensor da cidade,capitão e alferes-mór, e para haver esta eleição effeito bastou saber que eramui contrario ás cousas da Rainha e suas cousas, e mui affecto ás do Infante; oqual foi logo mandado chamar a uma quinta onde estava, e em entrando na cidade,chegando á Ribeira se juntou todo o povo e cidadãos com elle para o acompanhar,e d'ahi o levaram á camara com grande alvoroço e muitas exclamações delibertador e defensor d'aquella cidade, e entrando na camara lhe foi entregue abandeira com muitas condições e declarações todas em favor do Infante D. Pedro,e contrarias á Rainha; com as quaes elle a recebeu,{59}e com palavras significadoras de grande agradecimento prometteu tudo cumprir.
«Os cidadaos e povo muito satisfeitos, confiados e a seu parecer seguros detodos os medos e destruições que sobre si fingiam haverem de vir, e lh'o faziamcrêr, e por taes se deram com a eleição do seu defensor.
«Era Alvaro Vaz de Almada cavalleiro que assim n'este reino, como em outros,tinha feito grandes cousas por seu esforço em que cabiam aquelles e outrosmaiores cargos, ainda que foi notado de temerario e arrogante, e como tal deumuita cousa, e foi a principal parte da casa do infante D. Pedro, de sua honrae vida; e por seu esforço foi feito por el-rei de França conde de Abranches, eem Inglaterra por valorosos feitos lhe foi dada a honra da Garrotea, da qualn'aquelle tempo se honraram muitos principes, e em Portugal depois de{60} tornado a elle foi feito por el-rei D. Duartecapitão-mór do mar».
Aqui temos Alvaro Vaz de Almada lançado na accesa lucta travada entre oinfante e a rainha, e vel-o-hemos acompanhar sempre D. Pedro, até á morte, comaquella cega dedicação, que já era antiga, porque datava de Ceuta.
O povo de Lisboa, poucos dias depois da eleição de Alvaro Vaz, acclamára oinfante D. Pedro como unico governador do reino, n'um acto solemne realisado naegreja de S. Domingos.
N'este momento, Alvaro Vaz é o braço direito do infante e o querido do povo,o homem escolhido para todas as missões importantes.
Assim, foi designado para ir solicitar do infante D. João que viesse aLisboa, onde a sua presença se reputava necessaria.
O emissario logrou convencer o infante,{61} que veiologo, hospedando-se na casa da Moeda[37].
Novamente se tornou a reunir o povo, agora nos paços do concelho, fallandopor essa occasião o dr. Affonso Mangancha e Alvaro Vaz.
Ruy de Pina dá-nos a summula do discurso do famosoCapitão:«encommendaram logo aoCapitão que désse sobre o caso sua voz, que a deucom cautelas e fundamentos de homem prudente, e mui avisado, em que concluiumais além, que era crime e aleijão elrei ser creado em{62} poder de mulheres; e não menos erro reger a rainha, nãosem muitos merecimentos e grandes louvores d'ella, que tambem apontou para sersempre servida e acatada: e que o infante D. Pedro devia reger»[38].
Como sabemos, o povo havia entregado a D. Alvaro a defeza e guarda da cidadede Lisboa. O infante D. Pedro confirmou, por um diploma official, a escolha queo povo fizera, nomeando D. Alvaro alcaide-mór do castello, investindo-oofficialmente nas funcções, que já exercia, de defensor dos moradores deLisboa.
«Dom Affonso etc. A quantos esta carta virem fazemos saber que vendo nós econsiderando os muitos e estremados serviços que o capitão-mór Alvaro Vasquesde Almada, Rico Homem e do nosso conselho,{63} fez aElRei meu Senhor e Pai e a ElRei Dom João, meu Avô, e isso mesmo a nós e aodiante entendemos receber, e os muitos trabalhos e perigos em que foi assimfóra dos nossos reinos como em elles por honra d'elles, e querendo-lhegalardoar e conhecer, como todo bom Rei e theudo, aquelles que bem e lealmenteservem, conhecendo sua grande lealdade, porém de nosso motu proprio, livrevontade, certa sciencia, poder absoluto, temos por bem e fazemol-o nossoalcaide mór do nosso castello da nossa mui nobre e leal cidade de Lisboa, peloque nos fez preito e menagem uma, duas e tres vezes de nós em elle receberirado e pagado no alto e no baixo, segundo mais cumpridamente é, contheudo nafórma de sua menagem, a qual é escripta no livro das menagens que anda em anossa camara é assignada por elle. E porém mandamos a todos os fidalgos,cavalleiros, escudeiros, corregedores,{64} juizes,justiças, conselho e homens bons da dita cidade, que d'aqui em diante o hajampor nosso alcaide em o dito castello e outro nenhum não, não embargando que oaté aqui tivesse D. Affonso, o qual nos praz nem queremos que o mais seja peloassim entendermos por nosso serviço, aos quaes mandamos que lhe obedeçam assimcomo alcaide e saiam com elle e sem elle cada vez que por elle ou da sua parteforem requeridos em aquillo que a seu officio pertencer para se fazer direito ejustiça. Outrosim queremos que tenha e haja de nós todas as rendas e direitosque á dita alcaideria pertencem segundo é contheudo em nossa carta, que d'issotem, e os possa arrecadar, tirar e arrendar por si e por seus procuradores ehomens como a elle mais prouver. E em testimunho d'isso lhe mandamos dar estanossa carta. Dante (?) em Santarem cinco dias de abril por auctoridade doSenhor Infante Dom Pedro,{65} tutor e curador do ditoSenhor Rei, Regedor defensor por elle de seus Reinos e Senhorios. Martins Gil afez, anno de Nosso Senhor Jesus Christo de mil quatrocentos e quarenta[39].
Mas Alvaro Vaz chegava para tudo, e o infante encarregou-o de ir tomar ocastello da Ameeira, que estava por D. Leonor. A esse tempo a rainha havia-seentrincheirado no Crato.
D. Alvaro deu-se pressa em partir para ir desempenhar esta nova commissão.
Vejamos o que diz Ruy de Pina; prefiro, sempre que seja isso possivel,empregar a linguagem das chronicas, porque tem um sabor antigo, que seconforma{66} melhor com o assumpto, tambem antigo, doque a nossa linguagem actual.
«O capitão Alvaro Vaz a que o cerco da Ameeira, como disse, era encarregado,partiu de Lisboa por terra com sua gente d'armas e de pé, que era muita e muibem concertada, e assim com os artilheiros e provisões, que para o cercoconvinham, e todo posto em mui segura e singular ordenança,fazendo-o assimcomo homem que o vira, e passára em outros reinos já muitas vezes. E tambemfolgou de o ordenar assim por dar a entender n'este pequeno cerco, o que fariaem outros maiores se lh'os encommendassem».
O resultado da Jornada da Ameeira foi satisfatorio, como todos ospartidarios do infante esperavam, visto que a incumbencia tinha sido confiadaao valorosoCapitão.
O castello rendeu-se pouco depois de D. Alvaro lhe ter posto cerco.{67}
O joven AffonsoV, que estava então em Alemquer, tanto tinhaouvido fallar de Alvaro Vaz de Almada, que quiz vêl-o por força quando ellepassava para a Ameeira. A sua imaginação de creança estava exaltada pela famad'esse cavalleiro portentoso, que já tinha uma lenda de heroicidade, com queregressára do estrangeiro, e que em Portugal continuava a glorifical-o.
Referindo-se ao pequeno rei, diz Ruy de Pina: «desejou muito de vêr oCapitão, e sua gente na ordenança de guerra em que vinham, e sentindo-lheAlvaro Gonçalves de Athayde, seu aio, este vivo orgulho e desejo, louvou-lh'omuito. E disse que era bem que cumprisse: mas por não errar em seu serviço eestado indo de proposito vêr uma sua cousa tão pequena, seria bem que comod'acerto fosse a caça, ao campo d'entre Castanheira e Villa Nova, e que alicomo de recontro veria o{68} Capitão, e a gente queentão havia de passar. E a outro dia andando alli el-rei com seus galgos egaviões, assomou o Capitão, e sabendo já que el-rei o queria vêr apurou aindamuito mais sua ordenança, e de sua pessoa com seus pagens armados se concertoucom grande perfeição. Porque n'aquelle acto de armas,por seu braço e porexperimentadas ardidezas passadas, a elle n'este reino se dava muitolouvor, e tanto que foi atravez d'onde o rei olhava, se apartou só da gentearmado sobre uma facanea, e com grande alegria e desenvoltura se lançou fórad'ella, e a pé foi beijar as mãos a el-rei, e lhe disse:—«Senhor, assim comoeu sou o primeiro que Vossa Senhoria vê n'estes habitos, assim, prazendo aDeus, não serei eu n'elles o segundo, em todo o que cumprir por vosso serviço,e por defensão de vossos reinos». El-rei folgou muito de o vêr, e com palavrase contenenças lhe fez mais honra e{69} mór acolhimento,do que de sua pouca idade se esperava, e assim se despediu o Capitão, e seguiusua viagem até a Ameeira, que logo cercou e combateu até que a tomou[40].
Um homem de tamanho vulto, como era D. Alvaro Vaz de Almada, por força haviade ter inimigos, especialmente n'uma época em que os interesses politicos dasociedade portugueza estavam profundamente divididos em dous campos oppostos.
Uma carta regia, que se encontra no archivo da camara municipal de Lisboa eé datada de 12 de maio de 1440, dá conhecimento de não ter sido permittido queAlvaro Vaz de Almada, alcaide-mór, intentasse acção, para se desaggravar do quecontra a sua pessoa tinham dito e feito alguns{70}officiaes da cidade; e recommenda-lhes que reciprocamente usassem d'aquella boamaneira e amizade, com que sempre se haviam tratado[41].
A reacção, por parte dos sequazes da rainha, decerto procuraria amesquinhare desprestigiar D. Alvaro, a alma do movimento em favor do infante.
Parece que, entre outras accusações, lhe fizeram tambem a de haver impedidoa entrada de um navio carregado de trigo, que era preciso ao consumo publico.
Mas, não obstante este e outros meios de reacção, a causa da rainhanaufragava: D. Leonor fugira para Castella, segundo parece, no dia 29 dedezembro de 1440.
N'este momento desapparece-nos Alvaro{71} Vaz deAlmada do theatro dos acontecimentos, sem que os chronistas nos dêem a chave doenygma.
Apenas se sabe, por uma phrase vaga de Ruy de Pina, e por outra phrase, nãomenos vaga, do proprio infante D. Pedro, que elle estivera em Ceuta.
Julgaria D. Alvaro,—insaciavel de correr perigos e aventuras,—que a suapresença não era já precisa em Portugal ao infante D. Pedro, cuja causa estavaganha? Dar-se-ia em Ceuta algum acontecimento, que fizesse com que o infante,como regente do reino, entendesse ser necessario mandar alli o seu mais seguroe dedicado amigo?
Ficou em Ceuta D. Alvaro ou iria tambem ao estrangeiro, tentar novos feitosde armas, hypothese a que se inclina o collaborador doDiccionariopopular?{72}
*
* *
Foi effectivamente durante esta sua ausencia que HenriqueVIo encheu de mercês importantissimas.
«D. Alvaro Vaz estava então militando em Ceuta, e esse homem de nobilissimocaracter, que, emquanto D. Pedro foi feliz, se conservou afastado, voltandoaté, segundo todas as probabilidades, ao estrangeiro, porque não é natural queem 1445 HenriqueVI de Inglaterra lhe conferisse todas as graçasque dissemos, na sua ausencia, D. Alvaro, apenas soube o que se tramava contrao seu irmão de armas, veio logo para Portugal...»[42]{73}
Por minha parte pendo a acreditar que D. Alvaro não sahiu de Ceuta, mas devodizer, francamente, que caminho apenas por conjecturas.
É possivel que a morte do pai e do irmão mais velho, ignorando eu comtudo adata certa em que falleceram, levasse HenriqueVI a galardoar emD. Alvaro os serviços que anteriormente havia recebido d'elle proprio e da suafamilia.
Mas é mais provavel que, «por esforço do infante D. Pedro», como diz Landim,lhe fossem feitas aquellas mercês.
As duas phrases, de Ruy de Pina e do infante D. Pedro, que logo citaremos,fallam apenas de Ceuta; supponho, por isso, que D. Alvaro Vaz de Almada nãoiria mais longe n'essa segunda ausencia.
O que é certo é que as mercês de HenriqueVI a D. Alvaro sãodo anno de 1445, em que o valorosoCapitão estava fóra de Lisboa.{74}
Os documentos comprovativos das mercês encontrou-os o snr. Figanière, eindicou-os pela primeira vez noCatalogo dos manuscriptos portuguezesexistentes no muzeu de Londres (Lisboa, 1853), por esta fórma;
«N.º 6.298.Fol. 316—Noticia de D. Alvaro Vaz de Almada, conde deAbranches, cavalleiro da Jarreteira.
«Fol. 317—Cópia de um documento passado sob o sêllo privado (copyof Privy Seal) em que contém a eleição de D. Alvaro de Almada, comocavalleiro da Jarreteira, e creando-o conde de Abranches em Normandia. Datadode Westminster a 4 de agosto do 23.º anno do reinado de HenriqueVI, rei de Inglaterra; isto é, de 1445.
«Fol. 319 verso—Cópia de outro semelhante documento, concedendo aomesmo D. Alvaro de Almada, conde de Abranches, a somma annual de 100marcos.{75} Datado de Westminster a 9 de agosto domesmo anno.
«Fol. 320 a 321—Cópia de outro semelhante documento, dando ao mesmoD. Alvaro de Almada uma taça de ouro do valor de 40 marcos, a qual continha 100marcos em dinheiro. Datado de 13 de agosto do já referido anno.
«Os quatro precedentes documentos estão collocados em seguida uns dosoutros».
Eis o que dizia oCatalogo. Tres annos depois, noPanorama, osnr. Figanière publicava na integra os documentos, cuja traducção vamos dar emseguida:
«Nos Archivos da Torre de Londres, rotulo de França, anno 23, maço 6,pergaminho 2.º
«Henrique, por Graça de Deus Rei de Inglaterra, de França e Senhor daIrlanda, aos Arcebispos, Bispos & saude.
«De grandes louvores devem ser cumulados, e com singular gloriaexaltados{76} os que com ardente zelo se empenham emsacrificar o seu tempo e até a propria vida á salvação da Patria; que se expõemaos perigos para assegurar a tranquillidade publica, e que acima de todas ascousas d'este mundo ambicionam fama illustre e nome immortal, e se dão porfelizes quando julgam poder com os seus serviços e lealdade promover o publicobem. Oh benemerita classe de homens! sem os quaes não poderiam gozar desegurança as cidades, as fortalezas, os reinos, os dominios, os Principes daterra, nem mesmo a propria Terra. Oh muito illustres e justos varões! sob cujaadministração exemplar todas as virtudes se avigoram e florecem, os máos sãoreprimidos e os criminosos castigados. Ninguem ha, certamente, que com dignolouvor possa celebrar por escripto ou de palavra almas tão nobres. N'estenumero se deve contar e celebrar o insigne e preclaro varão, o bravo e gloriosomilitar,{77} D. Alvaro de Almada, que desdetenraidade, apenas saido da infancia, apaixonado de gloria militar eambicionando os premios dos valentes e a salvação commum, com todo o esforço ezelo se applicou aos exercicios militares, e logo que chegou á idade maispropria para a guerra, cresceu-lhe o esforço com a idade, e em defeza do Estadose portou com tão superior coragem que nada lhe parecia agradavel, digno deestima ou de apreço se não se encaminhasse ao bem commum; e tal valor mostrounos perigos da guerra, e tal prudencia no remanso da paz, que com toda ajustiça se devem premios ao seu trabalho. Por estas razões considerando nós anobreza d'este varão, e as eminentes qualidades que, unidas a seus feitos, lhesdão grande realce, e outrosim as gloriosas façanhas por elle praticadas notempo do Christianissimo Rei de gloriosa memoria nosso Antecessor, realçadasainda{78} pelas provas de amor, obediencia e dedicaçãoque a nós e nossos reinos elle tem dado; o nomeamos cavalleiro socio eirmão da ordem da Jarreteira por voto unanime d'esta Ordem; e em testimunho denossa Real Munificencia e das suas virtudes o nomeamos e estabelecemos Conde deAvranches no nosso Ducado de Normandia; e cingindo-lhe a espada o investimosn'este nome, dignidade e titulo e com elle effectivamente o honramos. Queremose mandamos por nós e por nossos herdeiros que o dito nosso leal Dom Alvaroconserve perpetuamente para si e seus herdeiros varões, seus descendenteshavidos em legitimo matrimonio, o nome e dignidade de Conde de Avranches. Foramtestimunhas os veneraveis Padres: I. arcebispo de Cantuaria; I. arcebispo deYorck; Thomaz, de Norwich; Will, de Sarum; I. Bathon e Wellen, bispo deGloucester, tio materno do nosso carissimo Duque Humfredo;{79} e os nossos carissimos parentes os duques João Exon, eHumfredo Buck; e Wilhelmo, marquez de Suffolk; João, visconde de Beaumont eseus amados e fieis soldados Radulpho Cromwell e Radulpho Bottler, thesoureirosde Inglaterra, e o chanceller Mestre Adam Moleyns e outros. Dado por nossa mãoem Westminster a 4 de agosto. Por carta de sello privado passada n'esta mesmadata»[43].{80}
«Nos Archivos da Torre de Londres, rotulo de França, anno 23.º, maço 6.º,pergaminho 2.º
«Eu El-Rei aos que esta virem & saude.
«Tomando em consideração a lealdade,{81}intelligencia, circumspecção, affecto, serviços e todas as mais cousas dignasde menção quea nosso amantissimo Pae de feliz memoria, e tambem a nóscom singular desvelo prestou o nosso leal D. Alvaro de Almada, Conde deAvranches, do conselho{82} do nosso Parente o muitoexcellente Principe e poderosissimo Senhor Rei de Portugal, e capitão mór emtodos os seus reinos e dominios, e Alcaide mór da cidade de Lisboa, e querendooutrosim que taes serviços não fiquem em esquecimento e sem{83} recompensa: por nosso motu proprio concedemos ao mesmoD. Alvaro em quanto viver cem marcos de pensão annual, a receber do nossoErario de Inglaterra por mão do nosso thesoureiro e officiaes que então alliservirem, e a vencer em porções eguaes pela Paschoa e pelo S. Miguel. Em fé doque é. Testimunha R.»
«Westminster 9 de agosto»[44].
«Sello particular do Governo, 13 de agosto 23 H. 6.—Nós, tomando emconsideração{84} os bons serviços, grande zelo, e bomamor que nosso fiel e bem amado Alvaro de Almada, cavalleiro de Portugal, nostem feito e prestado e aos nossos muito nobres antepassados, o temos feito ecreado ha pouco tempo conde de Avranches, e além d'isso temos concedido ao ditoAlvaro uma pensão de 100 marcos por anno durante a sua vida. Nós vos ordenamosde lhe entregar uma taça de ouro do valor de quarenta marcos[45] e a somma{85} de cem marcos contidos na dita taça»[46].
Estas mercês foram feitas por HenriqueVI na sua duplaqualidade de rei de Inglaterra e duque de Normandia em França. Insistimosn'este ponto para combater o erro em que tantos escriptores nacionaes eestrangeiros têm cahido, de suppor que Alvaro Vaz recebera do rei de Inglaterraa ordem da Jarreteira, e do rei{86} de França o condadode Avranches, que estava incluido no antigo ducado de Normandia. O rei era umsó. A este respeito com inteira razão nota o snr. Oliveira Martins que nem seconcebe que, estando em guerra os dous reinos, o mesmo homem fosse feito condede Avranches pelo rei de França e cavalleiro da Jarreteira pelo rei deInglaterra[47].
Em 1447, o joven rei D. AffonsoV{87}pede a seu tio o infante D. Pedro que lhe entregue as redeas do governo, o queimmediatamente consegue.
É então que principia a agitar-se em torno do infante ex-regente a intrigaatiçada pelo duque de Bragança.
Os conselheiros de D. AffonsoV diziam-lhe, segundo contaPina, que «por segurança não sómente de sua vida, mas da justiça e fazendatirasse, como logo tirou, todos os officios, que os criados de seu{88} tio na côrte tinham de qualquer qualidade que fossem,pondo suspeições e testimunhos falsos, a uns que erravam na justiça, e a outrosque roubavam a fazenda, e a outros que dariam peçonha a el-rei, segundo a cadaum em seus officios podia tocar, e para parecer que o queriam provar, nãofalleciam logo pessoas induzidas, que com medo de pena, ou com esperança degalardão, que lhe promettiam, na sua vontade o testimunhavam»[48].
O que é certo é que, apesar de todas estas machinações dos inimigos doinfante D. Pedro, o joven rei Affonso não se mostrou severo, nem mesmoreservado, com D. Alvaro Vaz de Almada quando elle recolheu a Lisboa.
É que, como logo veremos pelas palavras do infante D. Pedro, Alvaro Vaztinha{89} augmentado a sua gloria militar, praticandoem Ceuta novos e brilhantes feitos de armas.
N'este lance da narrativa, precisamos recorrer mais uma vez ao testimunhode Ruy de Pina, transcrevendo um capitulo da suaChronica:
«A este tempo chegou tambem a Lisboa, que vinha de Ceuta, o conded'Abranches, que sobre todos era grande servidor e muito amigo do infante D.Pedro, e publico imigo do conde d'Ourem, e em sua chegada não foi entãod'el-rei e de sua côrte assim agasalhado e honrado, como seus serviçospresentes e merecimentos passados requeriam. Porém o conde assim como era denobre sangue, assim não fallecia n'elle uma graciosa soltura de dizer, com muiesforçado coração e singular agradecimento, com que ante el-rei e os de suacôrte, no publico e no secreto defendia muito a honra e estado{90} do infante D. Pedro, com claro exemplo e vivas razões desua mui louvada lealdade, afeando muito com grande audacia os movimentos emaldades, que seus imigos tão sem causa contra elle moviam. E como quer queel-rei fosse induzido, que não ouvisse o conde e o mandasse ir fóra de suacôrte, pondo-lhe que em todas as culpas do infante elle era muito culpado,porém porque el-rei era de alto coração, accêso no ardor de actoscavalleirosos, suspirando para grandes empresas, folgava muito de o ouvir, ecomeçava dar-lhe de si muita parte e acolhimento, especialmente porque oinfante D. Henrique ante el-rei muitas vezes por cousas muito assignaladas emque o vira, dizia por elle, que não sómente Portugal, mas Hespanha toda sedevia de haver por honrada crear tal cavalleiro. E porque os imigos do infanteviram, que a vontade d'el-rei ácerca do conde não terçava por elles{91} como desejavam, lançaram-lhe amigos d'elle lançadiços, epessoas de credito que com resguardo de grande segredo o aconselhassem, que sefosse fóra da côrte, e não entrasse em um conselho publico que se então fazia,avisando-o manhosamente que n'elle por cousas do infante D. Pedro o haviam deprender. Mas o conde com a cara cheia d'essa forçada segurança, lhedisse—Amigos, certamente pelos muitos e grandes serviços que tenho feitos aesta casa de Portugal, eu lhe mereço mais villas e castellos com que meacrecente, que prisões nem cadêas em que sem causa me ponha, e por tanto comtodo o que me dizeis, sabei que não hei de fugir do conselho e serviço d'el-reinosso senhor, pois leal e verdadeiramente sempre o segui. E porém se tal cousa,e por tal causa se move contra mim, sabei certo que em defender minha honra, elimpeza d'aquelle senhor, eu me mostrarei hoje digno de ser confrade da{92} santa Garrotea que recebi, e espero em Deus que semociosidade de minhas mãos, os que me quizerem visitar antes seja na sepultura,que nos carceres nem cadêas, e por isso não hajaes dó nem compaixão de minhavida porque minha morte honrada a fará com louvor viver mui viva, e muito maishonrada nas memorias dos homens para sempre. Pelo qual o conde depois decom esta determinação despedir estes manhosos e dobrados conselheiros; porque ahora do conselho se chegava, a que determinou ir, se vestiu de pannos finos muibem e muito melhor d'armas secretas, com que entrou no paço, onde seus imigos,vendo a segurança de sua pessoa, foram claramente certificados do esforço ebondade de seu coração. E estando el-rei na casa do conselho, onde eram muitossenhores presentes e os principaes imigos do infante, o conde e com cara quemais parecia que ameaçava que temia, lhe tocou em sua{93} prisão que lhe fora revelada, e assim lhe fallou commuito repouso e grande auctoridade nas cousas do infante e suas, approvando suabondade e lealdade por termos, e com razões a todos tão manifestas, que se nãopodiam contrariar; concluindo, que quaesquer pessoas de qualquer estado econdição que fossem, que do contrario tinham informado a El-Rei, eram comreverencia e acatamento de sua real pessoa, a Deus e a elle e ao mundo máus etraidores, e que com licença e consentimento de sua senhoria os combateria porarmas,e em campo a tres d'elles os melhores juntamente[49]. A resposta d'el-rei parao conde foi então graciosa e branda, e com mostrança que lhe pesara de o ouvir,que para o mau fundamento dos que tratavam a morte do infante, foram muitristes signaes,{94} e por arredarem el-rei do infanteD. Henrique e do conde, que começavam ser causa, que de todo impedia seudamnado proposito, o levaram a Cintra aforrado».
Este ultimo periodo de Ruy de Pina tem sido interpretado por algunsescriptores com manifesta confusão. Suppõem elles que Alvaro Vaz é que foilevado para Cintra, e não o rei. Eu entendo o contrario. Em Major a redacçãopóde suscitar duvidas; diz o erudito inglez: «Apesar da frieza, que lhemostraram (ao conde de Avranches) por sua amizade a D. Pedro, foi sempre seucaloroso e perseverante defensor, e tal poder tinha sua influencia, que os mausconselheiros de elrei julgaram conveniente fazel-o retirar para Cintra»[50].{95} Soares da Sylva, deixando-se arrastar pelo equivoco,escreve: «N'este mesmo tempo veio á Côrte o Conde de Abranches D. Alvaro Vaz deAlmada, que até alli estavaem Cintra[51].
Ora, em face do texto de Pina, vê-se que Alvaro Vaz veio deCeuta, eque os cortezãos, para subtrairem D. AffonsoV á influencia doconde, levaram o reiaforrado para Cintra.
D. Antonio de Lima, noNobiliario, diz que Alvaro Vaz de Almada armoutres navios contra os genovezes que andavam no Estreito, que lhes tomou umacarraca, e praticou outros feitos valorosos. Não diz, porém, em que época istosuccedeu. Mas poderá talvez presumir-se que fosse n'esta segunda ida a Ceuta, eque sejam estes os{96} feitos a que o infante D. Pedrose refere.
Os genovezes tinham n'aquelle tempo uma poderosa marinha, e póde bem ser queaffluissem ao estreito de Gibraltar com a mira em Ceuta, chegando a fazer umainvestida, que Alvaro Vaz teria repellido victoriosamente.
Os nossos chronistas guardam silencio sobre o assumpto. Mas não custa aacreditar que o motivo que levou novamente a Ceuta Alvaro Vaz fosse a ameaçados genovezes, contra os quaes elle acudiria com tres navios armados á suacusta.
Sendo assim, ficaria explicado o facto de ter abandonado temporariamente ogoverno do castello de Lisboa, como explicadas ficariam tambem uma phrase doinfante D. Pedro e a admiração que o joven rei manifestou mais uma vez peloinsigne capitão, a ponto dos cortezãos julgarem conveniente retirar D. AffonsoV para Cintra,{97} para evitar arepetição de entrevistas que davam vantagem ao conde de Avranches.
Acaso governaria já AffonsoV quando o conde partiu paraCeuta? Parece que não. Se esta viagem tivesse sido um meio de o tirar de ao pédo infante D. Pedro, se tivesse sido «um castigo», como explicar que o rei lheconservasse o castello de Lisboa, que só lhe retirou quando D. Alvaro Vazvoltou de Ceuta? E como explicar igualmente que recebesse oCapitão comtanto agrado?
Parece mais verosimil e provavel que Alvaro Vaz partisse para Ceuta durantea regencia e por indicação do infante, em razão talvez do perigo que offereciamalli os genovezes.
Por fim, como era natural que acontecesse, dada a idade impressionavel deAffonsoV e a insistencia dos inimigos do infante, o joven reiacabou por ceder e tirar{98} a D. Alvaro o governo docastello de Lisboa[52].
Durante a regencia, o infante D. Pedro não só havia conservado aoCapitão o cargo de alcaide-mór, mas tambem lhe fizera importantesdoações, como se póde vêr por documento existente no Archivo National[53].{99}
O infante magoou-se profundamente com o acto pelo qual seu sobrinho tirára ogoverno do castello de Lisboa a D. Alvaro: não só o feriam directa epessoalmente, imputando-lhe crimes atrozes, mas tambem na pessoa do seu maisdilecto amigo o queriam ferir.
Na celebre carta que o infante dirigiu{100} deCoimbra, em 30 de dezembro de 1448, ao conde de Arrayolos, que de Ceuta vieraexpressamente para defendel-o, dizia D. Pedro:
«... por me fazerem deshonra tiraram o castello de Lisboa ao conded'Avranches, o qual se tinha feito serviços a estes Reynos e aos Reys dellespor que lhe esto devesse{101} de ser feito vós sabees;deram-lhe por ellese em especial pollo que agora fez em Ceita, hogallardam que dam a mim de meus serviços e trabalhos».
Este periodo da celebre carta mostra não só o profundo resentimento doinfante D. Pedro, mas tambem que D. Alvaroviera de Ceuta, ondepraticára novos e gloriosos feitos.
Não podemos precisar o anno em que o conde esteve pela segunda vez em Ceuta.Mas, pelo dizer o infante, sabemos que no fim de 1448 já tinha regressado, epor outra noticia sabemos tambem que em 1446 estava em Lisboa.
Certamente n'este ultimo anno[54] veiu a Portugal Jacques de Lalain, famosocavalleiro{102} da côrte do duque de Borgonha. Foirecebido pelo joven rei AffonsoV e pelo regente D. Pedro comgrandes honras e festas. Quando De Lalain se aproximava da cidade de Evora,sahiram a recebel-o, em nome do rei, Alvaro Vaz de Almada e outros senhores ecavalleiros portuguezes[55].
Não houve justas nem torneios, porque a De Lalain foi dito, em nome do rei,que elle não podia consentir que nenhum cavalleiro portuguez fizesse armascontra outro da casa de Borgonha, a que estava ligado por estreitos laços deparentesco e affecto.
Perdeu-se assim uma excellente occasião de vêr o conde de Avranches justar,em Portugal, com um cavalleiro estrangeiro{103} dosmais afamados, porque Alvaro Vaz de Almada não teria certamente prescindidod'essa honra e gloria.
Vamos agora caminhando rapidamente para Alfarrobeira.
Depois de fallar ao rei, Alvaro Vaz correu ancioso a abraçar o infante D.Pedro, que estava em Coimbra, nas suas terras.
O infante D. Henrique acampanhou-o.
Houve então alli um como conselho de familia para se deliberar sobre o quecumpria fazer. O momento era angustioso; a resolução difficil. A reunião doconselho repetiu-se quando se soube que o duque de Bragança tinha sido chamadoá côrte.
Alvaro Vaz de Almada opinou que a todo o custo o infante devia impedir apassagem ao duque[56].{104}
Este parecer foi acceito.
Para o executar, D. Pedro moveu a sua gente, que de Penella seguiu para aLouzã, e da Louzã para a aldeia de Villarinho, sendo a vanguarda confiada a D.Jayme, filho do ex-regente, e a D. Alvaro Vaz de Almada. O proprio D. Pedrocommandava a rectaguarda.
Quando chegaram ao logar de Serpiz, soube o infante que o duque de Bragançaestava apenas a meia legua de distancia.
Logo que isto constou a D. Alvaro, não lhe soffreu o animo mais delongas.Sem dizer nada ao infante, metteu esporas ao cavallo, e foi vêr o arraial doduque. Quando voltou, vinha radiante; mas D. Pedro acolheu-o com tristeza,pesaroso de que elle o não tivesse consultado primeiro.
Perguntou-lhe o infante o que tinha visto.
D. Alvaro respondeu com decisão:
—Senhor, venho de vêr vossos inimigos,{105} de quemprazendo a Deus, e ao bemaventurado S. Jorge, vos eu darei hoje se quizerdesmui boa vingança, e peço-vos por mercê que a não dilateis para mais, e ahi logodar n'elles; porque na desordem e tristeza em que estão, dão já certos signaesde serem cortados com medo e meio desbaratados, e não percaes tão bom dia;porque já em vossa vida nunca havereis outro tal, e não alongueis a vida a quemse lh'a hoje dais, sabei que a encurtára mui cedo a vós, tendo por certo que oduque na maneira em que se repaira e afortallesa não quer vir ávante, e ou setornará para traz como veio, ou escondido se salvará por outro caminho»[57].
O infante D. Pedro, querendo certamente adiar o derramamento de sangue,não{106} acceitou o conselho, nem acreditou aprophecia.
Mas D. Alvaro fôra n'essa occasião um vidente.
O duque de Bragança conseguiu atravessar furtivamente a serra da Estrella,escapando-se d'este modo ás mãos do infante, e seguindo jornada para Lisboa.
D. Pedro e os seus tornaram para Coimbra.
Ahi foi surprehender o infante uma carta de sua filha, a rainha. Dizia-lheella que no dia 5 de maio (estava-se em 1449) D. AffonsoV oiria cercar, e que, se elle infante fosse vencido, seria morto, encarcerado oudesterrado.
D. Pedro mostrou-se alegre e tranquillo perante o mensageiro, mas ficouprofundamente abatido.
Reuniu o conselho dos seus amigos. As opiniões dividiram-se. D. Alvaro, semfazer a menor allusão á boa occasião que{107} o infantehavia perdido, disse com inabalavel firmeza:
—Antes morrer grande e honrado que viver pequeno e deshonrado.
Desenvolvendo esta these, aconselhou que, vestindo todos as suas armas,fossem caminho de Santarem, onde a côrte estava, para que o infante mandassepedir a el-rei que ou lhe permittisse defender-se na presença de seus inimigosou haver pelas armas satisfação das injurias que propalavam, e que se el-reinenhuma d'estas concessões quizesse fazer, e sobre elles viesse, que sedefendessem no campo como bons e esforçados cavalleiros[58].
Antes morrer grande e honrado que viver pequeno e deshonrado: estasheroicas palavras calaram no animo, até ahi indeciso, do infante D. Pedro.{108}
Conheceu que a razão e a honra estavam do lado de D. Alvaro. Acceitou-lhe oconselho. As duas almas entendiam-se, completavam-se. Tinha chegado o momentodecisivo: só restava apparelhar para elle.Antes morrer grande e honrado queviver pequeno e deshonrado. Tal era o dilemma. A voz da cavallariaportugueza fallára pela bocca de D. Alvaro.
Preparou-se o infante D. Pedro para a sorte das armas, qualquer que ellafosse.
Ruy de Pina, que segue os moldes de Tito Livio, pondo longos discursos nabocca dos personagens historicos, descreve d'este modo a scena intima, que sedéra entre D. Pedro e D. Alvaro:
«E passados alguns dias depois estes conselhos, o infante não se esfriandoem seu proposito, apartou só em uma camara o conde d'Abranches, e lhedisse—conde, sabe que eu sinto já minha alma aborrecida de viver n'estecorpo, como desejosa de{109} se sair de suas paixões etristezas, e considerados os seus combates que minha vida, honra, e estado cadadia recebem, com esperança de não minguarem, mas cada vez crescerem mais, certose as cousas n'esta viagem me não succedem como eu desejo, e seria razão, eutodavia determino morrer e acabar inteiro, e não em pedaços, e como quer quetenho outros bons criados e servidores, que por suas bondades folgariam e nãose escusariam de morrer comigo, porém em vós sobre todos tomei esta confiança,assim pela irmandade que comigo merecestes ter, na santa e honrada ordem daGarrotea em que somos confrades, e como por creação que vos fiz, eprincipalmente pela certidão que de vossa bondade e esforço tenho muito haconhecido, e por tanto quero saber de vós, se no dia que d'este mundo mepartir, querereis tambem ser meu companheiro, e com isso lembre-vos parasatisfazerdes aos primores de vossa{110} honra, quesendo vós tão conhecidamente meu criado e servidor, e tão publico imigo doconde d'Ourem e arcebispo de Lisboa, depois de minha morte não podeis ter vida,salvo reservada para com mãos d'algozes a perderdes em lugares vis, e compregões deshonrados. Senhor, respondeu o conde,para caso de tamanhocontentamento, como foi sempre e é para mim viver e morrer por vosso serviço,muitas palavras nem os encarecimentos não são necessarios, eu vos tenho muitoem mercê escolherdes-me para tal serviço, e eu sou muito contente ter-vos essacompanhia na morte, assim como vol-a tive na vida, e se Deos ordenar que destemundo vossa alma se parta, sede certo que a minha seguirá logo a vossa, e se asalmas no outro mundo podem receber serviço umas das outras, a minha n'esse diairá acompanhar e servir para sempre a vossa».
Ferdinand Denis torna esta scena mais{111} rapida, epor isso mesmo talvez mais verdadeira.
O infante teria perguntado a D. Alvaro, com uma simplicidade e rudezaproprias do caracter de ambos, se estava disposto a morrer por sua causa.
D. Alvaro responderia com laconica firmeza:
—Acaso não sou eu vosso irmão de armas?
Esta concisa resposta vale bem, segundo as ideias d'aquelle tempo, odiscurso de Ruy de Pina.
Foi avisado um sacerdote, homem abalisado, o doutor Alvaro Affonso, paracomparecer na egreja de S. Thiago.
Por mão d'este sacerdote commungaram o infante e D. Alvaro, jurando ambos,sobre a hostia consagrada, que juntos triumphariam ou morreriam.
Depois o infante visitou as egrejas da Sé, de Santa Cruz e de Santa Clara,com{112} as quaes tinha particular devoção, e,recolhendo ao paço, deu ordem para que estivessem prestes os seus seis milhomens, e para que n'essa noite se abrissem e illuminassem os salões do solar.
Tendo cumprido os deveres de bom christão, queria despedir-se do mundo, nahypothese de ser vencido, se não era presentimento, como bom cavalleiro.
E elle, que tão modesto vivera sempre, deu ao sarau d'essa noite umesplendor verdadeiramente principesco.
«La veille de son départ pour Santarem, une fête fut donnée aux dames; et ily brilla de cette grâce de langage, de cette noblesse toute chevaleresque, quil'avaient rendu maintes fois l'admiration des cours de l'Allemagne et del'Aragon»[59].
Como que está a gente a vêr o amavel{113} donaired'esses dous cavalleiros, o infante e D. Alvaro, fallando ás damas, pisandogentilmente tapetes macios que encobriam a cratera de um vulcão ameaçador.
Ao romper da manhã, quando o sol da primavera aclarava docemente a paizagemformosissima de Coimbra, a cavallaria, a infanteria, a carriagem de bois ebestas, principiaram a mover-se, desfraldando duas bandeiras, cujos lemmasdiziam, n'uma,Lealdade, na outra,Justiça e vingança.
O infante D. Pedro, tendo abraçado sua esposa, seguira o exercito queabalava em som de guerra.
*
* *
Esta Jornada, a mais curta e ao mesmo passo a mais longa que o infantefizera,{114} porque não regressou jámais, lembra atécerto ponto a attracção da chamma sobre a borboleta. Tambem o infante e o seufiel companheiro D. Alvaro pareciam attrahidos pela morte.
Iam procurando os templos famosos como para encommendar sua alma a Deus.Estiveram na Batalha, onde D. Pedro ajoelhou diante do tumulo de seus pais,quedando-se tambem algum tempo diante do jazigo que elle proprio devia irpovoar. Estiveram em Alcobaça, e d'alli seguiram para Rio Maior, onde o infantereuniu o conselho.
Todos, á excepção de D. Alvaro, aconselhavam D. Pedro a que não avançassemais; diziam-lhe que, feita aquella demonstração de força, retrocedesse paraCoimbra.
O infante ouvia-os engolphado n'uma abstracção melancolica. Mas deu ordempara que o exercito marchasse na direcção{115} deAlcoentre: para a morte é que era o caminho.
Cbegados ahi, D. Alvaro Vaz de Almada pratíca um novo acto de bravura, defogoso ardor militar.
Ayres Gomes da Silva, a quem coube a guarda das forragens, fôra cercadopelos esclarecedores do exercito real.
Mal que isto se soube em Alcoentre, no acampamento do infante, «o conde deAbranches com grande trigança logo sahiu, e com elle quasi todos os do arraialnão guardando alguma regra em sua sahida, antes com muita desordem e desmandoromperam por muitas partes o palanque, e deram com muita força nos corredores,de que alguns d'elles achando-se atalhados, querendo-se salvar cairam em umgrande tremedal e lagoa, de que não poderam sahir, onde entre mortos e presosficaram logo até trinta, e os vivos levaram logo ante o infante, entre os quaeso principal{116} era um Pero de Castro, fidalgo ecriado do infante D. Henrique»[60].
Impellido por este acontecimento, o exercito de D. Pedro avançou. Sahiu-lheao caminho a noticia de que D. AffonsoV havia partido deSantarem ao seu encontro. Sabido isto, o infante mandou fazer alto, a pequenadistancia de Alverca, junto ao ribeiro de Alfarrobeira.
O conde de Avranches, que era sempre o primeiro, foi observar o exercito dorei, que se aproximava.
Fez-lhe impressão a grandeza d'esse exercito. Mas, voltando, occultou a todaa gente a sua impressão, menos ao infante.
«... e alguns disseram que o Conde pedira e requerera ao infante, visto adesigual comparação que havia de uns a outros, que só se fosse e salvasse, e odeixasse{117} com sua gente alli onde folgaria acabarpor seu serviço»[61].
Se isto assim foi, o infante recusou o offerecimento. Lembrou porventura aD. Alvaro que o voto feito por ambos era de morrerem um pelo outro.
«Mas o que mais verdadeiramente ácerca d'isto se deve crêr, é que o Condepela certa sabedoria que tinha do proposito do infante, que era morrer, e peloconsagramento que ambos por isso tinham feito, não lhe commetteria nem ousariacommetter tal cousa, em que ao menos ficava o infante por ser perjuro efraco»[62].
Foi ahi, junto ao ribeiro de Alfarrobeira, que n'esse dia, uma terça-feira,20 de maio, o infante D. Pedro esperou o exercito do rei.{118}
O conflicto, rapido e decisivo, devia comtudo ficar memoravel na historia dePortugal. Uma setta, certeiramente despedida, fôra cravar-se no peito doinfante, que pouco tempo sobreviveu.
Luiz de Azevedo[63],poeta doCancioneiro de Rezende, põe na bocca do infante moribundolastimas que talvez lhe atravessassem o pensamento n'essa angustiada horafinal:
Nam ha rreynos em Cristãos
que em todos nam andasse,
e que sempre nom achasse
nos rreys d'eles doces mãos;
Fydalguos e cydadaõs
me seruiam lealmente,
e agora cruelmente
me matarom meus yrmãos.
Eu andey per muytas partes
e por outras boas terras,
muyta paz e tam bem guerras
vy tratar per muytas artes.{119}
Mas aqueste dia Martes
foy jnfeles pera mym;
o meu sangue me deu fim
e rrompeu meus estandartes.
Vamos, na confusão do rapido combate, procurar o conde de Avranches. Oinfante é morto. D. Alvaro ha de cumprir o seu juramento como o mais leal doscavalleiros portuguezes.
Ruy de Pina escreve:
«O conde d'Abranches andando a cavallo em outra parte do arraial, provendo eresistindo em sua estancia, como bom e ardido cavalleiro, a muitas affrontasque o perseguiam, um moço chegou a elle e chorando lhe disse—Senhor conde,que fazeis? porque o infante D. Pedro é morto.—E o conde com quanto estaembaixada era de morte, que sem escusa nem dilação desafiou logo sua vida, ellecom a cara segura e o coração esforçado disse ao moço—Cala-te e aqui o nãodigas a ninguem.—E{120} com isto feriu rijamente ocavallo das esporas, e foi-se descer em seu alojamentor onde sem algumaturvação pediu pão e vinho, de que por esfoçar mais seu esforço comeu e bebeualguns bocados, e tomou suas armas para com ellas honrar sua sepultura, que eraa terra em que havia de cair, e saiu a pé pelo arraial, que de todas as partesera já entrado e vencido, e como foi conhecido, logo os d'el-rei uns sobre osoutros carregaram sobre elle acommettendo de todas as partes para o matar, maselle logo com uma lança que cortaram, e depois com sua espada os feria, eescarmentava de maneira, que os que a primeira vez o acommettiam, de mortos ouferidos não volviam a elle a segunda, e assim pelejou um grande pedaço como muivalente e accordado cavalleiro, não sem grande espanto dos que o viam trazendoas mãos, e todas suas armas cheias não de seu sangue, mas de muito alheioque{121} espargiu; porque em quanto andou em pé e sepoude revolver, nunca sua carne recebeu golpe que a cortasse. E emfim vencidojá de muito trabalho, e longo cansaço, disse em altas vozes:Ó corpo, jásinto que não podes mais, e tu minha alma já tardas. E com isto se deixoucair estendido no chão, e uns dizem que disse,ora fartar, rapazes, eoutrosora vingar, villanagem. Cujo corpo que já não resistia, foi logode tantos golpes ferido, que em breve despediu a alma de si para ir acompanhara do infante como lhe tinha promettido, e alli um seu amigo, que não usou doque devia, lhe cortou e levou a cabeça com que a el-rei foi pediracrescentamento e honra de cavallaria, e o tronco ficou no chão feito empedaços, até que por requerimento de João Vaz d'Almada seu irmão bastardo, queera valor d'el-rei, houve logo enterramento no campo, e depois sepulturahonrada. E os outros fidalgos e nobre gente{122} queeram com o infante, vendo tão caro seu destroço, cada um desamparou a defezadas estancias, que lhe foram encommendadas, e como desesperados das vidas nãolhe fallecendo o coração e accordo para vingarem suas mortes, se soltaram peloarraial á aventura que se lhes offerecesse, e emfim de mortos, feridos, oupresos não escapou algum».
Realmente, um frémito de enthusiasmo põe no nosso organismo uma vibraçãoviolenta, ao chegarmos a esta pagina, a ultima, da biographia de Alvaro Vaz deAlmada. Os heroes da epopéa costumam cair assim. Na morte, esse homemextraordinario parece ainda sobrepujar a grandeza de toda a sua vida. Para oslivros de educação popular, nenhum exemplo de valor militar e de leal amizadepoderá ser mais apropriado do que este.
Os nobiliarios da Torre do Tombo referem entre as phrases finaes deAlvaro{123} Vaz uma que o chronista aliás não cita.Contam que, embravecido em vingar a morte do seu amigo, o conde de Avranches,na vertigem do combate, pronunciára: «Jantar aqui, ceiar no inferno».Era um leão que se vingava, cego de colera, imponente de magestade.
Estes acontecimentos causaram uma profunda impressão em toda a Europa. D.AffonsoV procurou attenual-a enviando embaixadores ásprincipaes côrtes, encarregando-os de explicarem os motivos do seuprocedimento.
Mas a impressão foi tanto maior, quanto é certo que a vingança do reiultrapassou o respeito devido aos mortos.
O cadaver do infante ficou insepulto sobre o campo, durante tres dias.Depois levaram-n'o sobre um escudo para a egreja de Alverca. Aquelle desgraçadoprincipe, de quem o povo conta que, em vida, andou as sete partidas do mundo[64],{124} ainda depois da morte errou n'uma longa peregrinação,porque os seus ossos foram successivamente trasladados de Alverca (onde o reireceiou que os fossem roubar) para o castello de Abrantes, de Abrantes para omosteiro de Santo Eloy em Lisboa, e de Lisboa, finalmente, para a Batalha, ainstancias da infeliz rainha D. Isabel.
Ao cadaver do conde de Avranches foi, como diz Pina, cortada a cabeça por umdos adversarios, aliás seu antigo amigo, que a levou a el-rei na esperança deobter mercê[65]. Feitopedaços, retalhado de golpes, o corpo de D. Alvaro ficou tambem insepulto sobreo campo de Alfarrobeira,{125} até que a requerimento deseu irmão bastardo, João Vaz de Almada[66], e não sem difficuldade, foi enterradohonradamente na capella de familia.
Esta capella, que confinava com a casa do Capitulo em S. Francisco deLisboa, era chamadados Abranches (corrupção de Avranches), por n'ellater sido sepultado D. Alvaro Vaz.{126}
«Está sepultado—descrevia no seculoXVII o auctor daHistoria serafica—no meio d'esta capella, debaixo de uma pedra, na qualse vêem estas letras:Aqui jaz um Christão. Na parede sustentavam dousleões uma arca pequena, ennobrecida com as armas dos Almadas, em que estavam osossos de seu pai João Vaz de Almada, e de seu irmão Pero Vaz de Almada, osquaes ausentando-se do reino por razões, que para isso tiveram, fóra d'ellefizeram celebre seu nome com muitos feitos cavalleirosos[67]. E por quanto uma ruina do tecto a temfeito em pedaços, e a mesma capella se ha de incorporar em a Casa do{127} Capitulo, com mais gosto deixamos escripta estamemoria».
Por carta de D. AffonsoV, de 10 de outubro d'aquelle anno de1449, foram privados de todos os seus beneficios, dignidades, officios, honras,prerogativas, isenções, privilegios, liberdades, etc., os partidarios doinfante que se acharam em Alfarrobeira.
O conde de Avranches não escapou a esta medida geral, que abrangia tanto osvivos como os mortos.
«Morto o conde de Avranches, foram-lhe logo os bens confiscados como de reode alta traição: a casa da actual rua doAlmada, sobre o Calhariz, campoentão, e afastado, e mais uns terrenos em Caparica. Tudo se doou em 25 deagosto de 1449 a Alvaro Pires de Tavora, chamado o velho, filho de LourençoPires de Tavora e de Alda Gonçalves, e do conselho d'elrei D. AffonsoV. Esses bens conservam-se{128} ainda,na sua maior parte, em poder do actual representante dos Tavoras, o sr. marquezde Vallada, etc.»[68]
Quantos lisboetas ignorarão ainda hoje que foi o famoso conde de Avranches,espelho da cavallaria portugueza, como muitos escriptores lhe chamam, que deu onome a essa aliás modesta rua, proxima do Calhariz!
Alvaro Vaz de Almada, primeiro conde de Avranches, casou duas vezes.
A primeira com D. Isabel da Cunha, filha de Alvaro da Cunha, quinto senhorde Pombeiro, o qual era filho de João Lourenço da Cunha e de sua mulher aceleberrima D. Leonor Telles[69].{129}
A lista dos filhos de Alvaro Vaz de Almada, publicada nosRetratos dosvarões e donas, é deficiente. Nos nobiliarios da Torre do Tombo encontra-sea seguinte noticia genealogica, que deve completar a sua biographia:
Do primeiro casamento, nasceram cinco filhos, a saber:
1.º D. João de Almada, cuja geração se extinguiu.
2.º D. Leonor, solteira.
3.º D. Violante da Cunha, primeira mulher de Fernam Martins Mascarenhas,capitão de ginetes, do qual se apartou.
4.º D. Isabel da Cunha, mulher de{130} AlvaroPessanha, filho de micer Carlos Pessanha, almirante[70].
5.º Dona V... da Cunha, que casou em Inglaterra.
Em segundas nupcias casou D. Alvaro Vaz de Almada com D. Catharina deCastro, filha de D. Fernando de Castro (casa Monsanto) e de sua mulher D.Isabel de Athayde.
D'este segundo cazamento nasceu D. Fernando de Almada, que veio a herdar otitulo de conde de Avranches, confirmado em França por LuizXI.
D. Catharina não teve pela memoria de D. Alvaro o respeito que era deesperar, visto que não podia encontrar outro{131}marido, que excedesse em gloria o primeiro.
Casou outra vez. Casou, depois da morte do conde de Avranches, com D.Martinho de Athayde, conde de Athouguia, seu primo co-irmão.
É triste recordar esta pagina de fragilidade feminina.
Mas a patria, essa, ficou eternamente viuva do grande cavalleiro.
*
* *
De proposito deixei para o final d'esta carta um assumpto, vago e confuso,que anda lendariamente relacionado com a vida de D. Alvaro Vaz de Almada.
Os chronistas fazem d'este famoso capitão um dosdoze de Inglaterra,emparceirando-o{132} alguns, n'esta cavalheirescaaventura, com seu pai.
Não póde ser mais completa a confusão de datas e de nomes, que obscureceesta lenda em si mesma e na sua referencia á familia Almada.
Dêmos desde já um exemplo.
Ferdinand Denis, que com tanto cuidado estudava a historia de Portugal, diza respeito de Alvaro Vaz de Almada:
«Il faisait partie, dit-on, des douze preux qui allèrent venger l'honneuroutragé des dames anglaises; et Camoens l'a celebré en cette occasion, enalterant toutefois son nom»[71].
Ora, no episodiodos doze de Inglaterra, Camões apenas nomeia um só,que «Magriço se dizia». Onde o poeta falla do{133}conde de Avranches é no cantoIV, quando descreve a batalha deAljubarrota. E ahi é que lhe troca o nome. Vejamos:
E da outra ála que a esta corresponde,
Antão Vasques de Almada[72] é capitão,
Que depois d'Abranches nobre conde,
Das gentes vai regendo a sestra mão.
Logo na rectaguarda não se esconde,
Das quinas e castellos o pendão,
Com Joanne rei forte em toda a parte,
Que escurecendo o preço vai de Marte.
Quem esteve em Aljubarrota não foi Alvaro Vaz de Almada, nem podia estar,porque, sendo aproximadamente da mesma idade do infante D. Pedro, não teriaainda nascido: mas foi seu pai, João Vaz de Almada,—ahi armado cavalleiro.
Effectivamente, um cavalleiro, chamado{134} AntãoVasques, de Almada acrescentam alguns, commandava a ala esquerda do exercitocom o gascão Guilherme de Montferrant[73].
E este mesmo Antão Vasques, depois da batalha, cobriu os pés do Mestre deAviz com a bandeira real de Castella.
Não se póde confundir este cavalleiro com João Vaz de Almada, a quem, antesde ser armado cavalleiro, não dariam o commando da ála esquerda do exercito. Jásabemos que João Vaz foi armado ahi, em Aljubarrota, o que prova que era muitonovo então.
Assim, temos que Ferdinand Denis se equivocou dizendo que Camões altera onome do conde de Avranches quando descreve{135} oepisodio dosdoze de Inglaterra; e que Camões se enganou tambem dizendoque Antão Vasques de Almada foi depois conde de Avranches.
Vamos agora á lenda dosdoze.
Será acaso nosLusiadas que pela primeira vez apparece noticia d'estalenda?
Não é. A primeira edição do poema de Camões foi estampada em Lisboa no annode 1572. Em 1567 imprimia-se em Evora oPalmeirim de Inglaterra, porFrancisco de Moraes, e no capituloCLXIII da segunda parted'esta obra, faz-se menção de um combate cavalheiresco, que envolve o fundo dalenda dosDoze.
Mas oPalmeirim de Inglaterra será uma obra original, uma traducçãofiel ou apenas uma imitação? Moraes, que acompanhou em 1540 a França oembaixador portuguez, o segundo conde de Linhares, diz na dedicatoria á infantaD. Maria que trasladára a sua chronica de outra de Albert{136} de Rennes, em Paris. Innocencio Francisco da Silvajulga, porém, que Francisco de Moraes não traduziu servilmente, antesintroduziu cousas de sua lavra.
No mesmo anno de 1567 imprimia-se em Coimbra oMemorial das proezas dasegunda tavola redonda, de Jorge Ferreira de Vasconcellos, e ahi, nocapituloXLVII se lê: «Porque não se nega aos lusitanos, dês otempo dos romanos que fizeram memoria dos feitos heroicos, um abalisado e rarograu de cavallaria. E em tempo d'elrei D. João deBoa Memoria sabemosque seus vassallos no cêrco de Guimarães se nomeavam por cavalleiros da tavolaredonda; e elle por rei Arthur. E de sua côrte mandou treze cavalleirosportuguezes a Londres, que se desafiaram em campo cerrado com outros tantosinglezes, nobres e esforçados, por respeito das damas do duque deAlencastro».{137}
Aqui nos apparece a lenda já apropriada a Portugal, com a só differença deserem treze os cavalleiros em vez de doze.
O que se vê claramente do que fica exposto é que em 1567 a lenda a que nosvimos referindo andava em moda em Portugal. E talvez por estar muito viva afama gloriosa do reinado cavalheiresco de D. JoãoI, seria JorgeFerreira de Vasconcellos o primeiro que a localisou n'aquella época.
Alguns escriptores nossos, e entre elles o auctor dosRetratos dos varõese donas, precisam a data da ida dos cavalleiros portuguezes a Inglaterra,collocando-a no anno 1390. Com effeito, esta era a época mais propria, por amorda verosimilhança, porque foi depois do casamento de D. JoãoIcom D. Filippa de Lancaster na Sé do Porto (1387) que se estreitaram asrelações de Portugal com a Inglaterra[74],{138} e foi depoisda batalha de Aljubarrota (1385) que o espirito cavalheiresco se accendeu entrenós. Mas Fernam Lopes, a melhor auctoridade que podia fazer fé, não se refereao caso.
Prosigamos. Mariz, nosDialogos da varia historia, publicados em1594, referindo-se a uma relação antiga,{139}Chronica antigua hujus temporis, publíca uma narrativa do feito dosDoze, occorrido, segundo elle, no reinado de D. JoãoI.Cita, entre osDoze, apenas quatro, mencionando o nome deum que sechamava Alvaro de Almada.
Faria e Sousa, commentando osLusiadas, em 1639, tambem se refere aumpapel antiguo, em quetoscamente se historiava o episodio dosDoze.
Ora, o velho chronista francez João Froissart, que falleceu em 1410, fallade uma ordem de cavallaria, a ordem daDama Branca, que foi organisadapara defeza das damas ultrajadas,plusieurs dames et damoiselles, veufves etautres, estoyent oppressées d'aucuns puissants hommes[75], e publíca o texto das cartas de armas{140} pelas quaestreze cavalleiros francezes, messireCharles d'Albret, messire Bouciquaut, marechal de França, Bouciquaut, seuirmão, Francisco de Aubrecicourt, João de Lignères, Chambrillac, Castelbayac,Gaucourt, Chasteaumorant, Betas, Bonnebaut, Colleville e Torsay, secomprometteram a defender as damas no anno da graça de 1399.
Em face do texto de Froissart, a prioridade seria dos portuguezes, porque asua ida a Inglaterra é collocada por uns no anno de 1390, e por outros no de1396. O duque de Lancaster, que para este feito cavalleiresco teria pedido oauxilio de D. JoãoI, falleceu em 1399.
Mas nós abstemo-nos de reivindicar a prioridade dos portuguezes e, portanto,a filiação portugueza da lenda. Contentamo-nos com dizer apenas que esta lendase tinha generalisado na Europa, querendo cada paiz aproprial-a a cavalleirosseus.{141}
O catalogo completo dosDoze portuguezes appareceu pela primeira vezno opusculo de Ignacio Rodrigues Védouro,Desafio dos Doze deInglaterra, publicado em 1732[76].
Ora, segundo a tradição recolhida por Védouro, esses cavalleiros seriam:Alvaro de Almada, oJustador; Alvaro Gonçalves Coutinho, oMagriço; Alvaro Mendes Cerveira; Alvaro Vaz de Almada, primeiro conde deAvranches; João Pereira Agostinho, Lopo Fernandes Pacheco, Luiz GonçalvesMalafaia, Martim Lopes de Azevedo, Pedro Homem, Ruy Gomes da Silva, Ruy MendesCerveira e Soeiro da Costa. Como supranumerarios, João Fernandes Pacheco eVasco Annes Côrte Real.
Este catalogo tem para nós muito pouco{142} valor.Os nossos antigos chronistas não se preoccupavam com a chronologia. Assim é,por exemplo, que Luiz Goçalves Malafaia e Soeiro da Costa são incompativeis,chronologicamente, com a época dosDoze de Inglaterra[77]. Além d'isto, a vaidadedas familias mais illustres de Portugal não deixaria de collaborar no catalogo,fazendo supprimir uns nomes para os substituir pelos de representantes seus.
Quanto ao primeiro cavalleiro do catalogo de Védouro, Alvaro de Almada, oJustador, não deixa de inspirar certa desconfiança a coincidencia deexistirem na mesma época dois homens do mesmo nome e do mesmo vultocavalheiresco.
Não será acaso Alvaro de Almada, oJustador, um desdobramento daindividualidade de Alvaro de Almada, o conde de{143}Avranches, por errada repetição de algum códice, nobiliario principalmente?
Talvez por descobrir este equivoco seria que José da Fonseca, na edição dosLusiadas, feita em Paris em 1846, substituiu Alvaro de Almada, odesignadoJustador, por João Fernandes Pacheco, que no catalogo deVédouro figura como primeiro supranumerario.
A ter-se como certa a ida dosDoze cavalleiros portuguezes aInglaterra, o que não póde ter-se como certo, parece-me, é que Alvaro Vaz deAlmada fosse um d'esses cavalleiros.
Elle, que foi armado cavalleiro em Ceuta em 1415, e que pela primeira vezestivera na Inglaterra em Janeiro d'esse anno, quando alli fôra levantar astrezentas e cincoenta lanças, não poderia tomar parte n'um torneio, que seteria realisado no fim do seculo anterior.
A sua inclusão na lenda dosDoze explica-se,{144} decerto, por ter sido um dos mais famosos cavalleirosportuguezes do seu tempo.
Sobretudo, as suas viagens e a sua morte em Alfarrobeira, que tantaimpressão causou pelas circumstancias cavalheirescas que a revestiram,despertariam, na imaginação popular, o sentimento do maravilhoso. D'aqui talvezo associarem-n'o á lenda.
Mas Alvaro Vaz de Almada não precisa d'essa gloria, aliás duvidosa, porquesobeja gloria lhe adveio dos seus brilhantes feitos e singulares aventuras.
NaChronica de Monstrelet falla-se de um combate que, no anno de1414, houve em França entre tres cavalleiros portuguezes e tres gascões: sendoo pretexto o amor das damas, comquanto o verdadeiro mobil fosse o odio queexistia entre os francezes e os inglezes, de que os portuguezes eram entãoalliados.{145}
Os portuguezes foram D. Alvares, D. João e D. Pedro Gonçalves[78]; e os gascões François deGrignols, Archambaud de la Roque e Maurignon.
O combate ter-se-ia realisado em Saint-Ouen, na presença do rei: Osportuguezes portaram-se com bravura, mas foram vencidos. Pudera! ou a versãonão fosse franceza...
Desculpe, meu caro snr. Lugan. O orgulho das nações chega a ser uma cousarespeitavel.
Para fazer justiça ao valor dos seis campeões, foram passeiados, todos,pelas ruas de Paris, em triumpho, ao som de trombetas e acclamaçõesenthusiasticas.
Ora estes tres nomes, mudado Alvares para Alvaro, correspondem justamenteaos{146} dos tres cavalleiros da familia Almada: o paie os dous filhos.
E o appellido de Gonçalves poderá talvez explicar-se por confusão com o doMagriço, que, como sabemos, se chamava Alvaro Gonçalves (Coutinho).
Vimos como Alvaro Vaz de Almada fôra com seu pai a Inglaterra levantar armaspara a guerra de Ceuta. Naturalmente tambem iria Pedro de Almada. O pai estavana côrte de HenriqueV em setembro de 1414, como consta doQuadro diplomatico, e Alvaro ainda alli estava em Janeiro de 1415.
A commissão requeria brevidade, porque D. JoãoI queriapartir para Ceuta, e não me parece provavel que a familia Almada se demorasseentão em França a combater gascões.
Mas é possivel.
O que é provavel é que Alvaro Vaz de Almada, e seu pai, e seu irmão, naInglaterra,{147} na França ou mesmo na Allemanha, ondeAlvaro Vaz se encontraria mais tarde com o infante D. Pedro, praticassem,collectiva ou individualmente, algum feito galante em honra das damas, tomassemparte em qualquer dos torneios cavalheirescos, que eram n'aquella épocafrequentes.
Após o combate entre os tres portuguezes e os tres gascões, houve um duelloentre outro portuguez e um cavalleiro bretão, de appellido La Haye, na presençade CarlosVI.
«Foram, diz Vulson de la Colombière, por ordem do rei igualmente honrados,comquanto se diga que La Haye obteve vantagem».
Reiffenberg dá noticia de que D. JoãoI convidára muitoscavalleiros francezes para um torneio em Lisboa[79].{148}
Era este o requinte da galanteria militar da época. Portanto Alvaro Vaz ouqualquer dos outros cavalleiros da sua familia bem poderiam ter praticadosemelhantes proezas no estrangeiro, de 1414 a 1415, ou depois da tomada deCeuta, quando se viram obrigados a emigrar.
Infelizmente, não posso precisar quaes fossem esses feitos cavalheirescospraticados por elle ou pelos seus.
Camões, na sequencia do episodio dosDoze, refere-se ao duello que oMagriço teve com um francez, e ao desafio que um outro dos cavalleirosportuguezes tivera na Allemanha.
O cavalleiro francez morto, no campo, peloMagriço foi, segundo atradição, mr. De Lansay.
O duello do outro portuguez com o allemão:{149}
Outro tambem dos doze em Allemanha
Se lança, e teve um fero desafio
C'um germano enganoso, que com manha
Não devida, o quiz pôr no extremo fio;
bem podia ser vaga recordação de alguma façanha de Alvaro Vaz quandocombateu pelo imperador Sigismundo, embora essa façanha nenhuma relação tivessecom a lenda dosDoze. Mas, no poema, quando Velloso está n'este lance danarrativa, o mestre de bordo toca o apito, a manobra começa, as conversações natolda interrompem-se.
Camões conta que Magriço não recolhera logo depois do torneio:
Mas dizem que comtudo o grão Magriço
Desejoso de vêr as cousas grandes,
Lá se deixou ficar, onde um serviço
Notavel á Condessa fez de Frandes.
E Mariz, nosDialogos, diz que tambem ficaram no estrangeiro, além deMagriço,{150} mais dous, «fazendo taes obras em armas,que um d'elles alcançou de el-rei de França o condado de Abranches em França,pelas obras que em seu serviço fizera», e que este veio depois a morrer emAlfarrobeira.
Ora não foi o rei de França, mas o de Inglaterra, como já está dito, que deuo condado de Avranches a Alvaro Vaz de Almada. E, dizendo a lenda que o torneiodosDoze se realisou em vida do duque de Lancaster, não podia Alvaro Vaztomar parte n'elle, por não ser ainda nascido ou por estar ainda na primeirainfancia.
Em conclusão, meu caro snr. Lugan:
Na formação das lendas, a imaginação popular não olha a anachronismos.Alvaro Vaz foi um cavalleiro famoso por seus feitos d'armas, pelo seu grandevalor; combateu ao serviço de Inglaterra e em Inglaterra foi mais tardeagraciado: a{151} lenda cavalheiresca dosDozeenvolveu-o portanto nos seus magicos véos, para nos servirmos de uma expressãode Pinheiro Chagas, sem attender á chronologia. Tambem em torno do infante D.Pedro se fórma a lenda dassete partidas, originada nas suas viagens. Aimaginação popular não podia deixar de envolver no maravilhoso das tradiçõesnacionaes estes Castor e Pollux do seculoXV, tão unidosmoralmente, tão consubstanciados, na vida e na morte, por um estreito laço derelação historica.
*
* *
Seria longo trabalho enumerar as menções e referencias que de Alvaro Vaz deAlmada fazem tanto os escriptores portuguezes,{152}como os estrangeiros que se têm occupado em estudar a historia do nosso paiz.
D'estes, alguns, Ferdinand Denis á frente, lamentam que tão pouco se saibada vida do conde de Avranches. Um d'elles, que é dos que melhor conhecem alitteratura portugueza, mr. Francisque Michel, chega a escrever: «Nous nesavons rien de sa vie».
Quanto aos escriptores nacionaes, não quero, comtudo, deixar de citar GomesEanes de Azurara, porque escrevia em circumstancias verdadeiramente embaraçosaspara elle. Azurara fôra encarregado por D. AffonsoV de escreveraChronica do descobrimento e conquista de Guiné. Por D. AffonsoV, note-se, por D. AffonsoV, que moveu o seuexercito contra o infante D. Pedro, e que tão severo se mostrou com todos osque combateram em Alfarrobeira ao lado do infante.{153}
Azurara acabou de escrever a suaChronica em fevereiro de 1453, istoé, menos de quatro annos depois do deploravel acontecimento, quando ainda nãoestavam de todo apagadas as paixões politicas que lhe deram origem.
Pois, não obstante estas difficeis circumstancias em que se via collocado,Azurara, com louvavel hombridade, faz esta referencia a D. Alvaro Vaz deAlmada:
«... batalha da Alfarrobeira, naqual o dicto iffante foe morto e o condeDabranxes que era com elle, e toda sua hoste desbaratada, onde, se o meuentender pera esto abasta, justamente posso dizer, que lealdades dos homees detodollos segres (seculos) forom nada em comparaçom da sua. E postoque o serviçonom seja tamanho, quanto ao trabalho, segundo os que já disse, certamente ascirconstancias lhe dam splandor e grandeza sobre todollos{154} outros, cuja perfeita declaraçom remeto aa estoreageeral dos feitos do regno»[80].
D. AffonsoV leu isto, que foi escripto na sua propriacasa—acabousse esta obra na livrarya que este Rey dom Affonso fez emLixboa—e sentiu, porventura, passar ainda por diante dos olhos o vultod'esse cavalleiro fascinante, que elle quiz por força vêr quando D. Alvaro iacaminho da Ameeira, e que tamanha influencia exercia no seu juvenil espirito,que os inimigos do infante D. Pedro, quando o conde de Avranches regressou deCeuta pela segunda vez, julgaram conveniente a seus fins levar o rei paraCintra, de modo a evitar nova entrevista.
AffonsoV leu isto, e certamente lhe pesou na alma o remorsode ter cedido ás perfidas suggestões dos inimigos do infante.{155}
As palavras que Azurara havia escripto, ficaram. O rei não as cancellou. Oespirito de AffonsoV fez justiça ao chronista e ao conde,conservando-as.
*
* *
Tal era o homem, o heroe.
Elle bastaria por si só a caracterisar uma época, o occaso da idade-média emPortugal, se, a dous passos de distancia, os descobrimentos maritimos,promovidos pelo infante D. Henrique, não tivessem vindo relegar para o segundoplano do vasto quadro da civilisação universal todos os outros factos, e todosos vultos humanos que não collaboraram directamente n'essa colossal epopêa dasaventuras maritimas.
Alvaro Vaz de Almada é até certo ponto prejudicado pelo esplendor deuma{156} época gloriosissima, que marca o inicio dostempos modernos. Eramos então tão felizes que sobejavam heroes, heroes de umaraça unica, inexcedivel, para todos os generos de celebridade. Mas a grandezado vulto do conde de Avranches, podendo medir-se pela bitola dos maiores emelhores cavalleiros do cyclo medieval, tanto se abalisou nas tradições daEuropa cavalheiresca, que não ficou de todo offuscada pelo esplendor da suapropria época.
Quando quizermos recordar o periodo aureo em que o espirito aventuroso dosportuguezes investia com as lendas tenebrosas do oceano, para rasgal-as com aprôa das caravellas descobridoras, e affrontava os perigos das exploraçõesterrestres por sertões inhospitos, teremos que figurar na nossa imaginação ovulto do infante D. Henrique, de pé sobre o promontorio de Sagres, dominando omar, que se lhe quebrava aos pés humilde como um{157}leão vencido, e que, no seu eterno refluxo, ia levar a longinquas plagas oprestigio do nome portuguez.
Mas quando quizermos figurar a agonia extrema da cavallaria portugueza,quando quizermos procurar a chave de ouro que fechou, n'esta região dooccidente, o periodo do valor militar, das aventuras galantes, da coragem nosoffrimento, da dedicação na amizade, da abnegação na existencia e daheroicidade na morte, teremos que figurar o conde de Avranches, brandindoprimeiro a lança, floreando depois a espada, no campo de Alfarrobeira, onde oinfante D. Pedro era já cadaver, até que, extenuado, sentindo exhalar-se oderradeiro alento, cae sobre a terra da patria, offerecendo aos golpes dosadversarios o corpo que já podia menos do que a alma, e exclamando aodespedil-a:Ora vingar, villanagem!
Se o infante D. Henrique é o traço de{158} união quepara todo o sempre, emquanto se não perder a memoria das grandezas passadas coma existencia do ultimo homem, nos liga ao Oriente, cujas portas abrimos, cujosmares devassamos, cujos emporios vencemos, D. Alvaro Vaz de Almada é o vinculoeterno que nos prende ao Occidente cavalheiresco, ás tradições aventurosas dobrio militar e do militarismo galante que foram, na Europa da idade-média, asuprema expressão da nobreza da alma humana.
Um, o infante, é a aurora do novo dia que começa a raiar para a humanidadedo seculoXV, aurora resplendente de fulgurações prismaticas, dearreboes dourados, de rosicler cambiante.
O outro, o conde, é o occaso da idade-média, o sol-pôr de um seculo defeitos heroicos, de primores e gentilezas de cavalleiros intemeratos,—occasoopulento de tintas e de sombras grandiosas, em que a{159} luz briga ainda com as trevas, affirmando na lucta ovalor que certamente havia aprendido com os cavalleiros d'esse tempo.
Estes dous homens, o infante e o conde, são como uma dupla personificação dasua época, do momento de transição solemne em que a poesia das espadas, aepopêa das cavallarias errantes, que preparavam a alma humana para todas asconcepções arrojadas e para todos os feitos destemidos, vai ceder o passo áquilha das caravellas e das naus, que iam em demanda do Oriente para trazel-oás portas de Lisboa, estreitando as relações dos povos, desenvolvendo anavegação e o commercio, fomentando a industria pela abundancia de capitaes epela exploração de novos mercados, pela nobilitação do trabalho, que nãotardaria a deixar de ser um mister de escravos para converter-se n'umaapplicação honrosa da actividade humana.
O infante e o programma, ainda então{160} maldesenrolado, da transformação economica da Europa culta.
O conde é o livro, prestes a fechar-se, do espirito militar da idade-média,o ultimo clarão da cavallaria moribunda.
São uma época, estes dous homens. Completam-se um pelo outro.
Ora, no momento em que a cidade do Porto vai prestar uma grande homenagemcollectiva ao infante Descobridor, que n'essa boa terra nasceu, e fazerresuscitar por alguns dias o periodo mais brilhante da nossa historia nacional,pareceu-me justo, agora o repito, recordar o vulto do homem que, ao lado de D.Henrique, synthetisa o seculoXV, a transição da idade-médiapara os tempos modernos, na historia de Portugal.
Tendo, meu caro snr. Lugan, de lhe enviar esta carta a tempo de poder serpublicada por occasião da festa centenaria do infante, fui obrigado acircumscrever-me{161} a estreitissimos limites, e apassar rapidamente por acontecimentos que mereciam longa attenção.
Não é um trabalho litterario perfeito o que lhe mando, porque o fazel-oexcederia os meus recursos e não caberia nos poucos dias de que pude dispôr. É,pois, uma simples carta, escripta ao correr da penna, sem preoccupaçõesacademicas, mas inspirada unicamente no desejo de corresponder á louvavelresolução do meu bom amigo e de, por minha parte, render homenagem ás gloriasda minha patria.
Lisboa, 2 de fevereiro de 1894.
De V.
amigo muitoaffeiçoado
AlbertoPimentel.
[1] Quando se queriaelogiar a opulencia de alguem, dizia-se: É como Janeanez (João Éannes ouAnnes).
[2] O snr. OliveiraMartins (Filhos de D. João I, pag. 87) confunde João Vaz de Almada comJoão Annes, que erradamente suppõe ter sido o pai de Alvaro Vaz de Almada.
[3] «Tavarez faitremonter les chevaliers de cette race au grand Janeanez d'Almada, qui occupales offices les plus importants sous D. Pedro, puis sous son fils, et auquelont dû les fortifications dont ce dernier monarque entouraLisbonne».(Portugal, pag. 85).
[4] O valle por onde hojese estende a Avenida da Liberdade.
[5] João Vaz de Almadateve um filho bastardo, do mesmo nome, que foi senhor de Pereira.
[6] Fernam Lopes,Chronica d'el-rei D. João I, cap.XXXIX.
[7]Quadrodiplomatico, tom.I, pag. 283; tom..XIV,pag. 155-156.
[8]Quadrodiplomatico, tom.,XIV, pag. 172-173.
[9]Ibid., pag.174.
[10] Esta preferenciaexplica-se pelo facto de João Vaz de Almada ir na qualidade de capitão-mór dacidade de Lisboa.
[11] «Rex JohannemValascum de Almatina vocari fecit, cui dixit: «Cape signum Sancti Vicentii et,si potes, alteram civitatis partem ingrede, et si senseris barbaros fugamarripuisse arcemque reliquisse, signum in summo arcis pone». Ille mandato Regisparens, signum accepit et ad portam muri qui civitatem in duas partesdividebat, cum multis armatis eum sequentibus, venit; et quia clausa erat,illos eam ipsam rescindere monuit; illis vero rescindentibus, duo barbari quiremanserant, ut rerum exitum expectarent, ad murum accedentes, linguacastellana quam noverant dixere: «Nolite tantum laboris assumere, nos enimportam aperiemus et vobis aditum faciemus». Ubi fuit aperta Johannes Valascus,arcem ingressus, in altiori turre signum collocavit, etc.» (Matheus de Pisano,Gesta illustrissimi regis Johannis de Bello Septensi, 1460;Inéditosda Accademia, tom.I).
Henry Major copiou este episodio.Discoveries of Prince Henry theNavigator. London, 1877. Pag. 35.
[12]Historia dePortugal, vol.I, pag. 9.
[13] «E este Ifante (D.Affonso, fiiho do rei D. Duarte) foy ho primeiro filho herdeiro dos Reys destesRegnos, que se chamou Principe, porque atee elle, todoloos outros se chamaramIfantes primogenitos herdeiros, etc.» (Ruy de Pina,Chronica do sr. rei D.Duarte, vol.I dosInéditos).
[14] ONobiliariode Damião de Goes (Torre do Tombo, 21-B-26) falla de ferimentos; outro codice(Torre do Tombo, 21-F-17) diz—pancadas.
[15] O snr. JoãoTeixeira Soares, artigoOs doze de Inglaterra, publicado naEranova, pag. 458.
[16]Historiaserafica, 1.ª parte, cap.XXIII.
[17]Descripção dePortugal, pag. 311.
[18]Os filhos de D.João I, pag. 87.
[19] «... esta cerimonia(a investidura de um cavalleiro) dava áquelle que iniciava um seu companheirono culto do valor e da lealdade, uma certa influencia sobre o neophyto, que lheficava consagrando sempre respeito e affeição indissoluvel». (Pinheiro Chagas,Historia de Portugal, vol.II, pag. 147).
[20] Ferdinand Denis,Portugal, pag. 84.
[21] Torre do Tombo.Codice 21-F-17.
[22] Fernam Lopes,Chr. d'el-rei D. João I, cap.XCV.
[23] ... né aucommencement du quinzième siècle...» (Ferdinand Denis,Nouvelle biographieuniverselle, tom.II, pag. 170). «Alvaro était né, selontoutes les probabilités, à peu près vers l'époque ou JoamIer avait eu ses premiers fils». (Ferdinand Denis,Portugal, pag. 86).
[24] Suppomos ser o snr.Pinheiro Chagas a pessoa que, noDiccionario popular, escreveu o artigorelativo a Alvaro Vaz de Almada.
[25] Foi Pedro José deFigueiredo, mas parece que teve collaboradores. 1817.
[26] ArtigoAlvaroVaz de Almada, noDiccionario popular.
[27] A pedido de AlvaroVaz, esta carta foi confirmada por outra do rei D. Duarte, dada em Almeirim a 5de Janeiro de 1434.
O posto de capitão-mór da armada conservou-se depois nos Almadasdescendentes do agraciado, até ao tempo de el-rei D. Sebastião, que d'elle fezmercê a D. Fernando de Almada, bisneto de Alvaro Vaz, por carta passada emEvora a 25 de agosto de 1573.
[28] Ruy de Pina,Chronica do senhor rei D. Duarte, cap.XXIV.
[29]Chronica dosenhor rei D. Duarte, cap.XXV.
[30]Chronica dosenhor rei D. Duarte, cap.XXVI.
[31]Chronica dosenhor rei D. Duarte, cap.XXXIV.
[32] Ruy de Pina,Chronica do senhor rei D. Duarte, cap.XXXVI.
[33]Portugal,pag. 86, nota.
[34]O infante D.Pedro, chronica por Gaspar Dias de Landim, cap.XIV.
[35] Landim, mesmocapitulo.
[36]Chronica dosenhor rei D. Affonso V, cap.XXXI.
[37] Pina,Chronicado senhor rei D. Affonso V, cap.XXXIV.
Era oLimoeiro. Este edificio havia sido Casa da Moeda, e depoispalaciodos infantes, porque lhes era destinado. (VêrNoticiaschronologicas da universidade de Coimbra, por Francisco Leitão Ferreira,nasMemorias da Academia Real de Historia relativas ao anno de 1729,pag. 206). Mas ficou por muito tempo o costume de designar o palacio pelo seunome antigo: aMoeda.
[38]Chronica,cap.XXXVI.
[39] Torre doTombo—Chancellaria de D. AffonsoV, liv. 20, fol. 85 v.
[40]Chronica,cap.LXXI.
[41]Elementos para ahistoria do municipio de Lisboa, tom.I, pag. 322.
[42]Diccionariopopular, artigoAlvaro Vaz de Almada.
Henricus dei gratia Rex Angliae et Franciae et dominus HiberniaeArchiepiscopis, Episcopis &c. salutem. Magnis efferendi sunt laudibus,singulari attollendi gloria, qui in Rei publicae salutem dies suos et vitamipsam ferventi studio et animo indefesso conferre nituntur; qui de seipsispericula faciunt pro aliorum quiete, qui egregiam famam et nomen immortale,prae coeteris mundanis rebus sitiunt, et foelices se praedicant dum communemutilitatem eorum operâ et fide adjutari posse arbitrantur: O foelicissimumgenus hominum! sine quibus urbes, moenia, regna, dominia, mundi Principes, necmundus ipse, incolumitate gaudere poterunt: O clarissimi et justi viri! quorumsancta dispositione virescunt virtutes omnes et florent, pulcherime effrenanturmali, praemuntur perversi; nemo est certe qui horum ingenuos animos aut literiscontexere aut verbis affari dignâ laude poterit; de quorum numero insignis etnobilis animi vir et strenuus et splendidissimus miles DOMINUSALVARUS DEALMADAA dicendus etpraedicandus est, qui ab ineunt suâ aetate, dum annos pueritiae excesserat,militiae gloriâ debaccatus, virtutum praemia et communem omnium salutemanelans, toto conanime et omni studio in armorum usum so conjecit, et cumaptiores Rei militares attigerat annos, adolevit strennitas sua cum aetate,itaq animo excellenti in omnem Rei publicae tuitionem crevit, ut nichil sibidulce, acceptum aut desiderabile videbatur, si pro communi bono non fueritinstitutum; adeo sua pro virili bellorum descrimini insudavit forti animo, etpacis tranquilitati consilio, quod suo jure praemia debentur suo labori:propterea nos animadvertentes nobilitatem et animi dicti viri egregiamdispositionem, quae suis gestis adjunctae magnum efficiuntornamentum, nec noningentia facta quae non tantum tempore regni celeberimae memoriaeChristianissimi Progenitoris nostri verum etiam cumulum amoris servitii etmeritorum quae nobis regnisq exhibuit nostris, ipsum in militem ac socium etfratrem de GARTERIA EX unanimi consensu societatis ejusdemelegimus et realiter investivimus: eundem etiam Dominum ALVARUMex nostra habundantiori gratiâ in evidens testimonium suarum virtutum, incomitem DAVARANS in DUCATU nostroNORMANDIAE creavimus et praefecimus, ac per presentes creamus etpraeficimus ac de eisdem nomine honore et titulo per cincturam gladiiinvestientes effectualiter insignivimus. Habenda et tenenda eadem nomen ethonorem Comitis DAVARANS sibi et haeredibus suis masculis decorpore suo legitime exeuntibus in perpetuum, volentes et praecipientes pronobis et haeredibus nostris quod dictus fidelis noster dominusALVARUS nomen et honorem Comitis DAVARANS teneatsibi et haeredibus suis masculis de corpore suo ut praemissum est legitimeexeuntibus in perpetuum, Hiis testibus venerabilibus patribus I: Cantuar: et I.Eborum archiepis. Tho: Norwicen: W: Sarum, I: Bathon et Wellen Epis. carissimoavunculo nostro Humfredo Duce Glouc: ac carissimis consanguineis nostris Iohan.Exon. et Humfredo Buck. Ducibus et Willõ Marchione Suffolciae. Iohan: Vicecom:de Beaumont, ac diltis(1) et fidelibus suis Radulpho Cromwell et RadulphoBotiller militibus, Thess(2) Angl., et Magistro Adam Moleyns custode privatisigilli et aliis. Dat. per manum nostram apud Westm(3). 4 die Aug.Ex Archivis in Turri London
E rotulo Franciae, A.º 23.º
Hen. 6, membrana 2.
Per breve de private sigillo et de data praedicta &c.
(1) Dilectis.
(2) Thesaurariis.
(3) Westminster.
Rex omnibus ad quos &c salutem. Ponimos ante oculos nostros fidemindustriam circumspectionem affectionem laboresq et alia memoriâ dignissimaquae fidelis noster Dominus ALVARUS DEALMADAAComes DAVARANS consiliarius excellentissimi Principis etpotentissimi domini Regis Portugaliae consanguinei nostri et Capitaneus Majorin omnibus regnis suis et dominationibus ac Alcayde major civitatisUlisbonensis foelicis memoriae genitori nostro et etiam nobis singulariintentione impendit: volentes ideo hujusmodi merita sine fructu nequaquamoblivioni comittese, Ex mero motu nostro concessimus et concedimus perpraesentes eidem ALVARO centum marcas percipiendas annuatimquamdiu vixerit ad receptam Scaccarii nostri Angliae per manus Thesaurarii etCamerariorum nostrorum ibidem pro tempore existentium ad Terminos Paschae etSancti Michaelis per equales porcõnes. In cujus, etc. Teste R. apud Westm. 9die Augusti.Ex Archivis in Turri London
E rotulo Franciae, A.º 23.º
Hen. 6. membrana 2.
[45] N. B.—O marcoinglez valia 13 schellings e 4 pences.
[46] Priv. Sigill. 13Aug. 23 H. 6. We in good consideration of the good service grete zele and goodlove that our trusty and welbeloved ALVASTDALMAAKnyght of Portugale hath doon and shewed unto us and oure full nobleprogenitors have maad(1) and creat(2) him now late(3) Therle(4) ofAVERANCHE and over that(5) we have graunted unto the saidALVAST a pension of an C marc by yere during his life. We chargeyou that ye delivere unto him a cupp of golde of XL marc and C marc thereinne&c.
(1) Made.
(2) Created.
(3) Now of late; lately.
(4) The earl.
(5) And besides that; and moreover.
[47] O titulo de condede Avranches, posto que HenqueVI o concedesse hereditario,caducou desde que CarlosVII conseguiu reunir á França o ducadode Normandia.
Foi pois preciso que LuizXI o confirmasse na pessoa de D.Fernando de Almada, filho das segundas nupcias de D. Alvaro Vaz de Almada,porque a geração do primogenito do primeiro casamento extinguiu-se.
A confirmação realisou-se quando AffonsoV esteve em França,e D. Fernando de Almada o acompanhou.
O titulo, assim renovado, foi reconhecido em Portugal: D. JoãoII mandou fazer assentamento a D. Fernando de Almada,condede Avranches, de 102:864 reaes brancos.
Acabou o titulo na pessoa de D. Antão de Almada, que acompanhou a Africa D.Sebastião, e lá morreu. O filho de D. Antão, que estivera com o pai emAlcacerquibir, ficou captivo, e só logrou repatriar-se depois da morte docardeal D. Henrique. Não se renovou por isso a concessão do titulo,interrompendo-se tambem a successão do officio de capitão-mór do reino.
Outro D. Antão de Almada, descendente doBom capitão, foi um dosquarenta fidalgos de 1640.
A rainha D. MariaI agraciou a familia Vaz de Almada com aconcessão do titulo de conde de Almada, a 13 de maio de 1793.
[48]Chronica,cap.LXXXIX.
[49] Que bello desplantecavalheiresco n'este repto de um contra tres!
[50]The life ofPrince Henry of Portugal, cap.XIII, pag. 229.
[51]Memoriasd'el-rei D. João I, tom.V, cap.LXV, pag.342.
[52] Pina,Chronica, cap.XCIII.
[53] Dom Affonso, etc.,a quantos esta carta virem fazemos saber que a nós disseram que em Abrantesforam deixados certos bens de herança por um Fernão Rodrigues Rombo; que pormorte de um seu filho os houvesse a egreja de S. João da dita villa, a qual oshouve e teve anno e dia sem os venderem e acabado o dito tempo a pessoas leigassegundo por nós é ordenado (sic). Os quaes bens vai em dois ou tresannos os tem os clerigos da dita egreja, pela qual razão por bem da nossaordenação pertencem a nós e os podemos dar de direito a quem nossa mercê for. Eora querendo nós fazer graça e mercê ao capitão Alvaro Vaz d'Almada, Rico Homemdo nosso Conselho e Alcaide Mór da cidade de Lisboa, se assim é, como nos foidito, e que por a dita razão os ditos bens pertencem a nós e os podemos dedireito dar a quem nossa mercê for, temos por bem e fazemos-lhe d'elles livre epura irrevogavel doação entre os vivos valedoura d'este dia para todo sempre ede todos seus herdeiros e successores que depois elle vierem, assim ascendentes(sic) como descendentes. E, porem, mandamos aos juizes da dita villad'Abrantes e a outros quaes que isto houverem de ver que, presentes os tedoresdos ditos bens e partes, a que isto pertencer, que se acharem que assim é comonos disseram e que por isso os ditos bens que assim ficaram á dita egrejapertencem a nós e os podemos de direito dar, que vista esta carta os façam logodar e entregar ao dito capitão ou a seu certo procurador e lh'os deixem ter ehaver, lograr, possuir, vender, dar e doar, trocar e escambar, fazer d'elles en'elles o que lhe prouver, como de sua cousa propria e corporal possessão, porquanto nós lhe fazemos d'elles a dita mercê e doação o mais firmemente que serpode, se a nós de direito pertencem e a outrem primeiramente não são dados, pornossa carta dando appellação e aggravo ás partes nos casos que o direitooutorga, e esta mercê lhe fazemos com tanto que elle nem seu procurador nãofaça avença com as partes sem nossa licença, e se a fizer que perca para nósisto de que lhe assim fazemos mercê e mais o preço que por isso receber e alnão façaes. Dada em Lisboa 18 de Agosto. El-Rei o mandou por Lopo d'Almeida,cavalleiro de sua casa, não sendo ahi Diogo Femandes d'Almeida, seu pai, doconselho do dito Senhor e védor de sua Fazenda, a que isto pertencia. NunoAffonso a fez anno de Nosso Senhor Jesus Christo de mil quatrocentos quarenta equatro(1).
(1) Torre do Tombo—Chancellaria de D. AffonsoV, liv.V, fl. 68.
[54] Devia ser n'esteanno, pelas razões expostas pelo visconde de Santarem noQuadroelementar, tom.III, pag. 80, nota, e pelo conde de VillaFranca,D. João I e a alliança ingleza, pag. 201, nota.
[55]Chronique du bonchevalier Jacques de Lalain, frère et compagnon de l'ordre de la toisond'or, por Georges de Chastelain, cap.XXXVIII aXLII.
[56] Pina,Chronica, cap.XCVI.
[57] Pina,Chronica, cap.CIV.
[58] Pina,Chronica, cap.CX.
[59]Portugal,pag. 88.
[60] Pina,Chronica, cap.CXVIII.
[61] Pina,Chronica, cap.CXX.
[62] Pina, mesmocapitulo.
[63] Combateu peloinfante D. Pedro em Alfarrobeira. Era quinto filho de Lopo Dias de Azevedo.
[64] Frei Luiz de Sousa,Historia de S. Domingos, 1.ª parte, liv.VI, cap.XV.
[65] Mariz,Dialogosde varia historia; Major,The life of Prince Henry of Portugal.
[66] Um codice da Torredo Tombo (21-F-17) confunde este João Vaz de Almada com o pai, que tinha omesmo nome. O filho é que foi védor da fazenda de D. AffonsoV,como claramente diz Ruy de Pina. É verdade que o mesmo codice, suppondo queJoão Vaz de Almada, pai do conde de Avranches, era védor em 1451, encarrega-sede evidenciar o equivoco, noticiando que falleceu em Londres logo depois docasamento de D. Beatriz, com o conde de Arundel, casamento que se realisou em1405! A chronologia dos nobiliarios é uma cousa escurissima.
O pai do conde de Avranches figura com a moradia de 12:000 livras na casa deD. JoãoI.
O bastardo, além de védor, foi rico-homem e cavalleiro do conselho deAffonsoV.
[67] Diz Duarte Nunesque em Inglaterra se cantavamromances populares em honra de Pedro Vazde Almada por um feito de armas que praticára, e que fôra muito louvado dosinglezes. Os ossos de D. Pedro, que falleceu solteiro, foram trazidos aPortugal por um criado, que se chamava Rolão Vaz.
[68] Visconde deCastilho, Julio,Lisboa antiga, vol.I.
[69] D. Leonor Telles,quando passou do marido para o rei D. Fernando, ou ainda ia pejada ou poucoantes havia dado á luz este filho legitimo. O pai, João Lourenço da Cunha,voltou á patria quando D. Fernando morreu, e pediu ao Mestre de Aviz quereconheoesse Alvaro da Cunha como herdeiro de todos os seus bens, o que foiconcedido.
[70] Descendente, comotodos os outros Pessanhas, do nautico genovez Manoel Pezagno, que o rei D.Diniz chamou ao serviço de Portugal, e nomeou almirante da sua frota. Oappellido Pezagno aportuguezou-se em Pessanha. E o almirantado ficou nafamilia.
[71]Nouvellebiographie universelle, tom.II, pag. 170.
[72] O primeiro Antãoque apparece na familia de Alvaro Vaz de Almada é um seu neto, segundo filho deD. Fernando de Almada, segundo conde de Avranches.
[73] Os chronistasportuguezes dizem—João de Montferrat. Froissart, porém, chama-lhe Guilherme deMontferrant.
[74] «... mas foi desdeo tempo de JoãoI que multiplicados laços uniram estreitamenteas duas casas e os dois Estados (Portugal e Inglaterra). O antigo tratado decommercio e de alliança de 12 de abril de 1372, que era apenas uma extensão doprecedente, foi renovado a 15 de abril de 1386; ainda no mesmo anno (9 de maio)uma alliança defensiva foi concluida com o rei Ricardo de Inglaterra,confirmada solemnemente no anno seguinte (12 de agosto) e reconfirmada ainda a16 de fevereiro de 1404 por HenriqueIV, successor de Ricardo. Ocasamento de João com a filha do duque de Lancaster (2 de fevereiro de 1387)sellou ainda estes laços de amizade com a corôa de Inglaterra, garantiu eassegurou os tratados de diversa natureza que existiam entre os portuguezes eos inglezes».
Schæfer—Historia de Portugal. (Reinado de D. JoãoI).
[75]Les chroniquesde sire Jean Froissart, tom.III, part.I,cap.XXXVII.
[76]Os doze deInglaterra, artigo do snr. João Teixeira Soares, naEra Nova, pag.448.
[77] Snr. TeixeiraSoares, artigo citado.
[78] Francisque Michel,Les portugais en France, les français en Portugal, 1882, pag. 9.
[79]Relationsanciennes de la Belgique et du Portugal, pag. 25.
[80]Chronica,cap.V.
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