Timbira | |||
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Ao centro, Gecílha Crukoy Krahô, líder craô, noSenado do Brasil | |||
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Regiões com população significativa | |||
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Etnia | |||
Jê |
Timbira é o nome que designa um conjunto depovos indígenas do Brasil, falantes dalíngua timbira (troncoMacro-Jê,línguas Jês):Apanyekrá,Apinayé,Canela,Gavião do Oeste,Krahó,Krinkatí,Pukobyê. Outras etnias timbiras já não se apresentam como grupos autônomos: os pouco numerososKrenyê eKukoikateyê vivem entre osTembé eGuajajara, que falam uma línguatupi-guarani (língua teneteara); osKenkateyê,Krepumkateyê,Krorekamekhrá,Põrekamekrá,Txokamekrá, recolheram-se e se dissolveram entre alguns dos sete povos timbira inicialmente enumerados.
Alguns desses povos, apesar de distintos, são conhecidos pelas mesmas denominações. A três deles, é aplicado o termo Canela: Ramkokamekrá, Apanyekrá e Kenkateyê. Desses três grupos vizinhos, do sul doMaranhão, o último desapareceu devido à destruição de sua aldeia e aniquilamento de seus habitantes por um fazendeiro, em 1913. Cada vez mais o termo Canela tem sido usado para designar principalmente o primeiro, que está abandonando o nome Ramkokamekrá. Na verdade, Canela vem a ser a abreviação de Canela Fina, termo que no início do século XIX era aplicado aos "Capiecrans". Esse último termo, hoje não mais usado, referia-se aos Ramkokamekrá.
Pelo nome Gavião, por sua vez, costuma-se designar três outros grupos timbira, Krinkati, Pukobyê e Gaviões do Oeste, com mais frequência o terceiro e com menos o primeiro. Eles também mantêm uma certa proximidade espacial, os dois primeiros no oeste doMaranhão, na borda dafloresta amazônica, e o último no leste doPará, dentro dela. Esse tipo de vegetação permitiu aos grupos maranhenses resistir por bastante tempo às expedições que contra eles marchavam. O grupo paraense, por sua vez, recusou o contato com os colonizadores brancos europeus por muito mais tempo ainda, só o aceitando no início da segunda metade doséculo XX.
O nomeKrenyê também se aplica a dois povos. O primeiro vivia na proximidades da localidademaranhense deBacabal, no baixoMearim e habita hoje aTerra Indígena Krenyê. O outro vivia no médioTocantins e transferiu-se para orio Gurupi, tendo vivido algum tempo junto a um afluente deste, oCajuapara.
O significado de seus nomes indígenas é indicado nos seus respectivos verbetes.
Quanto ao nome mais geral, Timbira,Curt Nimuendajú, oetnólogo pioneiro no estudo desses povos, admite que, se for de origemtupi, então pode significar "os amarrados" (tin = amarrar,pi'ra = passivo), uma referência às inúmeras fitas de palha ou faixas trançadas emalgodão que usam sobre o corpo: na testa, no pescoço, nos braços, nos pulsos, abaixo dos joelhos, nos tornozelos. Mas vários desses grupos chamam a si mesmos de Mehím.
Esses diferentes grupos étnicos falam uma sólíngua natural, otimbira, que pertence à família jê (línguas Jês), certamente com algumas diferençasdialetais entre si. O dialeto mais divergente é o dosApinayé, que talvez possa até ser considerado outra língua, embora os outros Timbira não pareçam ter dificuldade em entendê-lo. Também são os Apinayé os que mais divergem quanto à cultura. Como os únicos que ficam a oeste do Tocantins, são chamados de Timbira Ocidentais, em contraposição aos demais, os Timbira Orientais. Em qualquer dos povos timbira da atualidade, os homens, além da língua indígena, falam fluentemente o português; as mulheres, mesmo quando não o falam, entendem. É bem provável que osKrenyê e os Kukoikateyê não mais façam uso da língua timbira.
Os grupos timbira se localizam no sul doMaranhão, leste doPará e norte doTocantins. Os que estão mais para sudeste, habitam uma área relativamente plana, interrompida por morros de paredes verticais e cimos chatos, muitas vezes escalonados, coberta pelocerrado, cortada porcursos d'água ao longo dos quais se estendemmatas ciliares. Os situados mais para noroeste, ficam na transição do cerrado para afloresta Amazônica, como os Apinayé, Pukobyê, Krinkatí, Kukoikateyê, ou já dentro desta, como os Gaviões do Oeste e os Krenyê.
O contato com colonizador europeu data doséculo XVIII. Em1728 registra-se uma grande invasão timbira na localidade deOeiras, então capital dacapitania do Piauí. Porém, já na segunda metade do mesmo século, não há mais notícia de presença timbira a leste do rioParnaíba. Foram asfazendas de gado em expansão daBahia para o Piauí e daí para o Maranhão que entraram em choque com eles, empurrando-os para oeste.
No norte do Maranhão, áreaflorestal, desenvolviam-se então as grandes plantações de arroz e algodão. Essa atividade também fazia pressão sobre os Timbira, porque necessitava deescravos para as plantações e para os descaroçadouros de algodão. Um outro mercado de escravos era Belém, que se comunicava com a região timbira por meio do rio Tocantins. Favorecia a escravização dos Timbira umaCarta Régia de5 de setembro de1811, que permitia a escravidão temporária dos índios doTocantins eAraguaia que resistissem aos colonizadores. Os índios eram combatidos por tropas constituídas de civis e militares e ainda por índios cooptados, como os Krahó. O conhecimento desse período nos é dado principalmente pelas memórias escritas pelo comandante militarFrancisco de Paula Ribeiro, que combatia os índios, mas não aprovava as ciladas, promessas não cumpridas e escravidão imposta àqueles que se mostravam propensos a estabelecer relações pacíficas.
A conquista das terras timbiras pelos brancos se efetivou em sua maior extensão no primeiro quartel doséculo XIX, dentro de um grande vácuo jurídico, ou seja, entre a extinção do Diretório dos Índiospombalino na últimadécada do século precedente e a primeira disposição legal referente a índios doBrasil independente, que somente ocorreu no Ato Adicional que emendou aConstituição do Império em1834. Entre esses dois limites, apenas a retrógradaCarta Régia de 1811, que permitia a escravidão de índios hostis do Araguaia e Tocantins por dez anos ou mais enquanto durasse sua "atrocidade". Nada de concessões de léguas em quadra pelaCoroa Portuguesa; nada de aldeamentos criados pelo governo, como se fazia noséculo XVIII.
As disposições levadas a efeito no tempo do segundoimperador alcançaram de modo muito diluído os Timbira e não impediram que ficassem à mercê dos interesses dos criadores degado ecomerciantes regionais: a retomada das missões, sobretudo comcapuchinhositalianos, a partir de1845; as diretorias provinciais dos índios; as colônias militares. Na área florestal, as exportações dealgodão earroz do norte maranhense caíram, dando lugar a uma época de estagnação, depois que osEstados Unidos voltaram a produzi-los, ultrapassado o período bélico que prejudicara o comércio estadunidense (aguerra da independência, obloqueio continental napoleônico e a chamadasegunda guerra da independência).
Talvez não seja exagero dizer que, após os grandes choques armados do começo doséculo XIX, a história dos povos timbira é um contínuo definhar que dura até meados do século seguinte. Os remanescentes das diferentesetnias que sobravam após massacres, epidemias, expulsão da terra, iam engrossar a população daquelas que não estavam, temporariamente, enfrentando tais problemas, dando-lhes um reforço na manutenção da cultura timbira.
É possível distinguir três situações de contato com base na principalatividade econômica regional:
Obviamente, esse é um modo de ver pautado nas perspectivas etnológicas de meados doséculo XX, quando se consideravam as mudanças nas culturas indígenas de acordo com a frente econômica que com elas fazia contato. Hoje é preciso levar em conta outras formas de contato, como as grandes obras deinfraestrutura (economia) que, no caso dos Timbira, afetaram direta ou marginalmente sobretudo o noroeste florestal da região em que vivem: arodovia Belém-Brasília, a ferroviaSerra de Carajás-Itaqui; a hidrelétrica deTucuruí; as linhas de transmissão de energia; as grandes empresas agro-pecuárias.
Já se disse da distinção entre os Timbiras Orientais e Ocidentais.Curt Nimuendajú, com base em diferenças dialetais, que correspondem também a uma distribuiçãogeográfica, classificou os primeiros em dois conjuntos, um aonorte e outro aosul.
Os Timbira Orientais do norte são aqueles que viviam nos cursos inferiores dosrios Mearim ePindaré, noMaranhão. No Mearim, eram os Krenyê deBacabal (núcleo urbano junto ao qual estavam), os Kukoikateyê e, possivelmente, os "Pobzé". Quanto aos do baixo Pindaré, as fontes não lhes deixaram os nomes. OsKrenyê de Bacabal e os "Pobzé" começaram a apresentar-se pacificamente diante dos moradores dessa localidade em meados doséculo XIX, de modo que o governo criou a colônia deLeopoldina (no médioGrajaú) para eles e para os Kukoikakateyê. Aí, em1855, foram afligidos por umafebreepidêmica, que matou muitos e fez outros fugirem. Em1862 ainda havia em Leopoldina 336 Timbira do Mearim, dos quais 87 eram Krenyê, 158 eram Kukoikateyê e 91 eram "Pobzé". Em1919, os Krenyê moravam em Cajueiro, em número de 43, enquanto os Kukoikateyê, em número de 30, moravam no local chamado Santo Antônio. Quando oetnólogo Curt Nimuendaju escrevia seu livroThe Eastern Timbira, publicado em1946, os Krenyê e os Kukoikateyê ainda moravam em localidades próximas, nafloresta, a certa distância da margem direita do baixo Grajaú; quanto aos "Pobzé", ele os dava porextintos. Destes três povos, há, atualmente, apenas representantes dos Kukoikateyê, que vivem naTerra Indígena Geralda/Toco Preto, cortada pelo rio Grajaú, no município de mesmo nome, junto com índiosGuajajara. Os dados sobre a população dessa terra indígena dão 72 habitantes para o ano de1990, sem distinguir uma etnia da outra.
Por sua vez, os grupos timbiras do baixo Pindaré, a partir de meados doséculo XIX, começaram a migrar para oeste. Em1862 havia de 100 a 150 desses migrantes norio Gurupi, que separa o Maranhão doPará. Explorados por um civilizado, afastaram-se deste rio, mas a ele retornaram em1889, reincidindo na situação de viver sob a influência de um outro civilizado. Em1900, receberam maismigrantes timbira do Pindaré, que tinham sobrevivido a um ataque dos Guajajára ajudados porseringueiros. Sofreram um ataque dosKaapór em1903, depois um surto desarampo, até se fixarem noAraparitíua, um afluente da margem paraense dorio Gurupi. Curt Nimuendajú aí os visitou em1914-1915, contando 41 indivíduos. Ainda chegou a ver restos das máscaras que haviam usado numrito realizado antes de sua visita, no qual também fizeram corridas de toras. Entretanto, tinham abandonado o cultivo da terra para dedicarem-se à extração do óleo decopaíba, trabalhar para seringueiros ou prestar serviços de remadores. Em1919, eram 43. Esses Timbira do Araparitíua, como Nimuendajú os denominou, foram transferidos posteriormente paraPosto Felipe Camarão, junto à foz dorio Jararaca, afluente da margem maranhense do mesmo Gurupi, mais ao norte, destinado aos índiosTembé, ficando reduzidos a uns poucos sobreviventes.
O conjunto dos Timbira Orientais do sul, inclui os Krenyê doCajuapara, os Krinkati, os Pukobyê, osGaviões Ocidentais, osKrepumkateyê, osKrorekamekrá, osPõrekamekrá, que no início doséculo XIX ficavam entre oMearim e oTocantins, e os Krahó,Kenkateyê, Apanyekrá, Canela eTxokamekrá, que na mesma época ficavam entre o Mearim e oItapicuru.
Os Krenyê do Cajuapara viviam anteriormente na faixa entre o Mearim e o Tocantins; em meados doséculo XIX, tinham duasaldeias próximo à colôniamilitar Santa Tereza, hojeImperatriz (Maranhão), com uma população acima de duzentas pessoas, e entre eles atuava ummissionário carmelita. Em1872, já estavam nascabeceiras dorio Cajuapara, um formador maranhense do Gurupi, numa aldeia de 400 a 500habitantes. Contavam que tinham emigrado das vizinhanças de Imperatriz porque, na ausência dos homens, sua aldeia fora atacada por moradores dosertão, que raptaram muitas crianças indígenas. Em represália, eles queimaram uma fazenda vizinha, matando sete pessoas, e daí saíram, temendo a vingança dossertanejos. Nimuendajú visitou-os no Cajuapara em1914-1915, onde tinham uma aldeia de cerca de cem habitantes. Em1919, a população tinha caído para 65. Pouco depois, oServiço de Proteção ao Índio os transferiu mais para o norte, para o Posto Felipe Camarão, na foz do rio Jararaca, um outro afluente da margem maranhense do rio Gurupi. Reduziram-se, então, a uns poucos sobreviventes.
Por conseguinte, tanto os Krenyê de Cajuapara (oriundos do médio Tocantins) quanto os Timbira doAraparitíua (oriundos do baixo Pindaré) convergiram para o mesmo local, o Posto Felipe Camarão.Darcy Ribeiro, que subiu o rio Gurupi nos anos1949-1950, dá notícia, nos seus Diários Índios (1996, pp. 84–85, 87, 93, 166-168, 196-200) da presença desses Timbira, sem mais distinguir suas diferentes origens. Eram, ao todo, 23 indivíduos, que moravam no Posto Felipe Camarão, na aldeia de Sordado (ao que parece, de uma só casa) acima desse posto, e, mais abaixo, no Posto Pedro Dantas, o local onde se fez o primeiro contato com os Kaapor. Alguns eram casados com não-Timbira, índios ou não. Ribeiro reuniu todos num mesmaesquema genealógico, e colheu de seu líder a terminologia de parentesco e algunsmitos (um deles, o dos gêmeos, dos Tembé). Esse líder, que sabia falar as línguasportuguesa,tembé ekaapor, e era o que mais conhecia a língua timbira, não tinha muita segurança na pronúncia das palavras desta última. Em suma, os índios atualmente conhecidos como Krenyê, que vivem na Terra Indígena do Alto Guamá, no município paraense deParagominas, descendem dos Timbira do Gurupi queDarcy Ribeiro conheceu. Dados relativos ao ano de1990 indicam uma população de 813 indivíduos para essa terra indígena, habitada por Tembé, Kaapor, Guajá, Munduruku e Krenyê, mas não especificam os números por etnia.
Os Põrekamekrá, no início doséculo XIX, tinham duas aldeias entre o alto Grajaú e orio Farinha, um pequeno afluente do rio Tocantins ao norte deCarolina (Maranhão). Uma delas fez a paz com os brancos e compareceu a Carolina (então São Pedro de Alcântara), conduzida por seu chefe "Cocrît", trazendo galhos verdes em sinal de paz. Meses mais tarde, a aldeia transferiu-se para perto desta vila, mas seu chefe foi aprisionado e seus seguidores sofreram nas mãos dos brancos tantos abusos que parte deles se refugiou junto aos Krahó (migrados da bacia dorio Balsas, afluente dorio Parnaíba, para o rio Farinha). A outra aldeia foi assaltada por um expedição de São Pedro de Alcântara, ajudada pelos Krahó. Os assediados, persuadidos por falsas promessas transmitidas pelo referido chefe "Cocrît", apresentaram-se diante da expedição em número de 364, sendo ali mesmo atacados, uns mortos, outros aprisionados, enquanto alguns fugiam. Dos 164 aprisionados, 130 foram embarcados para serem vendidos noPará. Junto com esta segunda aldeia dos Põrekamekhrá foram atacados também os Põkateyê. Retirando-se os segmentos finais dos dois nomes, kamekrá e kateyê, comuns nosetnônimos timbira, e considerando-se ore como diminutivo, os dois nomes são constituídos porpõ. Mas Curt Nimuendajú lhes dá traduções diferentes: enquantopõre, do primeiro etnônimo, seria o nome da corujacaburé,põ, do segundo, significaria campo (cerrado). De qualquer modo, faltam outras informações sobre os Põkateyê.
Os Krorekamekrá (krore =caititu) também viviam na região de Carolina e eram inimigos dos Krahó. Curt Nimuendajú ainda viu uns poucos descendentes deles na aldeia dos Canelas.
Os Krepumkateyê (Krepum = nome próprio de umlago; seria referência a um lugar onde asemas poem,pum,ovos,kre) viviam próximo ao local anteriormente ocupado pelos "Caracategé", no rio Grajaú, sendo provavelmente descendentes deles. Ajudaram a perseguir os Guajajara após o episódio deAlto Alegre, em que morrerammissionários capuchinhos, em1901. Em1919, Nimuendajú os encontrou em decadência, sem terra e na dependência de umfazendeiro. Esse etnólogo conjectura que os poucos Karenkateyê (karen =lodo) que encontrou na aldeia dos Canelas poderiam ser "Caracategé", com base na semelhança dos nomes e na posição, segundo arosa dos ventos, que eles ocupavam napraça central daaldeia. Faz, com menos convicção, uma suposição alternativa: a de que seriam "Canacategé", que moravam no rio Farinha, afluente do Tocantins. Estes, no começo doséculo XIX, apesar de pedirempaz, foram atacados por uma expedição de Carolina apoiada pelos Krahó, sendo parteescravizados para serem vendidos noPará e os outros dispersados.
Por conseguinte, todos os Timbiras da faixa entre o Mearim e o Tocantins daí se deslocaram ou foram dispersos ouaniquilados, com exceção dos Pukobyê e dos Krinkati. Mesmo esses dois se viram em dificuldades. É bastante provável que os Gaviões do Oeste, que habitam afloresta junto ao rio Tocantins, no Pará, seriam uma facção dos Pukobyê que deles se separou no século passado, recusando-se ao contato com os colonizadores. Os Krinkati, por sua vez, viram-se de tal modo reduzidos em sua terras, que chegaram a dispersar no início doséculo XX, e durante alguns anos não tiveram aldeias; entretanto, conseguiram novamente erigi-las.
Dos Timbira que ficavam a leste do Mearim, os Krahó foram os que sofreram maior deslocamento. No início doséculo XIX viviam próximo ao rio Balsas, afluente do Parnaíba. Afastados daí pelo avanço da frentepecuarista, deslocaram-se para junto do rio Farinha, um afluente do Tocantins, onde, cooptados por fazendeiros e por um comerciante que tinha base em Carolina, ajudaram-nos a combater os Timbira da faixa entre o Mearim e o Tocantins. Em meados do mesmo século, foram transferidos mais para o sul por um missionário capuchinho para terras hoje no Estado doTocantins.
Dois povos Timbira da faixa entre o Mearim e o Itapicuru desapareceram como grupos autônomos. Um deles foram os Txokamekrá (txó =raposa), também conhecidos como Mateiros, que viviam entre a margem direita do Mearim e a esquerda dorio Itapicuru, deCaxias (Maranhão) para o sul, nucleados ao longo dorio das Flores, afluente do primeiro. Sofreram uma derrota para osbrancos no fim doséculo XVIII. Foram surpreendidos por uma outra expedição em1815. Refugiaram-se no alto de umaserra. Os que daí desceram desarmados, enganados por propostas depaz, aliança contra seusinimigos e promessas de ferramentas, foram aprisionados e vendidos emleilão na praça de Caxias. Em1818, revidaram, aceitando os presentes de uma expedição, mas depois matando os expedicionários que desciam com eles para Caxias, a fim de estabelecer um acordo. Em1847, ainda se registrava a existência de duas aldeias suas. Passaram por umaepidemia em1855. Inimigos dosRamkokamekrá, que chegaram a ajudar os brancos contra eles, acabaram por fundir-se com eles ainda noséculo XIX. Doenças os levaram a separar-se deles. Porém, cada vez mais acossados pelos sertanejos, voltaram a se juntar aos Ramkokamekhrá por volta do início doséculo XX. Nimuendaju, que pesquisou entre estes últimos em1929-1936, foi aí adotado por uma família Txokamekrá. O mesmo aconteceu com etnólogoWilliam Crocker, que iniciou suas pesquisas com os Canela nosanos 1950.
Também desapareceram os Kenkateyê em1913, num massacre traiçoeiro promovido por um fazendeiro. Viviam nas cabeceiras doAlpercatas, afluente do Itapicuru. Os poucos que escaparam ao massacre procuraram refúgio sobretudo entre os povos que parecem ter-lhes dado origem, em meados doséculo XIX: os Apanyekrá e os Krahó.
Desta faixa, portanto, restaram os Krahó, os Canelas e os Apanyekrá, em cujas aldeias foram abrigados descendentes de outros Timbira que se dispersaram.
Acultura de cada povo timbira atual é tema de seus respectivosverbetes. Aqui se apontará simplesmente aquilo que têm em comum. As semelhanças começam pela própria aparência que dão ao corpo. O corte decabelo é o mesmo para ambos ossexos, longos, com um sulco em torno da cabeça à altura dafranja, interrompido, menos para os Apinayé, na parte posterior. Os homens trazem grandesbotoques auriculares; os Gaviões do Oeste furavam também olábio inferior. As jovens, sem filhos, tinham um cinto de vários cordéis detucum. Entre a maneira de se apresentar do período pré-contato e as tendências atuais de cada vez mais adotarem o vestuário doscivilizados, os Timbira docerrado mantiveram umaindumentária feita com artigos dos civilizados, mas com características próprias: os homens escondiam osexo com um retângulo de tecido preso a um cinto de couro ou um cordel; às vezes, ao viajar, faziam atanga com a parte superior das calças, que eram amarradas às cintura com as pernas; vestiam-nas normalmente só quando se aproximavam de locais habitados por civilizados. Asmulheres se cobriam dacintura aosjoelhos com uma peça de pano, que tinham o cuidado de embainhar com agulha e linha; nopescoço, várias voltas (podiam chegar a trinta) demiçangas, guarnecidas com um feixe demedalhascatólicas (chamadas de "verônicas"). Esses vestuário era usado sem prejuízo da pintura de corpo.
Também assemelham-se na cultura material. Usamcabaças comorecipientes para água e alimentos, em lugar decerâmica. Dormem emestrados forrados com esteiras, em lugar de redes de dormir. Fazem uma profusão de artefatos feitos depalha trançada:cestos,esteiras,faixas. Assambolos demandioca ecarne, envolvidos em folhas debananeira brava, sob pedras previamente aquecidas. Água ou caldos também podem ser posto a ferver quando colocados em cabaças oucapembas, mergulhando-se, no líquido, pedras aquecidas. Hoje, o uso depedras aquecidas é mais frequente no preparo de bolos para osritos; para a alimentação cotidiana se usampanelas deferro. Não há vestígios de como seriam as casas antes do contato com os brancos. As de hoje, de origemsertaneja, são retangulares, com teto de duaságuas coberto de folhas depalmeira. Asparedes, detroncos verticais entremeados compalha, tendem casa vez mais a serem substituídas porbarrote. Geralmente faltam as divisões internas da casa sertaneja, assim como asjanelas.
Nasaldeias timbira, as casas se dispõem uma ao lado da outra, ao longo de um largo caminho, de modo a formar um grandecírculo. De cada casa sai um caminho, mais estreito, em direção ao centro, onde está opátio. Este, ao contrário do que acontece com aldeias de outros povosjê, não tem casa-dos-homens ou qualquer outraconstrução. Isso não impede osrapazes de dormirem nele ao relento quando nãochove. O pátio é o local das reuniõesmasculinas, aoamanhecer e ao anoitecer. Nele as mulheres cantam dispostas em fila, ombro a ombro, conduzidas por um cantor que agita omaracá.
Ocasamento,monogâmico, implica na transferência domarido para casa onde vive a mulher. A união se torna estável depois do nascimento do primeirofilho. Mas há ampla liberdade sexual parasolteiros ecasados. Casas contíguas oriundas do desdobramento de uma casa anterior são, por força da regra de residência pós-marital, relacionadas entre si por linha feminina e formam uma unidadesocial. As pessoas nascidas num mesmo segmento de casas desse tipo não casam entre si. Tais segmentos são, pois,exogâmicos.
Dentro do espaço daaldeia, as direções têm significado. É preciso estar atento para oposições como centro/periferia, leste/oeste, alto/baixo e outras para se chegar a ter algum entendimento dos vários ritos que aí se realizam. Há ritos relacionados aociclo de vida dos indivíduos, os relativos ao ciclo anual e ainda os associados a um ciclo mais longo, de iniciação.
Desses ritos, fazem parte ascorridas de revezamento, em que cada uma das duas equipes que as disputam carrega uma seção de tronco deburiti (ou de outro vegetal). O formato dastoras (longas ou curtas, maciças ou ocas, cavadas ou com cabos), seu tamanho e seus ornamentos variam conforme o rito em realização.
Para essas disputas, mas não somente para elas, cada povo timbira se divide em duas partes, ditas metades. O mesmo povo pode dividir-se em distintos pares de metades, cada qual com seu critério de afiliação: nome pessoal, faixa de idade, livre escolha, mas, ao que parece, em nenhum casodescendência unilinear.
O nome pessoal, além de critério importante paraafiliação a metades, também está associado a certos papéis rituais, que são herdados com ele. O nome masculino é transmitido por parentes de uma categoria que inclui otiomaterno, oavô materno e o avôpaterno entre outros; o nome feminino, pela categoria de parentas que inclui atia paterna, aavópaterna e a avó materna, entre outras.
Essa identificação pelo nome, de caráter mais ritual, se contrapõe a uma outra que associa parentes geralmente integrantes da mesmafamília elementar. Trata-se das evitaçõesalimentares, sexuais ou de outros tipos de comportamento que devem ser respeitadas quando umfilho oufilha, pai ou mãe, irmão ou irmã de um indivíduo passam por um período de crise, como os primeiros dias de vida, uma enfermidade, a picada de um animal peçonhento, baseadas na crença de que o que afeta a um também afetará o outro. Esses laços costumam ser chamados "de substância" nos livros deetnologia.
Os termos deparentesco classificam filhos dos tios de sexos opostos aos dos pais com parentes de outrasgerações. A aplicação dos termos aos parentes distantes pode afastar-se do padrão quando envolve portadores do mesmo nome pessoal, parentes para com os quais se mudou de atitude, amigos formais. Quanto a esses últimos, vale esclarecer que podem ser de dois tipos: aqueles unidos por umaamizade mais espontânea, que os faz iguais, como se fossem irmãos; e os ligados por um laço mais rígido, marcado simultaneamente por umasolidariedade exagerada e pela evitação, que os faz como contrários.
Seus grupos locais se relacionam pelachefia honorária, constituída pela aclamação de um morador de uma aldeia pelos de outra, da mesma ou de outra etnia, estabelecendo uma relação de paz e amizade, e proporcionando hospedagem de uns na aldeia dos outros.
Seusmitos, que estão referidos nosverbetes específicos de cada etnia timbira, são, na grande maioria, os mesmos, com pequenas variações:Sol eLua e a criação dosseres humanos, dotrabalho, damorte, damenstruação, dosanimais importunos epeçonhentos; a Mulher-Estrela, que ensina o uso dos vegetais cultiváveis; a luta contra o grande gavião e a grande coruja e a origem do rito deiniciação Pembyê; a assunção de um homem aos céus pelosurubus, de onde traz o conhecimento doxamanismo e do rito de iniciação Pembkahëk; o conhecimento do uso dofogo, que foi tomado das onças; a transformação de alguns seres humanos em monstros, como o Perna-de-Lança; o surgimento dohomem branco pela exclusão de um membro anômalo do seio da sociedade indígena. É constante, pois, nessa mitologia, a passagem de conhecimentos de fora para dentro da sociedade e de certos seres no sentido contrário. Além dos mitos, os diferentes povos timbiras fazem narrativas de caráter mais histórico, geralmente episódios de conflito e guerra.
No passado, a instituição dachefia honorária era o único elo formal que podia relacionar povos timbiras, ou melhor, ligar, duas a duas,aldeias do mesmo povo, ou de dois povos timbiras, ou ainda a de um povo timbira com a de um não timbira. Em tempos recentes, os Gaviões do Oeste têm mostrado interesse em conhecer os outros povos Timbiras, visitando-os, como ilustra o vídeoEu já fui seu irmão, deVincent Carelli. O empenho dos diferentes povos timbiras em defender seus interesses comuns conduziram à criação, em1994, da Associação Vy'ty Cati, com sede emCarolina (Maranhão).
Aqui se fará referência afontes que tratem de todo o conjunto dos povos Timbira ou que façam comparações entre os mesmos. Não existe um trabalho geral sobre os Timbira, masCurt Nimuendajú, em seu livro sobre os Canela,The Eastern Timbira, faz uma breve histórico de cada povo timbira, inclusive os extintos sobre os quais há alguma informação. Dentre as fontes históricas destacam-se as memórias deFrancisco de Paula Ribeiro,militarportuguês que comandava as tropas do sul doMaranhão no começo doséculo XIX.
São poucos os trabalhos que comparam diferentes povos timbira.Roberto DaMatta, pela comparação das versões krahó e canela do mito de origem dos civilizados, discute a complementaridade do avô materno e tio materno no que tange à autoridade doméstica.Maria Elisa Ladeira, mediante o estudo dos Krahó, Apanyekrá e Apinayé, relacionademografia, transmissão de nomes pessoais esistema matrimonial.Júlio Cézar Melatti toma os grupos da praça entre os Krahó, Canela e Krinkatí, como transfiguração simbólica das diferentes possibilidades do indivíduo se relacionar com o grupo.Dolores Newton encontra distinção entre os Krinkatí e Pukobyê no exame da técnica de torcer os fios de algodão e de trançá-los na confecção deredes de dormir. Maria Elisa Ladeira eGilberto Azanha, no artigo "Os 'Timbira atuais' e a disputa territorial", dão notícia da situação das terras de cada povo timbira.Vincent Carelli, num vídeo, mostra como os Gaviões do Oeste e os Krahó numa troca de visitas, se estudam e se comparam.