a.k.a. Contra a Corrente
"Sou reaccionário. A minha reacção é contra tudo o que não presta." Nelson Rodrigues
publicada por MacGuffin aka Carlos do Carmo Carapinha às 14:560 Comentários
O último rei de Portugal
"Nas cortes do Absolutismo, o poder, a influência de cada um era medida pela proximidade do rei. A gente de importância ficava perto, a gente sem importância ficava longe. Em princípio ninguém falavasponte sua à pessoa sagrada que representava a ordem política e a ordem social; esperava que lhe falassem e geralmente respondia com as fórmulas tradicionais que a etiqueta estabelecia.
A tentativa de Maria Antonieta para ser tornar “humana” e “popular” (indo ao teatro, por exemplo) prejudicou mortalmente a Monarquia e criou contra ela um ódio universal. Esta digressão vem a propósito da homenagem que a televisão e os jornais resolveram prestar a Álvaro Cunhal, no centenário do seu nascimento. Quase toda a gente, que se resolveu a partilhar as suas memórias do homem, o tratou como um soberano.
De Manuel Alegre a Herman José, não apareceu uma única solitária criatura que se atrevesse, a esta distância, a pensar nele como um homem. Verdade que o homem Cunhal se escondia por detrás da sua figura messiânica; antes de morrer sempre impediu que Portugal soubesse com quem vivia (ou vivera), o nome dos filhos (se existiam), que amigos tinha, como se divertia ou qualquer outra coisa susceptível de perturbar a imagem do “comunista de cristal”, que ele encarnava ou, pelo menos, pretendia encarnar. Não é coincidência que as personagens que por aí o incensaram ignorem quase totalmente a política e se lembrem muito bem de episódios triviais, em que o soberano magnanimamente desce à inferioridade dos serventes e cortesãos para se mostrar bondoso, sensível, irónico e até paternal. Nas memórias que escreveram depois da revolução, os fiéis do “martirizado” Luís era assim que o lembravam.
Como hoje se lembram de Cunhal os militantes do PCP, os “companheiros de caminho” e umas largas dúzias de patetas. O indivíduo que planeava transformar Portugal numa espécie de Bulgária do Ocidente, o promotor do PREC, o responsável pelas “nacionalizações” e pela ocupação dos “latifúndios”, o desorganizador da economia, o inimigo da “Europa”, esse parece que desapareceu. Só resta, com muito sentimentalismo, como ele gostaria, a máscara dosoberano, perante a qual ainda uma pequena parte do país se acha obrigada a genuflectir. A consciência histórica dos portugueses é um óptimo reflexo da inconsciência que os trouxe à miséria e ao desespero."
publicada por MacGuffin aka Carlos do Carmo Carapinha às 19:300 Comentários
Queremos perceber
"A RTP, estação oficial, oferece agora de madrugada (à volta das duas da manhã), ao pequeno grupo dos seus fiéis, pornografia light e um pouco mais, talvez para aumentar uma audiência em risco de extinção. Desde segunda-feira, passou um documentário sobre o Crazy Horse, para quem está particularmente interessado na anatomia feminina e se diverte com o espectáculo, presumivelmente erótico, de um travesti. E passou também dois filmes do artista espanhol Bigas Luna (ou do Panamá, da Costa Rica ou do Peru, é indiferente), em que o light já anda perto do hard e se mostram, dentro da variedade possível, e com grande devoção e um inusitado brilho, exercícios sexuais que certamente contribuem para a educação do povo boçal e a alegria do país.
Não sou pudibundo, nem tenho nada contra aqueles que gostam ou precisam de pornografia, light ou hard, para o seu descanso. Mas não deixa de me intrigar a razão por que a RTP resolveu escolher este audacioso caminho. Por equívoco? Por um acaso feliz no meio da trapalhada vigente? Por uma subtil estratégia de programação? Ou por simples zelo do princípio constitucional da igualdade, a benefício das velhinhas de Trás-os-Montes, sem computador, que nunca foram a Paris, ao Meco ou às praias do Algarve? Por mais que pense não consigo decidir. Nem, de resto, a própria Igreja Católica Apostólica Romana, que sob a influência do Papa Francisco leva hoje estas coisas com evangélica tolerância. Só que desgraçadamente, em tempo de crise, as dúvidas não acabam aqui.
Qualquer cidadão que paga a RTP com a conta da electricidade ou com impostos, a pretexto de que a RTP é um serviço público indispensável, perguntará com certeza se a pornografia light ou hard é um serviço público. O ministro Poiares Maduro já declarou que o futebol (no mínimo, um jogo por semana) era um direito imprescritível dos portugueses. A súbita aparição da pornografia a horas recatadas vem da mesma generosa visão? E, se vem, a que outros campos se alarga ela? Imagino muitos, mas não quero limitar a liberdade criativa da RTP, e menos a do sr. Maduro. De qualquer maneira, a pergunta essencial pede resposta: que espécie de argumentos justificam a promoção (admito que merecida) da pornografia a serviço público? Nós, que a sustentamos, queremos perceber."
publicada por MacGuffin aka Carlos do Carmo Carapinha às 19:370 Comentários
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